Publicado em 28/05/2013 por Mário
Augusto Jakobskind [*]
Causou
estranheza o fato de a Comissão Nacional da Verdade ao apresentar um balanço
sobre um ano de atividades dedicasse pouca informação relacionada com a
participação do setor empresarial na ditadura. Para se passar o país a limpo
será necessário ir fundo nessa questão, porque muitos apoiadores do regime de
força hoje se apresentam como democratas desde criancinha, na prática enganando
a opinião pública.
A
área de mídia também merece uma investigação profunda, porque muitos veículos
além de silenciarem na época deram apoio ostensivo ao regime ditatorial. O Globo
é um exemplo, embora alguns digam que o patrono da empresa, Roberto Marinho,
tenha livrado a cara de jornalistas que não eram bem vistos pelo regime. Mas os
mais críticos, em função da subserviência aos generais de plantão, não absolvem
as Organizações Globo, mesmo se eventualmente o seu patrono tenha livrado a cara
de um ou outro jornalista do seu quadro das garras da
repressão.
Não
há notícias de que as Organizações Globo chegassem a ceder veículos para o
aparelho repressivo, como fez o grupo Folhas, de Octávio Frias, em São Paulo. Os
veículos de comunicação dos Marinhos se limitaram a abrir seus espaços de forma
áulica aos generais de plantão e seus seguidores.
É
preciso que os brasileiros, sobretudo os das novas gerações, sejam informados
sobre o que se passou nos anos de chumbo e como se comportaram alguns setores
que hoje se dizem defensores da democracia.
No
relatório apresentado pela Comissão da Verdade, alguns fatos tornados públicos
não chegam a ser novidade, como, por exemplo, que os que pegaram o poder à força
torturavam opositores logo depois da derrubada do presidente constitucional João
Goulart.
A
tortura, portanto, não foi instituída a partir de 1968 com a promulgação do
AI-5, como alguns ainda hoje apoiadores do regime justificam. Esta gente, que
navega nas ondas do Clube Militar, ao deturpar a história diz que o regime ficou
mais duro para enfrentar a guerrilha. Omitem o que acontecia antes de 13 de
dezembro de 1968. E que a ação do próprio regime fez com que alguns setores da
oposição, de forma precária, partissem para a luta armada por entenderem que
seria o único caminho para acabar com o estado repressivo.
Exemplo
argentino - A
Argentina tem dado exemplo de como ir fundo nas questões da repressão. Além de
julgar agentes do Estado que fizeram barbaridades em matéria de violações dos
direitos humanos, agora mesmo a Justiça processou três ex-diretores da filial da
Ford no contexto de uma causa que investiga o sequestro de trabalhadores em uma
filial da empresa norte-americana.
Por
ordem da juíza federal Alicia Vence, os acusados, Pedro Muller, do setor de
manufaturas, Guillermo Galarraga, da área de relações trabalhistas e Héctor
Francisco Jesús Sibilla, ex-chefe de segurança da empresa estão respondendo na
Justiça pelo sequestro de 24 trabalhadores da Ford, na localidade de Pacheco,
próximo a Buenos Aires, ocorrida entre 24 de março e 20 de agosto de
1976.
Os
três, segundo a juíza, facilitaram informações sobre os trabalhadores à
repressão. Ou seja, eram dedos-duros, fornecendo até fotografias e os endereços
particulares para que as autoridades os prendessem.
Embora
os acusados tenham sido considerados “participantes
primários dos crimes de privação ilegal da liberdade dos trabalhadores,
duplamente agravada por ter sido cometida por abuso funcional, com violência e
ameaças”, mesmo assim a juíza ordenou o embargo dos bens dos
processados, até alcançar a soma de 750 mil pesos, correspondente a cerca de 143
mil dólares.
É
bem possível que a Comissão da Verdade destas bandas esmiuçando arquivos e toda
a papelada da repressão possa chegar aos dedos-duros que infelicitaram a vida de
muitos brasileiros, ajudando inclusive o trabalho da repressão, e seguem por aí
como se não tivessem nenhuma responsabilidade sobre os
acontecimentos.
Em
suma, não basta conhecer os 1.500 agentes do estado ditatorial brasileiro, sejam
militares ou civis, que cometeram atrocidades, inclusive estupros de opositoras,
como informa a Comissão Nacional da Verdade. Para virar a página definitivamente
é preciso fazer o mesmo que está sendo feito na Argentina.
Por
lá, em um primeiro momento duas leis, Ponto Final e Obediência Devida, livravam
a cara dos que cometeram violações dos direitos humanos. Bastou aparecer um
Presidente com vontade política, como Nestor Kirchner, para que a lei de anistia
fosse revogada em 2003. A Corte Suprema em 2005
confirmou a constitucionalidade da decisão e começaram os
julgamentos.
Por
aqui, a instância máxima da Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal
(STF), em um julgamento lamentável, confirmou a Lei da Anistia que deixa impunes
agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade. E ainda não apareceu
um Presidente que tivesse vontade política para levar adiante para o Congresso o
mesmo que aconteceu na Argentina.
_________________________
Mário Augusto Jakobskind [*] é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha.
Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor
internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário
Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia,
Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE
Enviado por Direto
da Redação
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