Uma semana depois, não há sinais de
Israel ter interceptado arma alguma
3-10/5/2013, Conflict Forum, Comments
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
ATUALIZAÇÃO dos tradutores:
13/5/2013,
13h, Russia Today (esp.) em: “Obama:
EE.UU. y Reino Unido acordaron reforzar
la presión sobre Siria”.
Essa
semana, Confict Fórum dedica-se a
avaliar o que haveria por trás dos ataques israelenses à Síria, na 6ª-feira
(3/5/2013) e no domingo (5/5/2013) passados – e desenvolvimentos.
Míssil Fateh 110 tipo S-300 em plataforma móvel |
Ostensivamente,
Israel declarou que suas ações visavam a impedir que o Hezbollah obtivesse armas
“capazes de decidir” o jogo [orig. “game changing” weapons]. É o que os
israelenses vêm repetindo ao Ocidente já há muitos anos (em contextos
diferentes: primeiro, seriam mísseis terra-ar S-300; depois, os mísseis Fateh
110; ultimamente, fala-se de “armas químicas”). Os estados ocidentais, sem
alarde, aceitaram a versão, em vez dos fatos. E assim, porque calaram,
consentiram que Israel teria o “direito” de fazer o que fez. Israel, não há
dúvidas, conta com que, hoje, o pretexto que apresentou como motivo dificilmente
encontrará objeções entre os países ocidentais.
Mas
fato é que já se passou uma semana, e ainda não se viu qualquer prova
consistente de que Israel tenha realmente interceptado alguma arma destinada ao
Hezbollah.
Desfile de soldados do Hezbollah |
Sim, o prédio de um instituto de
pesquisas, Jurmana, próximo a Damasco, local onde há muito tempo se sabe que
operam militares encarregados de suprir as necessidades militares dos movimentos
da Resistência no Líbano e na Palestina, foi atacado por mísseis israelenses, em
operação pirotécnica, no domingo. Mas o Hezbollah
divulgou extraoficialmente que receberam, sim, recentemente,
carregamento de armas “significativas” (o que também foi confirmado por vários
jornais e jornalistas de prestígio na mídia de Israel).
Em
movimento possivelmente conectado a isso, o Líbano, a partir da 6ª-feira
(3/5/2013), passou a ser ostensivamente “visitado” por aviões israelenses de
observação, voando a baixa altitude – como se os israelenses tivessem fracassado
no primeiro assalto e voltassem, tentando localizar a “encomenda” entregue
(assumindo que a informação vazada do Hezbollah seja verdadeira, como
provavelmente é). O mais provável é que Israel tenha interceptado alguma
inteligência parcial, relacionada a uma transferência de armas; e, isso, os
militares apresentaram em seus “road-shows” pela Europa, para convencer
sobre os motivos dos ataques.
Em todos os casos, começa a ficar
claro que o número
de baixas nas tropas de Assad em Damasco é muito, muito
menor do que o
divulgado por fontes da oposição síria (o Exército Sírio é exército de cidadãos,
e alto número de baixas não passaria desapercebido, sem que a população em geral
soubesse). E não se vê nenhum grande avanço estratégico do lado “ocidental”.
O
Hezbollah já está, há muito tempo, muito fortemente armado, e a inteligência de
Israel já sugeriu, há algum tempo, que o Partido da Resistência libanês tem
mísseis Fateh 110 integrados ao seu arsenal.
Super-Putin |
Tudo
isso sugere que o ataque israelense foi mais político, que propriamente militar.
Assim sendo, o que está por trás dos movimentos de Israel?
Muitas vozes nessa região sugerem
duas possibilidades: a primeira tem a ver com a oportunidade, o timing: o
ataque ocorreu num momento em que o Exército Sírio
obtinha avanços significativos contra a oposição armada. Há quem diga que o
ataque israelense, muito ostensivo e visível, operação estilo “Choque e Pavor”
contra Damasco, pode ter tido o objetivo de dar ânimo à oposição e facilitar um
assalto dentro de Damasco – exatamente na véspera do encontro
entre Kerry e Putin em Moscou. Um
assalto diretamente contra Damasco, se bem-sucedido, poderia fortalecer a
posição de Kerry, naquele encontro.
Mais
provável, nos parece, é que todo o caso tenha sido construído com o objetivo de
conquistar apoio, dentro dos EUA, a favor de intervenção
mais direta
na
Síria. Israel com certeza anteviu (e acertou) que conseguiria safar-se com sua
“intervenção”, sem iniciar, sozinho, uma guerra. E se os pró-intervenção, nos
EUA, conseguem induzir Obama a ignorar sua tal “linha vermelha”, usando para
isso o precedente das armas para o Hezbollah, estariam em melhor posição para
induzi-lo a intervir também no Irã.
Efetivamente,
as ramificações estratégicas dos ataques israelenses já fizeram subir o nível do
conflito sírio: de uma guerra por procuração, combatida só em território sírio,
para guerra mais ampla, na qual agentes externos (Israel, o Irã, o Hezbollah e a
Rússia) foram postos a um passo de intervir militarmente no conflito: resultado
de três intervenções israelenses diretas, no passado, contra a Síria, e caso
Israel ataque novamente.
Em
outras palavras, as ações de Israel nos puseram ante o risco, hoje maior e mais
grave, de que o conflito sírio evolua para conflito regional mais amplo.
Hassan Nasrallah |
Dentre outras consequências dos
ataques do domingo, fontes
israelenses e outras
têm
noticiado a reação
fortemente adversa do Presidente Putin, à ação dos israelenses. Há
notícias de que Putin teria advertido
diretamente Netanyahu de que a Rússia não tolerará qualquer outro ataque
à Síria e que qualquer movimento dessa natureza implicará resposta russa
imediata às aventuras israelenses – além de a Rússia passar a transferir também
sistemas de armas para a Síria. (Em Israel também circulam notícias de que
Netanyahu teria tipo recepção gélida na China, mas nada equivalente à
“carraspana, de alto a baixo” que ouviu de Putin).
O aiatolá Khamenei, Supremo Líder
iraniano também assegurou “apoio pleno e ilimitado” à Síria, e o
Secretário-Geral do Hezbollah, Sayyed
Hassan Nasrallah, falou de
aliança militar mais próxima com a Síria (trechos
traduzidos desse discurso), e da decisão dos sírios – em consequência –
de acelerar a transferência de armas e de incluir “novas armas decisivas” para o
Hezbollah (o que é ameaça direta a Israel).
Bem
claramente, o Secretário-Geral do Hezbollah falou de uma decisão síria de
“recuperar” o Golan, como mais uma consequência dos ataques israelenses.
Estamos, pois, por tudo isso, à beira de mais uma guerra? No atual momento,
provavelmente não.
Barack Obama explica... |
Esforços (nos EUA e no exterior)
para encurralar Obama e forçá-lo a intervir na Síria, sob o argumento de que sua
“linha vermelha” teria sido transgredida, deram, pode-se dizer, em nada. Obama
explicou:
Há provas de que se usaram armas
químicas dentro da Síria, mas não se sabe ainda quem as usou. Não tomo decisões
assim, sobre suposições. Não posso organizar coalizões internacionais, se só há
suposições. Já tentamos esse caminho no passado, aliás. E não deu
certo.
Carla del Ponte |
De
fato, nem provas há, de coisa alguma. A procuradora da Corte Criminal
Internacional, Carla del Ponte, disse apenas que há fortes suspeitas de que a
oposição – não o Exército Sírio – usou gás Sarin. Obama encontrou aí um gancho
no qual se pendurar, para despachar a questão para uma remota (e com certeza
longa) investigação.
Este
Conflicts Fórum acredita que Obama – pensando já no legado de seus dois
mandatos presidenciais – agarra-se ao desejo de passar à história como o homem
que arrancou os EUA de suas mais que calamitosas guerras no Oriente Médio, não
como quem iniciou novas guerras. Fontes iranianas observaram que inúmeras
mensagens voaram, depois dos ataques israelenses, endereçadas ao Irã, à Síria e
à Rússia, para assegurar que os EUA não se preparavam para intervir militarmente
– e também Israel, na sequência, afirmou, em várias mensagens, que não estava
iniciando qualquer guerra.
Tudo isso posto, como fica a
Síria? A posição síria é hoje mais forte que antes, tanto militarmente quanto
politicamente (vale a pena ler as declarações
de um alto oficial sírio, que fala em tom muito mais firme
que antes dos ataques israelenses). Por enquanto, o foco está orientado para a
possibilidade de negociações, numa conferência internacional prevista para o
final do mês de maio.
Bashar al- Assad |
No plano político, os EUA foram
forçados a recuar: os EUA tiveram de se aproximar da posição dos russos
(recuaram da posição anterior de “Assad tem de sair”).
E Síria, Irã e o
Hezbollah, nos últimos dias, manifestaram publicamente a voz de uma frente
revigorada de Resistência.
Mas...
conseguirá o Ocidente fazer sua parte desse “acordo de Moscou”? Conseguirá levar
à mesa de negociações um representante da oposição que tenha poder e
credibilidade? Quanto a isso, a posição russa é mais forte: Damasco tem
representante com poder armado e com credibilidade. E, mantidas as atuais
circunstâncias, as forças do governo sírio também têm alta probabilidade de
continuar a avançar com sucesso no front militar.
Isso,
ao que parece, não desagradará completamente aos EUA: pode haver aí sinais de
importante mudança no pensamento dos americanos. Já começam a circular notícias,
depois das conversas em Moscou, que sugerem que os EUA têm, agora, como
principal objetivo, preservar o Exército Sírio (mesmo que continue sob o comando
de Assad).
Tudo leva a crer que os EUA já não
acalentem qualquer esperança – se é que algum dia tiveram
esperança honesta (porque tudo pode ter sido só absoluto
delírio) – de
que a oposição possa (ou, sequer, que deseje) eliminar os grupos islamistas
radicais armados – sobretudo a Frente Al-Nusra ligada à Al-Qaeda.
Banner da Frente al-Nusra. Observem o logo da al-Qaeda à esquerda, no alto |
Hoje,
os EUA parecem inclinados à ideia de que só o Exército Sírio tem capacidade para
conter a Al-Qaeda na Síria (é o que o Exército Sírio já está fazendo).
Nesse
caso, sabe-se lá, nada de cessar-fogo? O Exército Sírio continuará a atacar os
radicais islamistas, enquanto, paralelamente, a oposição não jihadista será convidada para as
negociações? É realizável? Será que os chamados “seculares” podem aceitar essa
divisão? Os EUA podem preparar uma oposição síria para participar de
negociações. Mas a oposição secular aceitará negociar com Bashar, ao mesmo tempo
em que o exército do mesmo Bashar ataca a Frente Al-Nusra? Essa conferência
chegará a acontecer? Mas e se nem a conferência for possível? Nesse caso...
acontecerá o quê?
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