sábado, 17 de julho de 2010

Recall de políticos

Ana Echevenguá

“O beijo, amigo, é a véspera do escarro,/ A mão que afaga é a mesma que apedreja”. Versos Íntimos.
Augusto dos Anjos

Florianópolis está acordando para os seus problemas socioambientais. O descaso com os recursos naturais e humanos tornou-se tão evidente que a legião dos indignados aumenta a cada dia.

Aos poucos, as pessoas começam a enxergar que meio ambiente não é somente defender a baleia franca, a araucária ou o rio Irany que será privatizado por mais uma PCH. Também é cuidar da sua água, do serviço de transporte, do esgoto que não tratam e causa doenças...

E a história do estaleiro está bombando; mexendo com os corações e mentes.

Acho que, se a turma do Senhor X soubesse que o licenciamento passaria pelas mãos de gente séria (como os técnicos do ICMBio que disseram não ao empreendimento); e que as praias do norte da Ilha da Magia iriam se rebelar com um negócio instalado em Biguaçu, não teria comprado essa briga.

E isso me lembrou uma velha proposta do grande jurista Fábio Konder Comparato: o recall para políticos1. Ou seja, se o eleito - tanto do Executivo como do Legislativo - não cumpre o que prometeu, o eleitor poderá revogar seu mandato.

“Ah, Ana, meio ambiente não tem nada a ver com política!”.

Tem sim! Hoje, a maior parte das decisões é baseada nos anseios políticos (e pessoais) dos Eleitos&Amigos. Eles só trabalham em função de: “O que eu ganho com isso? Quanto eu levo?”

O exemplo mais recente é a Frente Parlamentar em Defesa da Criação do Estaleiro, criada na Assembléia Legislativa catarinense para afastar as dificuldades - de caráter ambiental – que possam inviabilizar o negócio do estaleiro.

Esses "frentistas" – através de mecanismos político-partidários - viraram deputados porque alguém – cumprindo seu dever democrático – foi às urnas e votou neles.

A formação dessa Frente se enquadra na tese do Comparato: “Hoje os partidos trabalham para exercer o poder, quando na verdade eles devem funcionar como auxiliares do povo, defendendo seus interesses”.

Agora, respondam: será que encontraremos um grupo de deputados que forme a Frente Parlamentar Contrária ao Estaleiro?
Eu acho que não (ainda mais que estamos em ano de eleição). E a turma quer dinheiro pra campanha.

Para que o "recall de político" vire realidade (porque a PEC - Proposta de Emenda Constitucional – deve estar em alguma gaveta, nos porões de Brasília), o jurista entende que é preciso “educação cívica e uma mudança de mentalidade na nossa ética, no nosso trato com a vida pública”.

Claro que isso não é tarefa fácil. A conscientização da sociedade civil é dificultada pela mídia que só divulga o que lhe pagam pra ser divulgado. Seu papel de emburrecer e de alienar o povo é gritante e eficaz.

Mas, com o risco de perdermos a casa, a saúde, o sossego, o emprego... não temos alternativas: ou mudamos nossa postura quanto aos rumos político-partidários do país, e vamos pra rua exigir nossos direitos ou não estaremos aptos a pressionar os órgãos públicos sobre os reais interesses socioambientais que devem ser preservados.

E não esqueçam dessa máxima do Comparato: “somente com pressão popular há avanços”.


Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa Eco&Ação, presidente do Instituto Eco&Ação e da Academia Livre das Água,
Florianópolis - SC