22/5/2013, MK Bhadrakumar [*], Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Recep Erdogan (E) e Barack Obama (D) na conferência de imprensa de 16/5/2013 |
Esperava-se
que a visita do primeiro-ministro turco Recep Erdogan a Washington, na 5ª-feira (16/5/3013),
pressionasse o governo Obama a adotar posição mais dura contra o regime sírio.
Houve notícias de que Erdogan chegava em busca de uma zona aérea de exclusão
sobre a Síria, liderada pelos EUA, e de aumento no suprimento de armas para os
‘'rebeldes'’. Mas, no encontro, Obama manteve a posição anterior e insistiu que
não há “fórmula mágica” para resolver a crise. Claro que a resposta veio envolta
em trivialidades diplomáticas, durante a conferência conjunta, dos dois
governantes, com a imprensa na Casa
Branca.
Mas não foi a resposta que Erdogan esperava obter.
Em
termos simplificados, Obama não dá sinais de estar disposto a permitir que os
EUA afundem-se em mais um atoleiro semelhante ao Iraque. Quer “mudança de
regime”, sim, mas tem de ser transição negociada, como ele próprio disse:
(...)
na qual as instituições sírias sejam
mantidas em funcionamento, mas tenhamos um corpo representativo, multiétnico,
multirreligioso, que consiga trazer democracia e paz para a Síria.
Noutra
fala, Obama acrescentou que:
(...) tem de ser uma Síria intacta e inclusiva de
todos os grupos étnicos e religiosos; e fonte de estabilidade, não de
extremismo.
Uma
boa coisa resultante da conferência de imprensa foi que Obama reverteu à ideia
de uma conferência de paz em Genebra. Disse:
(...) acho, sim, que a possibilidade de
conversações em Genebra, envolvendo russos e representantes, sobre uma transição
política séria, que todos os partidos possam aceitar pode dar resultado.
Mas,
e quanto às armas químicas e a “linha vermelha”? Eis o que, literalmente, disse
Obama:
(...)
esse é problema internacional. Tenho
grandes esperanças de poder continuar a trabalhar com todos os partidos
envolvidos, para encontrar uma solução que leve a paz à Síria, estabilize a
região, estabilize aquelas armas químicas. Mas não será algo que os EUA farão
sozinhos.
Erdogan na Brookings |
As
imagens em vídeo mostraram um Erdogan anormalmente submisso, tomando chuva no
Jardim das Rosas, ao lado de Obama, o qual ditava todas as regras para a paz na
Síria. Ali, Erdogan ouviu e nada disse. Mas logo depois, em conferência
na Brookings , voltou
ao seu normal, falou à vontade e atacou, como quis, no ponto mais sensível, que
mais diretamente atinge os interesses dos EUA: insistiu que o Hamás tem de estar
presente, como representante legítimo, em qualquer negociação de paz para o
Oriente Médio.
Revelou
que visitará Rússia e os países do Golfo, em breve, para conversações “para
avaliar a situação por lá.” Erdogan voltou a reiterar sua intenção de visitar
Gaza no mês que vem.
Erdogan
não é o único que se sente desertado, abandonado. Os sauditas também estão
lívidos. O jornal governamental Asharq Al-Awsat atacou furiosamente a
política dos EUA para a Síria, em editorial intitulado “Obama
traidor”, assinado
pelo editor-chefe da publicação, Eyad Abu Shakra.
Eyad Abu Shakra |
Para
o jornal,
(...) Obama cedeu à interpretação dos russos
(...) Washington conformou-se à realidade da permanência de Bashar Al-Assad no
comando da Síria até o final de seu mandato presidencial, ano que vem,
exatamente como Rússia e Irã desejavam.
Os
sauditas concluíram que estão “perdendo” a Síria e, na barganha, podem estar
perdendo terreno também para o Hezbollah no Líbano. Significativamente, o
ministro saudita de Relações Exteriores manteve reunião de longas
duas horas,
em Jeddah, com seu contraparte iraniano.
Segundo
a rede israelense de
notícias DEBKAfile,
a reunião em Jeddah significa que os sauditas abriram uma linha direta com o
Irã, dando as costas à iniciativa de Rússia-EUA para a Síria.
Seja
como for, o Irã já anunciou a intenção de hospedar uma conferência de ministros
e altos funcionários das Relações Exteriores de vários países, em Teerã, dia 29
de maio, para “definir um quadro para resolver a crise síria.” Não será surpresa
se a Turquia e o Egito participarem. Os sauditas também? Talvez?
Fyodor Lukyanov |
Enquanto
isso, os países “amigos da Síria” planejam reunir-se
semana que vem na Jordânia, para
deliberar sobre a iniciativa de EUA-Rússia para conversações de paz. Essa
reunião, se acontecer, será reunião “de arromba”: os “amigos da Síria”
constituíram-se para derrubar Bashar Al-Assad (e rapidamente). Agora, Obama já
praticamente diz que Assad pode concorrer às eleições e ser parte de uma “Síria
democrática”.
A
Rússia, como seria de prever, mantém os dedos cruzados. Como escreveu
Fyodor Lukyanov, analista
estrategista que opera em Moscou, em coluna assinada para a agência oficial de
notícias Novosti, a situação atual pode andar para qualquer lado:
(...)
momento crítico, quando os que pregam e
os que atacam qualquer acordo negociado para a Síria estão, literalmente, um com
a mão na garganta do outro.
Mas
Lukyanov sabe, e o Kremlin também sabe, que a Rússia está jogando rodada
vencedora:
(...)
a Rússia conseguiu abrir um buraco
enorme, tão grande que por ali passa um elefante, na doutrina do
intervencionismo “humanitário”.
Jeffrey Laurenti |
De
fato, no atual momento, o melhor que a Rússia pode fazer é garantir que qualquer
aventureirismo ocidental para aumentar o atual nível de intervenção militar na
Síria prove-se custoso e inaceitável. Segundo despacho
da Agência Reuters,
não há dúvidas de que a Rússia está, sim, no jogo.
Concordo
com Jeffrey Laurenti, da Century
Foundation, que diz que Obama
pode ter feito por merecer seu Prêmio Nobel, afinal, na
Síria. Mas
Obama não deve guardar para si todo o prêmio: bem poderia dar metade do prêmio a
Vladimir Putin da Rússia. Questão de justiça.
MK Bhadrakumar
[*]
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais
The
Hindu,Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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