sábado, 25 de maio de 2013

Pelas costas das “Conversações de Paz para a Síria”, EUA buscam a guerra regional

24/5/2013, Bill Van Auken, Strategic Culture  
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Enquanto viajava ostensivamente pelo Oriente Médio, para discutir uma proposta conjunta de Rússia e EUA para conversações de paz entre o governo sírio do presidente Bashar al-Assad e os “rebeldes” apoiados pelo ocidente, o secretário de Estado, John Kerry, reuniu-se com aliados dos EUA, para preparar a guerra regional.

Primeiro, parou em Omã, onde Kerry reuniu-se com o Sultão reinante, um de uma cadeia de ditadores monárquicos que constitui, com Israel, o pilar de sustentação da influência norte-americana no Oriente Médio. A visita do secretário de Estado coincidiu com a assinatura de um negócio de $2,1 bilhões de dólares entre a monarquia absoluta e a empresa Raytheon Corp. para a venda de sistemas avançados de armas, incluindo unidades Avenger, mísseis Stinger e mísseis avançados de médio alcance ar-ar, parte de um anel de aço que Washington sempre buscou construir em torno do Irã.

Dali, Kerry voou para Amã, Jordânia, para encontro na 4ª-feira com os “Amigos da Síria”, a “coalizão de vontades” liderada pelos EUA que fomenta a guerra para provocar mudança de regime na Síria. É formada de Washington, seus aliados europeus da OTAN, liderada pela Grã Bretanha, Turquia, Egito e vários sultanatos e xeicados do Golfo Pérsico, incluindo os principais fornecedores de armas para as gangues anti-Assad: Arábia Saudita, Qatar e os Emirados Árabes Unidos.

Bahjat Suleiman
Enquanto a reunião acontecia na 4ª-feira, o embaixador da Síria na Jordânia organizou uma conferência de imprensa para denunciá-la como “encontro dos inimigos da Síria:

Os que queiram ver o fim da tragédia na Síria devem parar de armar e treinar gangues de terroristas na Síria. A guerra na Síria é algo sem precedentes – disse o embaixador Bahjat Suleiman.

Representantes da Coalizão Nacional Síria, a frente anti-Assad organizada pelo Departamento de Estado dos EUA, foram convidados no último minuto para aquela reunião. Parece que ainda havia alguma dúvida sobre a possibilidade de chegarem a algum acordo sobre quem os “rebeldes” aceitariam como representante deles.

Os EUA promoveram Ghassan Hitto, empresário que vive há mais de 30 anos no Texas e é ligado à Fraternidade Muçulmana, como “premiê” de um governo de transição. Apareceram notícias cada vez mais insistentes e relatos cada vez mais claros de que havia forte oposição a Hitto, nessa função, pelas milícias sunitas sectárias que lutam em território sírio. Circularam notícias de que o “chefe de fato” da coalizão, representante dos “rebeldes”, seria George Sabra, ex-membro do Partido Comunista Sírio Stalinista.

Ghassan Hitto
Enquanto o Departamento de Estado diz que o papel de Kerry nessa reunião seria preparar as conversações de paz para a Síria – apelidadas “Conferência de Genebra 2” – sobre as quais Washington e Moscou concordaram publicamente, é evidente que a agenda real que está mobilizando e ocupando os EUA e seus aliados só diz respeito a encontrarem meios para salvar sua guerra para mudança de regime, depois que o Exército Sírio começou a infligir duras derrotas militares estratégicas às forças apoiadas pelo ocidente.

Foi o que se viu bem claramente em campo, depois de o Exército Sírio ter retomado a cidade de Qusayr, no oeste da Síria, a cerca de dez quilômetros da fronteira libanesa. A cidade, que estivera sob controle das gangues apoiadas pelo ocidente, servia como duto de passagem para armas e milicianos estrangeiros que atravessavam a fronteira do Líbano. O controle “rebelde” naquela região e arredores ameaçava separar a capital Damasco, de Aleppo e do litoral sírio.

Falando em conferência de imprensa em Amã, na abertura da reunião dos “Amigos da Síria”, Kerry alertou que, se o regime de Assad não aceitasse uma solução política negociada, Washington consideraria “aumentar o apoio à oposição, para dar continuidade aos combates pela liberdade de seu país”. Com funcionários do governo dos EUA exigindo a saída de Assad como condição para qualquer acordo, tudo sugere hoje que as “conversações de paz” previstas serão induzidas ao fracasso, e serão usadas como pretexto para escalar a intervenção dos EUA na Síria.

O comentário de Kerry surge exatamente um dia depois de a Comissão de Relações Exteriores do Senado dos EUA ter aprovado, por 15 votos a favor e 3 contra, a proposta de Washington de passar a armar diretamente as milícias “rebeldes”. A CIA já está coordenando o fluxo de armas a partir dos estados do Golfo, e sabe-se que já organizou grandes embarques de armas da Europa Oriental, através de três intermediários.

John Kerry
Kerry pôs a culpa pelos reveses impostos pelo Exército Sírio às milícias delegadas de Washington, na batalha por Qusayr, na intromissão de combatentes do Hezbollah, o partido e milícia armada libanesa que sempre se manteve solidário ao governo de Assad; atribuiu a derrota, também, a um suposto apoio que o Irã estaria dando ao regime iraniano.

Semana passada, é claro, houve intervenção do Hezbollah. Intervenção muito, muito significativa. Há vários milhares de combatentes do Hezbollah em território sírio que contribuem para aumentar a violência, e nós condenamos isso – disse Kerry.

O Hezbollah não faz segredo de que tem combatentes operando em campo, mas negou que tenham tido papel decisivo nos recentes confrontos; disse que seus combatentes trabalham em operações de treinamento de autoproteção e autodefesa para cidadãos libaneses que vivem em áreas próximas da fronteira síria, para que se possam defender.

A imprensa-empresa ocidental também tem dado grande destaque ao papel do Hezbollah, embora insista em ignorar o fato de que muitos milicianos islamistas sunitas também chegaram à Síria pela fronteira do Líbano, para lutar contra o regime de Assad.

Bandeira do Hezbollah
A ameaça de que esse conflito se alastre por toda a região, convertido em guerra regional, cresce dia a dia. Em Tripoli, cidade libanesa ao norte do país, pelo menos 11 pessoas morreram, entre os quais pelo menos dois soldados libaneses, em confrontos entre milícias sunitas e libaneses alawitas que apoiam Assad. Nos confrontos, há trocas de tiros de morteiro e granadas disparadas de foguetes, o que paralisou a vida na área, impedindo o funcionamento normal de escolas, o comércio local e outras atividades.

O Departamento de Estado distribuiu declaração em que denuncia o papel do Hezbollah na Síria, que estaria “exacerbando e inflamando tensões sectárias locais”. Não se viu sinal de denúncia semelhante quando as forças islamistas tomaram Qusayr, decapitando e matando a tiros membros das importantes minorias alawita e cristã na região, e obrigando milhares a abandonar suas casas.

Em movimento que dá boa medida do desespero em que se encontra a oposição na Síria, o presidente de fato da Coalizão Nacional, Sabra, lançou uma declaração, na véspera da conferência de Amã, conclamando os EUA e seus aliados a “abrir um corredor humanitário” até Qusayr. Em outras palavras, pediu ao ocidente que lance intervenção militar direta em solo sírio.

Numa teleconferência na 3ª feira, um alto funcionário do Departamento de Defesa reconheceu 
Uma das coisas sobre as quais falaremos aqui em Amã amanhã é o que mais tem de ser feito a respeito do equilíbrio militar em solo.

Sempre para avançar a própria agenda militarista, Washington ampliou uma campanha de propaganda em que o Irã é repetidamente acusado de responsabilidade nas derrotas impostas às forças anti-Assad na Síria. Alto funcionário do Departamento de Estado disse ao Washington Post que há forças do Irã lutando na Síria, repetindo, como se fosse fato comprovado, o que dizem, sem qualquer prova, as gangues “rebeldes”.

O Post encarrega-se de ampliar a propaganda 
A declaração do funcionário norte-americano é reconhecimento tácito de que o conflito sírio, que já dura dois anos, já se converteu em guerra regional e já há confronto “por procuração” em solo entre EUA e Irã.

David Ignatius
David Ignatius, colunista do Post diz que, enquanto muito se fala publicamente de uma conferência de paz em Genebra para o mês que vem,

(...) a batalha em solo já é tão intensa, e o pedido de mais armas [para a oposição] já tão declarado, que alguém mais cético deve começar a perguntar-se se as conversações de Genebra chegarão mesmo a acontecer.

O acordo ostensivo de Washington à iniciativa de Moscou sobre conversações de paz é só mais uma tática, para fazer avançar o projeto estratégico dos EUA na região, o mesmo projeto buscado mediante os ataques ao Iraque, Afeganistão, Líbia e, agora, à Síria. Por trás das lágrimas de crocodilo sobre as baixas entre civis, o objetivo dos EUA é sempre o mesmo que se vê subjacente à irrupção do militarismo norte-americano, há 12 anos: afirmar, por meios militares, o controle hegemonista sobre as reservas estratégicas de energia ambicionadas por potências rivais, especialmente Rússia e China.

Como o demonstra a evolução da guerra “por procuração” que os EUA travam na Síria, a sempre mesma intervenção militar predatória dos EUA aponta diretamente para conflagração mais ampla e catastrófica, que ameaça o mundo não só com uma guerra contra o Irã, mas, também, com confrontação com Rússia e China.

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