20/5/2013, Pepe Escobar,
Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Bashar
al-Assad falou com exclusividade ao jornal argentino El
Clarin (a diáspora síria é imensa na Argentina, como
também no Brasil).
Avançando
contra o nevoeiro gerado pela histeria ocidental, Bashar destacou alguns pontos
importantes. Há provas, sim, de que o governo sírio declarou várias vezes que
concordava com conversar com a oposição; mas os
muitos grupos “rebeldes”, que sequer falam uns com os outros, que não têm
liderança unificada, sempre recusaram qualquer conversa. Assim sendo, não há
como implementar algum cessar-fogo que, eventualmente, venha a ser “acordado” na
próxima Conferência de
Genebra, entre EUA e Rússia. Assad
faz sentido, quando diz que “Não podemos discutir cronogramas, sem sabermos com
quem discutimos”.
Sim,
mas... qualquer pessoa que acompanhe o desenrolar da tragédia síria sabe quem
são, todos eles, ou quase. Sabe-se que os Nada-Livres Canibais Sírios, digo, o
“Exército SírioLivre” [ing. Free Syrian Army, FSA)] é um bando esfarrapado de senhores-da-guerra,
gângsteres e oportunistas de várias marcas & griffes, em intersecção-somatório com jihadistas linha-duríssima da espécie
Jabhat al-Nusra (mas também de outros grupos e subgrupos ligados à, ou
inspirados pela, al-Qaeda).
A
Agência Reuters demorou meses, mas, afinal, teve
de admitir que os jihadis
comandam o
show em campo. Um
comandante “rebelde” até reclamou à Reuters:
Nusra
agora é duas: uma segue a agenda da al-Qaeda, que luta por uma maior nação
islamista. A outra é síria, com agenda nacional, para ajudar a derrubar
Assad.
O
que não disse é que a Nusra que realmente faz diferença é a ligada à al-Qaeda.
A
Síria está convertida em Inferno das Milícias ; em
tudo semelhante ao Iraque de meados dos anos 2000s, parecidíssima com a Líbia-estado-fracassado
“libertado” imposto ali pelo Ocidente. Essa afeganistização/ somalização da
Síria é consequência direta da ação do eixo de intervenção CCGOTAN-I (Conselho
de Cooperação do Golfo-Organização do Tratado do Atlântico Norte & Israel).
Portanto, Assad acerta, quando diz que o ocidente está jogando gasolina ao fogo,
e só se interessa por “mudar o regime” custe o que custar.
Assad
não é político brilhante – e desperdiçou uma oportunidade de ouro para explicar
à opinião pública ocidental, ainda que resumidamente, por que Arábia Saudita e
Qatar, petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo, mais a Turquia, estão
doidas para pôr fogo, de vez, à Síria.
Poderia
ter falado do desejo do Qatar, de entregar a Síria à Fraternidade Muçulmana; e
de a Arábia Saudita acalentar o sonho de fazer ali um cripto-emirado-colônia.
Poderia ter falado do pânico que acomete Arábia Saudita e Qatar, que veem os
xiitas do Golfo Pérsico abraçarem legítimos ideais do Despertar Árabe.
Poderia
ter apontado as ruínas nas quais jaz hoje a política turca de “zero problema com
os vizinhos”: um dia, Ancara-Damasco-Bagdá colaboram, unidas; dia seguinte,
Ancara quer “mudança de regime” em Damasco; e
todos os dias antagoniza Bagdá. Acima de tudo, a Turquia atrapalha-se cada dia
mais com os curdos que se vão fortalecendo, do norte do Iraque ao norte da
Síria.
Poderia
ter detalhado o modo como Grã-Bretanha
e França, dentro da OTAN, para nem falar dos EUA e
de suas petromonarquias-fantoches, estão usando
a desintegração da Síria, para atingir o Irã – e como todos esses atores que
fornecem armas e muito dinheiro dão importância-zero ao sofrimento do “povo
sírio”. Só os alvos estratégicos interessam.
Enquanto
Bashar al-Assad falava, a Rússia agia. O
presidente Vladimir Putin – bem ciente de que as conversações de Genebra já
estão sendo desencaminhadas por vários agentes e atores, bem antes, até, de
começarem – deslocou navios de guerra russos para o leste do Mediterrâneo; e ofereceu à
Síria um
carregamento de ultramodernos mísseis terra-mar
Yakhont, mais
vários mísseis S-300
antiaéreos – o modelo russo equivalente ao míssil Patriot dos EUA. E nem é preciso lembrar
que a Síria já tem mísseis antiaéreos russos, os SA-17.
Agora,
elementos da gangue CCGOTAN, tentem aí, tentem, qualquer um, “contornar” a
ONU, e aparecer com alguma operação “Mini Choque
e Pavor”, contra Damasco. Ou metam-se a implantar alguma zona aérea de exclusão.
Em termos militares, o Qatar e a Casa de Saud são piada. Britânicos e franceses
sentem-se seriamente tentados, mas não têm os meios – ou estômago. Washington
tem os meios – mas não o estômago. Putin sabe, com absoluta certeza, que o
Pentágono já entendeu seu recado.
E não
esqueçamos o Oleogasodutostão
Assad
também poderia ter falado – e do que poderia ser? – do Oleogasodutostão.
Bastar-lhe-iam dois minutos para explicar o significado do acordo para o
gasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões, assinado em julho de 2012. Esse
entroncamento crucial do Oleogasodutosão exportará gás extraído do campo Pars
Sul, no Irã (o maior do mundo, partilhado com o Qatar), cruzando o Iraque, para
a Síria – com uma possível extensão para o Líbano, com clientes já assegurados
na Europa Ocidental. É situação que os chineses descrevem como “ganha-ganha”.
Mas
nada de gás para – adivinhem! – nem Qatar, nem
Turquia. O Qatar sonha com um gasoduto rival, de seu campo Norte (contíguo ao
campo Pars Sul, do Irã), que atravesse a Arábia Saudita, Jordânia, Síria e
finalmente Turquia (que espera faturar sobre a licença de passagem da energia,
entre Oriente e Ocidente). Destino final: mais uma vez, a Europa Ocidental.
Como
em tudo que tenha a ver com o Oleogasodutostão, o xis da questão é “contornar” o
Irã e a Rússia. É o que faz o oleogasoduto qatari – freneticamente apoiado pelos
EUA. Mas, instalado o gasoduto Irã-Iraque-Síria,
a rota de exportação só poderá começar em Tartus, porto sírio no Mediterrâneo
leste, que dá hospedagem à Marinha russa. Claro que a gigante russa Gazprom
entrará nesse quadro – do investimento à distribuição.
Que
ninguém se engane: o Oleogasodutostão, mais uma vez obrigado a “contornar”
Rússia e Irã – explica muita coisa sobre por que a Síria está sendo destruída.
O
esquema Petróleo-para-a-Al-Qaeda, da União Europeia
Enquanto
isso, o exército sírio real – com o apoio do Hezbollah – está metodicamente reconquistando
Al-Qusayr, retomando dos “rebeldes” o controle desse ponto estratégico. O passo
seguinte será olhar na direção leste – onde a frente Jabhat al-Nusra alegremente
enriquece, lucrando com mais uma trapalhada típica da União Europeia: a decisão
de levantar as sanções que impedem
que a Síria compre petróleo.
Mercenários da Frente Jabhat al-Nusra, associados à al-Qaeda |
Joshua Landis,
blogueiro de Syria Comment, já extraiu as conclusões óbvias:
Quem
puser a mãos no petróleo, na água e na agricultura, prenderá pela garganta os
sunitas sírios. No momento, quem faz isso é a Frente al-Nusra. A abertura do
mercado de petróleo para a Europa força a barra nessa mesma direção. Portanto, a
conclusão lógica dessa loucura só pode ser uma: a Europa logo estará financiando
a al-Qaeda.
Pode-se
chamar de “o esquema Petróleo-para-a-Al-Qaeda, da União Europeia”.
O
Sudoeste da Ásia – que o ocidente chama de “Oriente Médio” – deve permanecer
como espaço privilegiado da irracionalidade em ação. No pé em que andam as
coisas na Síria, mesmo sem zona aérea de exclusão, o que se verá partindo dali,
para sempre, voo rápido, é a paz – com todos e
mais alguns, todos, todos, envolvidos: EUA, Rússia, União Europeia, mas também o
Hezbollah, Israel e, claro, o Irã – como o ministro russo de Relações Exteriores
Sergei
Lavrov já deixou bem claro.
Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Russia |
Muito
distante do que exige a obsessão ocidental por “mudança de regime”, a já difícil
próxima Conferência de Genebra poderá obter, no máximo, um acordo que considere
os termos da Constituição Síria – a qual, por falar dela, é absolutamente
legítima, adotada em 2012, aprovada por maioria
de votos do verdadeiro, real, sofredor “povo sírio”. Pode acontecer até que
Assad não concorra à presidência, em eleições previstas para 2014. Mudança de
regime, sim. Mas por meios pacíficos.
E
o eixo de intervenção CCGOTAN-I (Conselho de Cooperação do Golfo-Organização do
Tratado do Atlântico Norte & Israel) permitirá que alguma paz aconteça ali?
Não.
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