quarta-feira, 29 de maio de 2013

A provocação da União Europeia e a posição da Rússia

29/5/2013, Andrei Akulov, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

A. Akulov
Catherine Ashton
A ministra de Relações Exteriores da União Europeia (UE), Catherine Ashton, confirmou anteontem que, doravante, qualquer país membro da UE tem direito de decidir como melhor lhe parecer sobre exportações de armas para a Síria. Disse claramente que qualquer arma enviada à Síria deve “visar a garantir a proteção de civis”. E que os governos da UE deverão reexaminar a posição sobre sanções contra a Síria, antes do dia 1º de agosto próximo. É movimento que pode agravar a tragédia síria.

A União Europeia parece interessada em imiscuir-se, ela também, naquela guerra civil. Talvez não haja ainda planos para embarque imediato de armas para os “rebeldes”, mas a União Europeia enviou sinal claro ao mundo, de que está dando um passo unilateral, pela primeira vez, na direção de intensificar esforços para fazer gorar a única medida em que todas as esperanças estão depositadas: a conferência de paz proposta pela Rússia e apoiada pelos EUA.

William Hague
Foi decisão difícil para alguns países, mas necessária e correta para reforçar o empenho internacional com vistas a alcançar solução diplomática para o conflito na Síria. Foi importante para a Europa enviar sinal claro ao regime de Assad, de que terá de negociar seriamente, e de que todas as opções permanecem sobre a mesa, se não o fizer - disse William Hague, ministro britânico das Relações Exteriores, em declaração escrita.

Completo nonsense. Só há um modo de interpretar tudo isso: deram um ultimatum à Síria, exatamente antes da conferência. Ou obedece à União Europeia, ou...

Parece, isso sim, que enfiaram um touro numa loja de porcelanas. Isso não é exemplo de diplomacia aproveitável.

Na verdade, foi discussão difícil, na UE, a questão de armar ou não armar os “rebeldes” sírios. Grã-Bretanha e França lideraram os esforços para levantar o embargo de armas para a Síria. Os dois países sugeriram uma união com o Qatar, para fornecer armas aos “rebeldes”, com o objetivo de fortalecer os grupos moderados e permitir-lhes manter distância dos extremistas já muito fortemente armados que há entre os “rebeldes”. E houve vozes, que a liderança da UE ignorou, que recomendaram prudência, porque as armas podem acabar em “mãos erradas”. Seja como for, só Grã-Bretanha e França defenderam a entrega das armas aos “rebeldes”.

Chuck Hagel
No início do mês, o secretário de Defesa dos EUA, Chuck Hagel disse que Washington está reconsiderando a política de não fornecer armas aos “rebeldes”. A Comissão de Política Exterior do Senado norte-americano acaba de aprovar projeto de lei que autoriza o Executivo a entregar armas às forças da oposição ao governo sírio. O senador John McCain entrou na Síria pela fronteira da Turquia dia 27 de maio, o que fez dele o funcionário de mais alto escalão do governo dos EUA que esteve no país durante a guerra. Ali o Republicano do Arizona reuniu-se com 18 comandantes do Exército Sírio Livre, em região próxima da fronteira norte do país.

Pelo visto, qualquer senador norte-americano pode fazer o que lhe dê na telha, onde bem entenda, sem precisar apresentar-se aos governos legítimos dos países visitados (ou invadidos?) e sem precisar de autorização para cruzar fronteiras nacionais.

Em Damasco, Essam Khalil, deputado sírio, criticou a decisão da União Europeia, dizendo que esforços para armar os “rebeldes” induzirão a oposição a crer que não seja necessário buscar solução pacífica para o conflito. Até agora, esse é o primeiro comentário público, feito por membro do Partido Baath no Parlamento sírio.

A Rússia e a entrega dos S-300

Falando em conferência de imprensa em Moscou, dia 28 de maio, o vice-ministro russo de Relações Exteriores, Sergei Ryabkov, disse que o fracasso da União Europeia, que não soube manter o embargo de vendas de armas para a Síria, pode afetar diretamente o resultado da próxima conferência internacional sobre a Síria. Segundo ele,

(...) vê-se aí um reflexo de posições dúbias e vacilantes, e uma tentativa de golpe direto contra a conferência internacional sobre a Síria proposta pelo ministro Lavrov e pelo secretário John Kerry, dia 7 de maio.

Comentando a questão do fim do embargo de armas da UE anunciado dia 27 de maio, o diplomata russo culpou os líderes europeus, por estarem “soprando para aumentar as chamas do conflito”. Lembrou que os mísseis antiaéreos S-300 não podem, evidentemente, ser usados contra forças “rebeldes” – porque os “rebeldes” não têm força aérea.

Ryabkov disse que a Rússia mantém o objetivo de obter solução política para a crise síria e que uma conferência de paz e um cessar-fogo são os dois primeiros passos essenciais para pôr fim ao banho de sangue. Enfatizou que os sistemas de mísseis russos S-300, que são mísseis terra-ar, podem ajudar Damasco a defender-se contra qualquer possível intervenção por forças externas ao conflito.

Os mísseis S-300 são uma série de sistemas de mísseis russos de longo alcance para defesa aérea, projetados para interceptar mísseis balísticos, considerados os mais potentes de sua classe. Os mísseis têm alcance para interceptar alvos aéreos à distância de 200km, dependendo da versão usada. Tão logo os mísseis terra-ar russos estejam entregues, a Síria terá controle mais efetivo de seu espaço aéreo. Os mísseis S-300 são amplamente reconhecidos entre analistas da Defesa, como um dos modelos mais avançados do arsenal de armas antiaéreas.

Sergei Ryabkov
Ryabkov disse que ninguém pode acusar a Rússia de estar fornecendo armas a grupos insurgentes ou “rebeldes”. A Rússia está entregando armas ao estado sírio, às autoridades sírias legítimas:

A Federação Russa, em primeiro lugar, está entregando armas às legítimas autoridades que governam o legítimo estado sírio. Esse não é argumento oco ou abstrato: é muito concreto, legal e legítimo. Não estamos fornecendo armas a um ou outro grupo, de mercenários ou de terroristas. Estados podem, legitimamente, fornecer e receber armas.

E acrescentou:

Por definição, esses sistemas não podem ser entregues a grupos militantes rebelados contra governo legítimo e legal. A Federação Russa entende que esses mísseis são fator de equilibramento e estabilização. Entendemos que movimentos estratégicos desse tipo, em vasta medida, impedirão que um ou outro “cabeça quente” consiga ampliar o conflito sírio, convertê-lo à escala internacional, o que acontecerá, se ali se envolverem atores externos.

Alexander Grushko
Alexander Grushko, enviado russo à OTAN, disse que espera que o ocidente encontre meios para não enviar armas aos “rebeldes” sírios.

Esperamos que não o façam, porque a mensagem mais importante, hoje, é convencer todos os lados envolvidos de que não há opção, além do diálogo político, naquela específica situação.

Perspectivas para a Conferência de Genebra

Em encontro com jornalistas depois de reunião, em Paris, com Kerry, o Ministro de Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, disse que a conferência para pôr fim à guerra civil na Síria é “alta necessidade”. Mas disse que, sim, ainda se vê alguma luz no fim do túnel:

Não é tarefa fácil. É alta necessidade. Mas entendo que, quando os EUA e a Federação Russa tomam esse tipo de iniciativa, há boas chances de sucesso.

Sergey Lavrov
Falando sobre a conferência internacional sobre a Síria, em entrevista para a rádio “Voz da Rússia”, o ministro Lavrov disse que Rússia e EUA têm visões diferentes sobre alguns aspectos da conferência planejada para facilitar uma solução para a crise síria mediante diálogo político.

Para Lavrov, os EUA ainda não entenderam que os “rebeldes” sírios terão de constituir e enviar à conferência uma única delegação a qual, por definição deve representar todas as forças de oposição que há na Síria.

Outro ponto ainda em discussão é que os EUA relutam em convidar o Irã. Ryabkov disse que:

(...) a chamada conferência Genebra-1, que se realizou dia 1/6/2012, foi um sucesso, mas o próximo passo não pode ser dado sem a presença de Arábia Saudita, Irã e Egito, na conferência seguinte – disse ele. – Infelizmente, nossos parceiros estão em posição inflexível, dispostos a impedir que o Irã participe da conferência. É posição errada, porque todos conhecemos bem a grande influência de Teerã na Síria e em toda a região.

***************************

Qualquer análise que se faça, por superficial que seja, para extrair as lições óbvias que se aprendem da história recente de conflitos armados, mostra que, a partir do instante em que começa o fornecimento de ajuda militar, inclusive o fornecimento de armas a um país ou partido ou grupo envolvido em conflito, o fornecedor perde completamente qualquer possibilidade de controlar o destino final das armas.

A situação no Mali é bom exemplo de distribuição não controlada de armas, que ali chegaram contrabandeadas da Líbia. A regra infalível é que as armas sempre acabam nas mãos mais erradas. Os líderes da União Europeia jamais disseram coisa alguma sobre como planejam controlar o destino das armas que se dispõem a fornecer aos “rebeldes”, depois de as armas entrarem na Síria.

Na verdade, a decisão da UE visa apenas a estimular a intervenção militar na Síria, fazendo gorar, se puderem, qualquer tentativa de conferência de paz... Entrega de armas a governos internacionalmente reconhecido, de país membro da ONU, que continua plenamente no controle do Estado e pode ser julgado por seus atos é muito diferente de entregar armas a gangues sem organização ou bandeira comum, sem liderança, sem acordo, sem representante possível, porque cada gangue daquelas está em guerra também contra outras gangues, quando não estão em guerra também, genericamente, contra “o ocidente”.


Não parece haver dúvida possível de que a atitude correta é melhorar as condições de autopreservação do governo sírio, fornecendo-lhe armamento de defesa. Sobretudo agora, depois da decisão da UE que é, antes de tudo, movimento de provocação, de quem deseja, não o fim da guerra, mas que a guerra continue.

4 comentários:

  1. está aberta e estação de caça?

    foi o que me ocorreu, e
    curiosamente a Russia tem a palavra mais sensata

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezada Rita
      A Russia (e China também) sempre teve a palavra mais sensata, pelo menos no que concerne ao Oriente Médio em geral e no caso da Síria em particular.
      A Rússia sempre quis comércio SEM GUERRA com países do OM e África. O conglomerado terrorista Israel-Europa- EUA sempre quiseram SAQUE COM GUERRA contra os países dessa região. Taí a diferença básica na geopolítica para a região.
      Abraço
      Castor

      Excluir
    2. Disso eu sei Castro

      mas é recorrente ouvir afirmações e acusações sobre as atrocidades cometidas na Russia, Comunismo etc...

      daí meu comentário - pura ironia

      Excluir
    3. Há quem acredite nesse besteirol, é verdade. Mas há também quem, como você, sabe se informar.
      Abraço
      Castor

      Excluir

Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.