quinta-feira, 2 de maio de 2013

Pepe Escobar: “Linha Vermelha Síria-Irã - a encenação”


2/5/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Pepe Escobar
Essa conversa de Obama eminentemente bushista, de “linha vermelha”, aplicada à Síria, ao Irã ou a ambos, já está ficando é ridícula.

Tome-se a viagem do chefe do Pentágono, Chuck Hagel, a Israel e ao “amigável” Conselho de Cooperação do Golfo (a sigla CCG significa, de fato, “Clube Contrarrevolucionário do Golfo”), semana passada.

As empresas fornecedoras da Defesa dos EUA já faziam espocar rolhas e rolhas de Moet, ao som das quais Hagel confraternizava alegremente naquele prodígio de democracia – os Emirados Árabes Unidos – com o Príncipe Coroado Mohammed bin Zayed – celebrando a venda de 25 jatos de combate F-16.

Chuck Hagel (EUA) e-Mohammed bin Zayed (EAU)
E há mais, a caminho: 48 mísseis interceptores do tipo “Terminal High Altitude Area Defense” (THAAD), por 1 bilhão de dólares. Boooooooooom. O Pentágono está enviando um de seus únicos dois sistemas para Guam, esse mês, para enfrentar aquela outra ameaça: os mísseis da Coreia do Norte.

O processo de super armar Israel e as petromonarquias do Golfo – mísseis de defesa, jatos de combate, megabombardeiros e megabombas – só poderia, mesmo, ser louvado como a proverbial “mensagem” para “contra-atacar as ambições nucleares do Irã”, ou, então, “a ameaça dos mísseis iranianos”, ou, então, é por causa da “preocupação geral do mundo, porque o Irã está(ria) construindo uma bomba atômica”, ou, então, é “Washington, determinada a impedir que o Irã construa bombas atômicas”.

Nesse assunto, não há “linha vermelha”: só negócios hardcore de vendas e mais vendas de armas e armamento para Israel e o CCG. Na dúvida, ponha a culpa no Irã. E isso, enquanto a imprensa controlada pelos sauditas no Oriente Médio – praticamente toda ela, exceto al-Jazeera – perdia o fôlego de tanto repetir e repetir e repetir que Telavive busca um acordo para usar território turco para atacar o Irã.

Mas... Calma aí. Há mais negócios de vendas de armas a caminho – em latitudes próximas! A Kraus-Maffei Wegmann (KMW) alemã fechou outro negócio de $2,48 bilhões de dólares com o Qatar – que vinha sendo conversado há cinco anos – para entregar 62 Leopards, 2 tanques e 24 howitzers de autopropulsão. O Qatar não precisa disso tudo para a Copa do Mundo da FIFA de 2022: estão destinados a “grupos amigos em outros países” – como os “rebeldes” sírios, via Turquia. 

Pergunte aos nenets
[1]

John Kerry
Vejam então a encenação das armas químicas na Síria. A Casa Branca parece agora convencida de que a CIA crê com “com graus variados de confiança” que o governo sírio usou armas químicas. O secretário de Estado, John Kerry – garoto propaganda da “intervenção”, fazendo-se de pomba Democrata moderada – nunca duvidou.

Mas então veio Hagel e disse que “suspeitas é uma coisa; prova é outra”. Só para dar p’rá trás logo depois, em visita a Israel, quando se convenceu de que Bashar al-Assad estava usando gás sarin. Claro. Afinal, Hagel teve livre acesso à inteligência, não dos EUA, mas de Israel.

E agora, para melhorar o marketing de Hagel: que tal embarcar em tour de caixeiro viajante até os ditadores “nossos filhos da puta”, com conversa-malho de vendedor, tipo “Veja bem. Irã e Síria são doidos. Você ganha mais se firmar o pé nisso, nisso e nisso”.

Os nenets da Sibéria – atravessando o rio Ob, entrando no Círculo Polar Ártico – teriam umas coisinhas a ensinar sobre estratégia à vera a esses fátuos guerreiros de sofá da Think-tank-lândia dos EUA. Até os nenets sabem que a atual histeria de “armas químicas” é invenção, de cabo a rabo, da CIA, do MI6 e da inteligência israelense – e que não há nem um fiapo de prova que comprove coisa alguma. Apesar disso, a “sabedoria” dominante em Washington diz que é preciso implantar uma “linha vermelha” para a Síria, para que, depois, seja preciso implantar uma “linha vermelha” para o Irã.

Fato é que o governo al-Assad, antes de qualquer outro, acusou os “rebeldes” de estarem usando armas químicas – e pediu à ONU que iniciasse uma investigação oficial.

Família nenet
Até o New York Times  já se viu forçado, com grunhidos de má vontade, a admitir que os “rebeldes” reconheceram que acontecera um ataque em território controlado pelo governo sírio, que matou 16 soldados do Exército Sírio e 10 civis e feriu mais de uma centena de civis. Mas, então, os “rebeldes” mudaram de conversa! Puseram-se a culpar Damasco, que estaria bombardeando os próprios soldados. Até que Moscou, afinal, introduziu uma dose de realismo na loucura geral e denunciou, com argumentos autoevidentes, que Washington está bloqueando o início da investigação pela ONU.

Nossos nenets da Sibéria também sabem que nada há de secular na liderança dos “rebeldes”: é um bando, no qual só há graus variados de fanatismo. Outra vez, nem os nenets teriam de congelar até a morte lendo o New York Times para saber que a CIA está “secretamente” armando os “rebeldes”, armamento amplo geral e irrestrito, que chega até os fanáticos via Arábia Saudita e Qatar. Mas o governo Obama só faz repetir a versão segundo a qual Washington só fornece ajuda “não letal”, enquanto os doidos do Capitólio só fazem exigir que Obama implante uma “zona aérea de exclusão” sobre a Síria – ao estilo da OTAN, guerra na Líbia remix.

E que tal um “pacote de antirretaliação”?!

Caça-bombardeiro F-16I da Força Aérea de Israel
Mas a Think-tank-lândia dos EUA, mesmo assim, está em êxtase, agora que as petromonarquias do CCG têm acesso a munição de alta precisão, para “atacar alvos iranianos”.

Mas nada se compara à festiva propaganda de Israel, que agora tem acesso a novos super aviões-tanques KC-135 para reabastecimento em voo – os Stratotankers. E há, iminente, a transferência de mísseis antirradiação – versões avançadas dos mísseis AGM-88 HARM. Esses brinquedinhos “reduzem a ameaça a Israel, no pacote antirretaliação”  [orig. reduce the threat to Israel's follow-on strike package  (NTs)].

Não, não... Nada disso tem a ver com “circunspeção dos EUA” nem com “firmeza e decisão dos EUA, na campanha contra armas nucleares iranianas”: aí se ouve o latido do imundo Cão da Guerra.

Rei Playstation
da Jordânia
No entretempo, aquele estado policial governado pelo Reizinho de Playstation, também conhecido como Jordânia, já abriu seu espaço aéreo para os drones de Israel, agora engajados em “monitorar” a Síria.

Como Asia Times Online já avisou repetidas vezes, Obama na Síria vai-se rapidamente transformando em remix de Reagan no Afeganistão nos anos 1980s.

Todos sabemos o que resultou daqueles “combatentes da liberdade”. Nesse contexto, Robert Ford, dito especialista de Obama para a Síria, dizendo na Comissão de Relações Exteriores do Senado que é importante que os EUA “pesem” [na situação], de modo a “abalar o equilíbrio interno de poder na Síria”... é linha de piada, não linha vermelha.

Há furiosa especulação segundo a qual, depois das bombas de Boston, Obama e Vladimir Putin da Rússia fizeram um acordo: Washington deixa Moscou fazer o que quiser nas chechênias do mundo, para sempre; em troca recebe um aceno de concordância para instalar uma “zona aérea de exclusão” e depois o inferno, na Síria. Não há absolutamente prova alguma de tal acordo. O que o geopoliticamente espertíssimo Putin quer saber é o que ele extrai da Síria em termos práticos (mas Obama, disso, não tem sequer a mínima ideia). E não interessam a Putin migalhas de banquete da OTAN.

Quanto a admitir que a Síria se torne emirado wahhabi “amigo” do Ocidente ou, mesmo, mais um feudo falido da Fraternidade Muçulmana, não é preciso pensar muito. O secretário-geral do Hezbollah, Nasrallah, já disse na 3ª-feira: “o objetivo do inimigo – todos os que operam na guerra na Síria – é destruir a Síria, impedir que se estabeleça ali um estado organizado e forte, e substituí-lo por estado fraco demais para tomar decisões autônomas sobre o petróleo, o mar, as fronteiras sírias”. [2]

Aí está. Isso é linha vermelha.



Notas dos tradutores

[1]  Os nenets  são povos nômades que vivem em territórios do extremo norte da Rússia, acima do Círculo Polar, seguindo rotas milenares demarcadas pelas renas, de cujos rebanhos vivem. Para versão turística assista vídeo a seguir:

[2]  Há vídeos do discurso, legendados em inglês, selecionados por Information Clearing House. Praticamente os mesmos trechos do discurso, selecionados e distribuídos pela rede Al-Manar TV, do Hezbollah, divulgados na própria 3ª-feira, podem ser lidos em português na redecastorphoto.

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