21/5/2013, Ramzy Baroud, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ramzy
Baroud,
palestino da diáspora, é colunista internacional e editor do site Palestine Chronicle.
Seu mais recente livro é My
Father Was a Freedom Fighter: Gaza’s Untold History
[Meu
pai era um revolucionário: a história não contada de Gaza], publicado pela Pluto
Press.
Em
artigo publicado dia 15 de
maio
o cientista social norte-americano Immanuel
Wallerstein escreveu:
Immanuel Wallerstein |
Nada ilustra melhor as limitações
do poder ocidental, que a controvérsia interna que devora suas próprias elites,
já pública, sobre o que os EUA, especificamente, e os estados da Europa
Ocidental deve(ria)m fazer no caso dadisputa que se trava na
Síria.
Essas
limitações são palpáveis, seja no falar seja no agir. Um vácuo político – criado pelos fracassos militares
dos EUA e pelas retiradas a que foram forçados depois da Guerra do Iraque –
permitiu que países como a Rússia reemergissem no cenário, como atores efetivos.
É
muito significativo que, depois de dois anos, desde o início do levante sírio
convertido depois em banho de sangue, os EUA continuem a tentar mascarar o
próprio envolvimento, servindo-se dos aliados árabes e da Turquia, para assim
garantir assistência indireta às forças que se
opõem ao governo de Bashar al-Assad. Até o discurso político dos EUA é indeciso;
não raras vezes, incoerente.
No
corner oposto, a posição russa é cada
vez mais firme, mais consistente, avançando sempre; com os EUA empurrados cada
vez mais contra as cordas, comprovando-se incapazes de ação consistente, senão
pelas “condenações” nas “declarações” ou em “declarações” que nada declaram. Isso, vale lembrar, muito tem desagradado os aliados
árabes.
A
recente entrega, pelos russos ao governo da Síria, de sofisticados mísseis
terra-mar, e o deslocamento que promoveram, de navios de guerra para o Mediterrâneo ocidental é exemplo claro. O movimento foi condenado pelo governo
Obama como “fora de hora e muito infeliz”.
Mas
essa atitude norte-americana é novidade na Região: por trás dela, jaz uma história sangrenta, de política
externa imprudente. Independente de os EUA decidirem ou não intervir na Síria,
tudo faz crer que já não será possível um simples retorno à abordagem anterior,
de potência dominante.
A
impotência atual dos EUA no Oriente Médio é absolutamente sem precedentes, pelo menos depois da rápida desintegração do bloco
soviético no início dos anos 1990s.
A
dissolução da União Soviética abrira lugar para o crescimento de um mundo
unipolar, completamente gerenciado pelos EUA.
Aquela hegemonia norte-americana não contestada implicou mudança na dialética
histórica, pela qual as grandes potências enfrentavam-se uma a outra; e o resto
do mundo, mais ou menos, acomodava-se naquela disputa.
Naquele
momento, os EUA agiram rapidamente para afirmar sua dominação, a começar por
sórdidas aventuras militares, como a invasão do Panamá em 1989. Movimento bem mais calculado veio
depois, com uma guerra devastadora contra o Iraque, em 1990-91.
No
Panamá, o objetivo era lembrar aos vizinhos do sul dos EUA, que o policial de
quarteirão continuava a postos, e poderia intervir a qualquer momento, pra
rearranjar todo o paradigma político, na direção e ao modo que Washington
entendesse necessário – como se viu acontecer no golpe e na guerra orquestrados
pela CIA na Guatemala em 1954 e até antes.
O
envolvimento militar massivo dos EUA no Iraque, contudo, foi de conquistador que
chega com sua coorte de vários países – aliados regionais e ocidentais –,
para exigir o butim resultante do fim da Guerra
Fria. Foi arrogante show
de força, dado que o alvo era um único país
árabe, com poucos meios militares e econômicos, versus grandes potências militares, próximas e remotas.
A
guerra devastou o Iraque – só na primeira campanha aérea de bombardeio, foram
lançadas 88.500 toneladas de bombas. Usaram-se e
testaram-se novos modelos de armamentos, enquanto a imprensa-empresa e a opinião
pública nos EUA festejavam as glórias de seus militares. Morreram centenas de
milhares de iraquianos, outros mais foram feridos e mutilados, como resultado de
uma das guerras mais assimétricas em toda a história.
Tentando
capitalizar o triunfo militar, Washington operou rapidamente para obter um
acordo político entre seu aliado mais íntimo – Israel – e países árabes. A
lógica por trás da Conferência de Madrid em 1991 foi alcançar uma pseudo paz,
que servia aos interesses de Israel, ao mesmo tempo em que abria uma via de
normalização entre Israel e seus vizinhos. Mais que isso, os EUA esperavam obter
alguma espécie de “estabilidade” que lhes permitisse gerir a região do Oriente
Médio e todos os seus recursos, em ambiente de menos hostilidade.
Com
o passar dos anos, as visões políticas de EUA e de Israel aproximaram-se cada
vez mais, mas Washington logo se converteria em
mero canal de transmissão para os objetivos coloniais dos israelenses. Viu-se a
confirmação disso várias repetidas vezes durante o governo de George W. Bush, o
qual acrescentou, aos fracassos dos EUA na região, ainda mais outras guerras
desastrosas e perigosas.
Uma
das principais falhas da política externa dos EUA é que ela depende quase
completamente da força militar: da capacidade para fazer cidades voarem pelos
ares. A guerra dos EUA contra o Iraque, que, sob
várias formas, estendeu-se de 1990 a 2011, incluiu um bloqueio
devastador; e terminou em invasão brutal.
Essa
longa guerra teve de falta de escrúpulo o que teve de violência. Além do
aterrador número de mortos, vinha inscrita numa horrenda estratégia política, de
explorar as divisões sectárias e outras que já existiam no país; o que
rapidamente semeou ali, além de uma guerra civil, também o ódio sectário – duas
desgraças das quais dificilmente o Iraque conseguirá recuperar-se ainda por
muitos anos.
Mas,
nos últimos anos, as limitações do poder militar dos EUA foram-se tornando cada
vez mais óbvias. O império já não se mostrava capaz de traduzir, em campo, a
própria dominação – mais ferozmente confrontada, a cada dia, por grupos locais
de resistência –, e apresentar o nível de progresso político exigido para
conseguir um mínimo, que fosse, de “estabilidade”.
Mas
sobretudo, uma recessão econômica, somada à retirada do Iraque e a outro
fracasso também caríssimo no Afeganistão – forçaram o novo governo em Washington, sob a liderança do presidente Barack Obama
a repensar a campanha anterior, de Bush, pela hegemonia global. Logo vieram os
cortes massivos nos gastos dos militares.
Simultânea
e concorrentemente, o desequilíbrio no poder global começou, lenta mas
firmemente, a ser compensado, do outro lado do mundo, pela ascensão da China
como novo competidor possível.
No
meio da transição dos EUA, quando tentavam repensar suas políticas, um levante
popular sacudiu todo o Oriente Médio. As manifestações – revoluções, guerras
civis, tumultos regionais e conflitos de toda ordem – reverberaram até bem longe
das praças do Oriente Médio.
Impérios
ascendentes e impérios declinantes, todos eles, igualmente, tomaram
conhecimento. Linhas tentativas foram
rapidamente traçadas e exploradas. Jogadores mudaram de posição ou se
encaminharam para posições mais avançadas, como se um novo Grande Jogo estivesse
para começar. A chamada “Primavera Árabe” rapidamente se ia convertendo em fator
que alteraria o jogo, numa região que sempre parecera impermeável a qualquer
tipo de transformação.
A
transformação do Oriente Médio – às vezes promissora, às vezes sangrenta e
gorada – chegou num momento em que os EUA estavam obrigados a
fazer ajustes nas suas prioridades militares.
Aplicar-se mais focadamente na região do Pacífico e no Mar do Sul da China são
instâncias daquela necessidade de alterar rumos. E então, de repente, os EUA
foram obrigados a envolver-se novamente no Oriente Médio, e como um todo – sem
poder dividir a região, país a país. Foi quando, afinal, a fraqueza dos EUA foi
sinistramente exposta, e a falta de poder para influir tornou-se palpável.
Bancarrota
talvez seja termo apropriado para descrever a atual política dos EUA no Oriente
Médio. Aventuras militares temerárias e
imprudentes devastaram a Região, mas nem assim contribuíram para que os EUA
alcançassem qualquer dos seus objetivos de longo prazo. Políticas de violência e
exploração, que operam para violar e explorar, não para conhecer e entender o
Oriente Médio e as complexidades de sua formação histórica e política; e a
insistência em manter Israel como principal prioridade em tudo que fazem ou
pensam no cenário político mutável do Oriente Médio dificilmente darão bom
resultado nem servirão aos interesses dos EUA.
Porém,
diferente do início dos anos 1990s, quando os
EUA movimentaram-se para remodelar toda a região e estabeleceram ali sua
presença militar permanente, as novas dinâmicas obrigam a mudar as táticas. E,
nessa nova realidade, os EUA absolutamente não conseguem mudar coisa alguma. De
fato, já parecem condenados, no máximo, a tentar alguma espécie de gerenciamento
dos resultados adversos, com minimização dos danos.
O que
os EUA e a Europa Ocidental querem fazer é “controlar” a
situação – escreveu Immanuel Wallerstein –
não são capazes de controlar coisa
alguma. Daí a gritaria dos ‘intervencionistas’ e o arrasta-arrasta dos
‘prudentes’. É jogo de perde-perde para o ocidente e, simultaneamente, tampouco
é vitória para os povos do Oriente Médio.
Esse
cenário de “perde-perde” talvez não se traduza no imediato derretimento de toda
a política exterior dos EUA, mas sem dúvida já abriu a possibilidade de que
novos atores surgissem e crescessem. A Rússia é, aí, o caso exemplar mais claro.
Os
EUA serão obrigados a mudar suas táticas, gritem o quanto gritarem as forças
neoconservadoras e todo o lobby pró-Israel.
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