24/5/2013, Bill Van Auken, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Enquanto
viajava ostensivamente pelo Oriente Médio, para discutir uma proposta conjunta
de Rússia e EUA para conversações de paz entre o governo sírio do presidente
Bashar al-Assad e os “rebeldes” apoiados pelo ocidente, o secretário de Estado,
John Kerry, reuniu-se com aliados dos EUA, para preparar a guerra regional.
Primeiro,
parou em Omã, onde Kerry reuniu-se com o Sultão reinante, um de uma cadeia de
ditadores monárquicos que constitui, com Israel, o pilar de sustentação da
influência norte-americana no Oriente Médio. A visita do secretário de Estado
coincidiu com a assinatura de um negócio de $2,1 bilhões de dólares entre a
monarquia absoluta e a empresa Raytheon
Corp. para a venda de sistemas avançados de armas, incluindo unidades Avenger, mísseis Stinger e mísseis avançados de médio
alcance ar-ar, parte de um anel de aço que Washington sempre buscou construir
em torno do
Irã.
Dali,
Kerry voou para Amã, Jordânia, para encontro na 4ª-feira com os “Amigos da
Síria”, a “coalizão de vontades” liderada pelos EUA que fomenta a guerra para
provocar mudança de regime na Síria. É formada de Washington, seus aliados
europeus da OTAN, liderada pela Grã Bretanha, Turquia, Egito e vários sultanatos
e xeicados do Golfo Pérsico,
incluindo os principais fornecedores de armas para as gangues anti-Assad: Arábia
Saudita, Qatar e os Emirados Árabes Unidos.
Bahjat Suleiman |
Enquanto a reunião acontecia na
4ª-feira, o embaixador da Síria na Jordânia organizou uma conferência de
imprensa para denunciá-la como “encontro
dos inimigos da Síria”:
Os que
queiram ver o fim da tragédia na Síria devem parar de armar e treinar gangues de
terroristas na Síria. A guerra na Síria é algo sem precedentes –
disse o embaixador Bahjat Suleiman.
Representantes
da Coalizão Nacional Síria, a frente anti-Assad organizada pelo Departamento de
Estado dos EUA, foram convidados no último minuto para aquela reunião. Parece
que ainda havia alguma dúvida sobre a possibilidade de chegarem a algum acordo
sobre quem os “rebeldes” aceitariam como representante deles.
Os
EUA promoveram Ghassan Hitto, empresário que vive há mais de 30 anos no Texas e
é ligado à Fraternidade Muçulmana, como “premiê” de um governo de transição.
Apareceram notícias cada vez mais insistentes e relatos cada vez mais claros de
que havia forte oposição a Hitto, nessa função, pelas milícias sunitas sectárias
que lutam em território sírio.
Circularam notícias de que o “chefe de fato” da coalizão,
representante dos “rebeldes”, seria George Sabra, ex-membro do Partido Comunista
Sírio Stalinista.
Ghassan Hitto |
Enquanto
o Departamento de Estado diz que o papel de Kerry nessa reunião seria preparar
as conversações de paz para a Síria – apelidadas “Conferência de Genebra
2” – sobre
as quais Washington e Moscou concordaram publicamente, é evidente que a agenda
real que está mobilizando e ocupando os EUA e seus aliados só diz respeito a
encontrarem meios para salvar sua guerra para mudança de regime, depois que o
Exército Sírio começou a infligir duras derrotas militares estratégicas às
forças apoiadas pelo ocidente.
Foi
o que se viu bem claramente em campo, depois de o Exército Sírio ter retomado a
cidade de Qusayr, no oeste da Síria, a cerca de dez quilômetros da fronteira
libanesa. A cidade, que estivera sob controle das gangues apoiadas pelo
ocidente, servia como duto de passagem para armas e milicianos estrangeiros que
atravessavam a fronteira do Líbano. O controle “rebelde” naquela região e
arredores ameaçava separar a capital Damasco, de Aleppo e do litoral sírio.
Falando
em conferência de imprensa em Amã, na abertura da reunião dos “Amigos da Síria”,
Kerry alertou que, se o regime de Assad não aceitasse uma solução política
negociada, Washington consideraria “aumentar o apoio à oposição, para dar
continuidade aos combates pela liberdade de seu país”. Com funcionários do
governo dos EUA exigindo a saída de Assad como condição para qualquer acordo,
tudo sugere hoje que as “conversações de paz” previstas serão induzidas ao
fracasso, e serão usadas como pretexto para escalar a intervenção dos EUA na
Síria.
O
comentário de Kerry surge exatamente um dia depois de a Comissão de Relações
Exteriores do Senado dos EUA ter aprovado, por 15 votos a favor e 3 contra, a
proposta de Washington de passar a armar diretamente as milícias “rebeldes”. A
CIA já está coordenando o fluxo de armas a partir dos estados do Golfo, e
sabe-se que já organizou grandes embarques de armas da Europa Oriental, através
de três intermediários.
John Kerry |
Kerry
pôs a culpa pelos reveses impostos pelo Exército Sírio às milícias delegadas de
Washington, na batalha por Qusayr, na intromissão de combatentes do Hezbollah, o
partido e milícia armada libanesa que sempre se manteve solidário ao governo de
Assad; atribuiu a derrota, também, a um suposto apoio que o Irã estaria dando ao
regime iraniano.
Semana
passada, é claro, houve intervenção do Hezbollah. Intervenção muito, muito
significativa. Há vários milhares de combatentes do Hezbollah em território
sírio que contribuem para aumentar a violência, e nós condenamos
isso –
disse Kerry.
O
Hezbollah não faz segredo de que tem combatentes operando em campo, mas negou
que tenham tido papel decisivo nos recentes confrontos; disse que seus
combatentes trabalham em operações de treinamento de autoproteção e autodefesa
para cidadãos libaneses que vivem em áreas próximas da fronteira síria, para que
se possam defender.
A
imprensa-empresa ocidental também tem dado grande destaque ao papel do
Hezbollah, embora insista em ignorar o fato de que muitos milicianos islamistas
sunitas também chegaram à Síria pela fronteira do Líbano, para lutar contra o
regime de Assad.
Bandeira do Hezbollah |
A
ameaça de que esse conflito se alastre por toda a região, convertido em guerra
regional, cresce dia a dia. Em Tripoli, cidade libanesa ao norte do país, pelo
menos 11 pessoas morreram, entre os quais pelo menos dois soldados libaneses, em
confrontos entre milícias sunitas e libaneses alawitas que apoiam Assad. Nos
confrontos, há trocas de tiros de morteiro e granadas disparadas de foguetes, o
que paralisou a vida na área, impedindo o funcionamento normal de escolas, o
comércio local e outras atividades.
O
Departamento de Estado distribuiu declaração em que denuncia o papel do
Hezbollah na Síria, que estaria “exacerbando e inflamando tensões sectárias
locais”. Não se viu sinal de denúncia semelhante quando as forças islamistas
tomaram Qusayr, decapitando e matando a tiros membros das importantes minorias
alawita e cristã na região, e obrigando milhares a abandonar suas casas.
Em
movimento que dá boa medida do desespero em que se encontra a oposição na Síria,
o presidente de fato da Coalizão
Nacional, Sabra, lançou uma declaração, na véspera da conferência de Amã,
conclamando os EUA e seus aliados a “abrir um corredor humanitário” até Qusayr.
Em outras palavras, pediu ao ocidente que lance intervenção militar direta em
solo sírio.
Numa teleconferência na 3ª feira,
um alto funcionário do Departamento de
Defesa reconheceu:
Uma
das coisas sobre as quais falaremos aqui em Amã amanhã é o que mais tem de ser
feito a respeito do equilíbrio militar em solo.
Sempre
para avançar a própria agenda militarista, Washington ampliou uma campanha de
propaganda em que o
Irã é repetidamente acusado de responsabilidade nas derrotas
impostas às forças anti-Assad na Síria. Alto funcionário do Departamento de
Estado disse ao Washington Post que há forças do Irã lutando na Síria,
repetindo, como se fosse fato comprovado, o que dizem, sem qualquer prova, as
gangues “rebeldes”.
O Post encarrega-se de ampliar
a propaganda:
A
declaração do funcionário norte-americano é reconhecimento tácito de que o
conflito sírio, que já dura dois anos, já se converteu em guerra regional e já
há confronto “por procuração” em solo entre EUA e Irã.
David Ignatius |
David
Ignatius,
colunista do Post diz que, enquanto muito se fala publicamente de uma
conferência de paz em Genebra para o mês que vem,
(...)
a batalha em solo já é tão intensa, e o pedido de mais armas [para a oposição]
já tão declarado, que alguém mais cético deve começar a perguntar-se se as
conversações de Genebra chegarão mesmo a acontecer.
O
acordo ostensivo de Washington à iniciativa de Moscou sobre conversações de paz
é só mais uma tática, para fazer avançar o projeto estratégico dos EUA na
região, o mesmo projeto buscado mediante os ataques ao Iraque, Afeganistão,
Líbia e, agora, à Síria. Por trás das lágrimas de crocodilo sobre as baixas
entre civis, o objetivo dos EUA é sempre o mesmo que se vê subjacente à irrupção
do militarismo norte-americano, há 12 anos: afirmar, por meios militares, o
controle hegemonista sobre as reservas estratégicas de energia ambicionadas por
potências rivais, especialmente Rússia e China.
Como
o demonstra a evolução da guerra “por procuração” que os EUA travam na Síria, a
sempre mesma intervenção militar predatória dos EUA aponta diretamente para
conflagração mais ampla e catastrófica, que ameaça o mundo não só com uma guerra
contra o Irã, mas, também, com confrontação com Rússia e
China.
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