sexta-feira, 16 de julho de 2010

A tirania dos títulos

por Zoltan Zigedy

A oligarquia com o NYSE ao fundo. Noventa anos atrás Lenine afirmou que "sob as condições gerais da produção de mercadorias e da propriedade privada, a 'dominação' dos monopólios capitalistas torna-se inevitavelmente a dominação de uma oligarquia financeira". Ele desenvolveu a ideia de que "A supremacia do capital financeiro sobre todas as outras formas de capital significa a predominância do rentista e da oligarquia financeira".

Deixarei ao leitor curioso o exame de
Imperialismo: A etapa superior do capitalismo para verificar a argumentação convincente que está por trás desta afirmação presciente. Mas seguramente ela decorre de um entendimento profundo da exposição de Marx da lógica do capitalismo e da evidência disponível no tempo de Lenine. Ironicamente, esta projecção agora antiga – esta previsão da dominância do capital financeiro – diz mais da crise econômica que agora devasta o planeta do que a multidão de laureados com o Prémio Nobel que pontificam acerca da causa da retração começada em 2008.

A dominância de uma "oligarquia financeira", como prevista por Lenine, atingiu o seu zênite durante os últimos vinte anos com o setor financeiro duplicando sua fatia dos lucros corporativos nos EUA. Mas "dominância" não é meramente uma matéria de supremacia no lucro; ela inclui também a ascendência do poder político, social e ideológico. A viragem neoliberal introduzida solenemente no fim da administração Carter e vigorosamente alimentada por Reagan principiou um processo de desregulamentação que acabou por remover as algemas nas finanças estabelecidas pelo New Deal.

O setor financeiro desencadeou a dívida como o mecanismo para escravizar consumidores, cidades, municípios, estados e países soberanos. Fundos de pensão foram ou privatizados ou atraídos para grupos de investimento especulativo. Cartões de crédito, hipotecas e títulos tornaram-se as ferramentas de dominação da oligarquia financeira. Ao mesmo tempo, os enormes lucros acumulados permitiram ao setor financeiro comprar uma influência decisiva no circo dos dois partidos, através de
lobbies, contribuições de campanha e corrupção desenfreada. Com a notável excepção da descrição do perverso Gordon Gekko no filme de Oliver Stone, os banqueiros de investimento foram encarados como as figuras mais brilhantes, mais dinâmicas e mais invejadas da imaginação popular.

Dominância inevitavelmente convida à tirania e o setor financeiro avidamente aproveitou a oportunidade. Hoje, a expressão desta tirania é a noção louca de que bancos são "demasiado grandes para falirem". Vemos esta tirania na arrogância da Goldman Sachs, a operar sem nenhum respeito pelos interesses nacionais ou a opinião pública e sem qualquer freio efetivo do governo. Analogamente, a timidez de legisladores em conceber regulação bancária efetiva destaca esta tirania. Mas nada evidencia mais esta tirania do que a atual crise da dívida europeia.

CRISE EUROPEIA

A Europa, hoje, é refém do mercado de títulos. Porque a União Europeia é um projeto comum incompleto com desigualdades, desequilíbrios e contradições históricas, ela é presa fácil para a oligarquia financeira. Estas condições de fraqueza abandonam as economias menos desenvolvidas aos abutres do capital financeiro. Mas o jogo não era a solvência porque nunca houve realmente qualquer questão – como as coisas estavam no fim de 2009 – de que a Grécia, Portugal, Itália, Irlanda, Espanha ou mesmo Romênia e Hungria pudessem cumprir suas obrigações de dívida ou assegurar novos empréstimos.

Mais exatamente, a crise foi tramada pelos predadores financeiros. O ataque especulativo em grande escala por parte do setor financeiro estrangulou estas economias até à submissão, forçando-as, no momento em que a recuperação estava no equilíbrio, a abandonar quaisquer programas de estímulo e a abraçar uma extrema austeridade do setor público. Nove meses depois, este pânico da dívida propagou-se através do mundo, com governos a correrem para cortar empregos no setor público, benefícios e salários, eliminando programas sociais e privatizando obras públicas.

Como carneiros, políticos, sabichões e comentaristas acrescentaram suas vozes reverenciais aos mercados de títulos. O governo do PASOK na Grécia prostrou-se à oligarquia financeira, seguido pelos governos espanhol, português e irlandês. O novo governo do Reino Unido garantiu cortes profundos nas despesas do governo. Preocupações com dívida empurraram para o lado todas as outras questões nas eleições holandesas. O governo francês está a pressionar por um aumento na idade de aposentadoria. E o novo governo da Hungria quase entrou em colapso ao sugerir que podia desviar-se do plano de jogo imposto pelo FMI de miserabilismo fiscal.

Os EUA, embora não afetados pela agressão financeira, também sucumbiram à extorsão da oligarquia financeira. O presidente Obama pretende cortar a Segurança Social e o Medicare através da sua discreta Comissão sobre Responsabilidade e Reforma Fiscal.

Para aqueles que se recusam a desafiar a dominância dos mercados financeiros e a tirania dos títulos, não há nenhum outro caminho senão aceitar e impor cortes profundos nos gastos públicos. O ataque à Grécia foi uma demonstração do poder do setor financeiro e a sua brutalidade ao utilizá-lo. Exatamente quando os cortes de despesas começam a sentir-se, a Grécia experimenta inflação explosiva, um desenvolvimento fatal nos seus efeitos sobre os padrões de vida da classe trabalhadora grega.

Mas há uma resposta à tirania dos títulos, uma resposta que apela à mobilização em massa do povo trabalhador contra a oligarquia financeira. Essa resposta recusa-se a acatar um sistema que promete atrasar durante décadas a segurança e os padrões de vida do povo trabalhador e oferece-lhe um futuro negro.

Os omnipresentes porta-vozes da oligarquia financeira apelam a sacrifícios para restaurar a ordem no sistema econômico. Isto é um logro calculado. Não há qualquer nobre sacrifício em capitular à extorsão ou aceitar que há a inevitabilidade da dominação dos mercados financeiros.

Trabalhadores na Grécia, liderados pelos comunistas gregos e o agrupamento de todos os sindicatos, PAME, estão na vanguarda da organização de greves e manifestações contra a oligarquia financeira. A sua determinação e apelos à unidade estabeleceram um exemplo para todos os trabalhadores europeus. Nos calcanhares das ações gregas, trabalhadores portugueses foram às ruas. A maior central sindical da Espanha, Comisiones Obreras, foi à greve em 8 de Junho, com 75% dos 2,6 milhões de trabalhadores da organização aderindo à ação e com uma greve geral prevista. Trabalhadores do setor público na Romênia organizaram várias ações militantes.

Quando o combate se intensifica, a unidade é essencial – mas não a expensas da militância. Os resmungos das lideranças de muitos sindicatos europeus são bem vindos, mas devem ser apoiados por organização efetiva e mobilização de massa. Recentemente, vários líderes sindicais do Reino Unidos falaram iradamente dos cortes draconianos prometidos pelo novo governo, mas falharam em apresentar mais do que retórica estridente e futuras ameaças eleitorais. Nos EUA, uns poucos líderes têm falado contra o assalto encoberto da administração Obama a programas sociais, mas um movimento de massa ainda está por emergir. Uma confrontação de base classista com a oligarquia financeira enfrenta muitos obstáculos, o não menor dos quais é a quase total dominação do trabalho organizado no pós Guerra-Fria pelos colaboracionistas de classe, a liderança social-democrata.

E os oligarcas financeiros estão plenamente conscientes desta fraqueza. Recentemente, o chefe da Comissão Europeia, presidente José Manuel Barroso, reuniu muitos dos líderes sindicais social-democratas para instruí-los sobre os perigos de resistir ao assalto aos padrões de vida provocados pela "crise" predatória da dívida. Conforme relatado pelo
Daily Mail britânico: "Numa palestra extraordinária a responsáveis sindicais na semana passada, o presidente da Comissão José Manuel Barroso expôs uma visão "apocalíptica" na qual países atingidos pela crise no Sul da Europa poderiam tornar-se vítimas de golpes militares ou levantamentos populares quando taxas de juro subirem e serviços públicos entrarem em colapso porque acaba o dinheiro dos seus governos".

São os "levantamentos populares" que Barroso teme, um temor que é partilhado pelos líderes sindicais social-democratas. Além disso, ele quer alistar estes líderes na tarefa de empurrar o programa de austeridade goela abaixo dos trabalhadores. John Monks, responsável do European Trades Union Congress, comentou: "Tive uma discussão com Barroso sexta-feira passada acerca do que pode ser feito para a Grécia, Espanha, Portugal e o resto e a sua mensagem foi brusca: "Olhe, se eles não executarem estes pacotes de austeridade, estes países poderiam virtualmente desaparecer do modo que os conhecemos como democracias. Eles não têm nenhuma escolha, é isto". Ao mesmo tempo, "o sr. Monks advertiu ontem que as novas medidas de austeridade poderiam por si próprias levar o continente 'de volta à década de 1930' ", segundo o
Daily Mail. Claramente, sociais-democratas como o sr. Monks, estão desejosos de remeter a classe trabalhadora europeia "de volta aos anos 1930" ao invés de arriscar levantamentos populares que desafiariam a oligarquia financeira.

A Federação Sindical Mundial apelou a um dia internacional de ação do movimento sindical em 7 de Setembro de 2010. Devem ser feitos todos os esforços para preparar esta ação ao longo do Verão. Devem ser feitos todos os esforços para mobilizar o povo trabalhador contra a oligarquia financeira.

Levantamentos populares é o que precisamos.

O original, em inglês, encontra-se em: The Tyranny of Bonds
Este artigo, em português foi copiado de: Resistir. Info .