sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Pepe Escobar – “APEC: Duelo de fogo do livre-comércio”

8/10/2013, [*] Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Comemoração de aniversário de Putin durante a abertura da reunião da APEC em Bali
Que foto! (acima) – Mais um caso da magia de Bali em ação. O presidente chinês Xi Jinping comanda um “Parabéns a você” para o presidente Vladimir Putin da Rússia, com o presidente Susilo Yudhoyono da Indonésia na guitarra acústica. Vocês já sabem quem não aparece na foto – ele, aquele, que está em modo de contenção, em trancamento nacional. 
Apesar dos protestos que vêm da think-tankelândia dos EUA, não pode haver mais eloquente registro histórico da emergente ordem multipolar.
Zhu Guangyao
E na sequência, o Credor, meio alarmado, mandou um recado ao Devedor massivo, via o vice-ministro de Finanças da China, Zhu Guangyao:
Na condição de maior economia do mundo, e de emissor da maior moeda de reserva do mundo, é importante para os EUA cuidar de preservar o valor dos papéis de seu Tesouro.
Tradução: no momento em que os países da região do Pacífico Asiático reuniam-se para discutir os pontos mais complexos da cooperação econômica na cúpula da Organização de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático [orig. Asia Pacific Economic Cooperation (APEC)] em Bali, o que mais preocupa todos é a assustadora possibilidade de o governo dos EUA “dar o calote” e não pagar [orig. defaulting] as dívidas colossais que vencem semana que vem. 
Tudo isso sofreu a interferência de um evento lateral – a Volta dos Sequestros Extraordinários na Líbia e os SEALs da Marinha forçados a fugir escafedidos, rechaçados por um punhado de jihadis do grupo al-Shabaab na Somália,mais do que suficiente para que a imprensa-empresa norte-americana apagasse completamente qualquer notícia sobre a reunião da APEC.
Xi Jinping
Como previsto, a China foi a estrela do show da APEC. Nunca será demais lembrar que os 21 membros da APEC respondem por nada menos que metade da produção econômica e do comércio do planeta. Xi insistiu que a APEC lidere e coordene a nuvem complexa das negociações de livre comércio em toda a Ásia do Pacífico.
Insistiu também que todo e qualquer acordo comercial deva ser “inclusivo” – no sentido de “incluir a China”. Só assim satisfará a exigência de ser acordo “ganha-ganha”; como se Xi ainda precisasse repetir que a China é o maior parceiro comercial e maior mercado exportador para, de fato, praticamente todos os países do Pacífico asiático.
Cuidado com a “década de diamante”
A questão arrasa-quarteirões hoje na Ásia do Pacífico é a confusão de Acordos de Livre Comércio [orig. FTAs]; atualmente, há mais de 100 Acordos de Livre Comércio que competem entre eles, todos vigentes. As negociações na Organização Mundial do Comércio são muito confusas, para dizer o mínimo. Assim sendo, muitos atores recorrem a Acordos de Livre Comércio bilaterais e, de um ou de outro modo, multilaterais. Os principais concorrentes nessa disputa entre Acordos de Livre Comércio são a Parceria Econômica Compreensiva, de 16 nações lideradas pela Associação de Nações do Sudeste Asiático [ing. ASEAN] (que inclui a China) versus a Parceria Trans-Pacífico liderada pelos EUA (que exclui a China).
Xi repetiu e insistiu várias vezes que a China prefere um acordo de livre comércio que cubra toda a região do Pacífico Asiático. E esse acordo, no que dependa de Pequim, não será a Parceria Trans-Pacífico – que não passa de gigantesco consórcio de mega-empresas norte-americanas, que tratarão de baixar tarifas em todo o espectro, em todos os casos em que a baixa favoreça exclusivamente as multinacionais norte-americanas e prejudique todas as empresas de pequeno e médio porte nos países em desenvolvimento; e, isso, mascarado sob a farsa de um proclamado “o mais alto padrão de livre comércio”.
A China deseja, essencialmente, que a Organização de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático [orig. Asia Pacific Economic Cooperation (APEC)] ponha ordem na quadra de jogo. 
Obama estava ocupado demais se pivoteando rumo ao próprio umbigo, em vez de pivotear-se para a Ásia, mais especificamente para Bali, para lá contribuir com seus palpites. Mas o fato é que Washington quer empurrar uma Parceria Trans-Pacífico goela abaixo de seus “parceiros”, com cronograma apertado (até o final de 2013), confiando em discussões-chave do tipo “o diabo vive nos detalhes” sobre acesso a mercados (livre, leve e solto, se você for empresa-mamute) e propriedade intelectual (com as empresas-mamutes liberadas para market-izar absolutamente qualquer coisa).
Bill Clinton
A coisa vai ficando cada vez mais interessante, se se recorda que a APEC, de início, foi uma espécie de torpedo dirigido pelos EUA, para impor suas políticas na Ásia. Lembro perfeitamente de uma reunião da APEC em Bogor, Indonésia, que cobri em 1994 – e onde um todo-poderoso Bill Clinton parecia ditar, do púlpito, todo o futuro dos países do Pacífico Asiático. Aquilo, sim, foi movimento de “pivô na direção da Ásia” avant la lettre e em termos absolutamente norte-americanos. Adiante, quando anunciou o pivoteamento oficial, em 2011, a secretária de Estado, Hillary Clinton, pôs-se a falar do “pivô” como se fosse a alvorada do “século dos EUA no Pacífico”.
O tal “século dos EUA no Pacífico” parece hoje reduzido, pelo menos até agora, a tentar implantar uma já muito depauperada Parceria Trans-Pacífico. Bantarto Bandoro, da Universidade Indonésia de Defesa, parece ver com mais clareza o quadro real: disse ao jornal Jakarta Globe que “podemos estar assistindo ao começo do fim da dominação global pelos EUA”.
Embora o veredicto nesse duelo de fogo do livre-comércio permaneça aberto, a China persiste, workaholic. Depois de seus espetaculares sucessos da Nova Rota da Seda na Ásia Central, Pequim acaba de propor uma – e era o que faltava, em matéria de novidade – Rota Marítima da Seda [orig. Maritime Silk Road (MSR)] no Sudeste da Ásia, para fazer crescer o comércio entre a China e os países ASEAN.
Rota Marítima da Seda (em azul) e a Nova Rota Terrestre da Seda (em laranja)
Mais uma vez, Xi foi o mensageiro, na atual viagem que faz à Indonésia e à Malásia: disse que a Rota Marítima da Seda converterá a “década de ouro” entre China e países ASEAN numa “década de diamante”. [2] A China é o maior parceiro comercial dos dez países ASEAN(mais de US$400 bilhões em 2012), com investimentos mútuos de mais de $100 bilhões e aumentando. Pequim vê essa próxima “década de diamante” como o ponto central da solução político-econômica para os problemas territoriais, até agora inabordáveis, do Mar do Sul da China, que empurra a China contra quatro países ASEAN: Vietnã, Filipinas, Malásia e Brunei.
Xi já partiu para uma ofensiva de charme à Malásia, e não se sabe ainda o que Vietnã e as Filipinas farão dessa “década de diamante”, com tanto petróleo e gás ainda não atribuído e explorado a ser descoberto no Mar do Sul da China. Mais uma vez, Pequim está jogando o longo jogo. A reunião de cúpula da Organização de Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (APEC) de 2014 será realizada – e onde mais seria? – em Pequim. Até lá, Obama talvez consiga tempo para pivoteamento a valer. E, então, talvez já seja pouco demais, tarde demais.

Notas dos tradutores
[1] Orig. Shootout at the APEC free-trade corral. Com ecos de Gunfight at the O.K. Corral (dir. John Sturges, 1957). No Brasil o filme recebeu o título de “Sem Lei e sem Alma”; em Portugal, “Duelo de Fogo”.

[2] Concordamos todos, unanimemente, que nossos interesses comuns estão-se expandindo. Tivemos capacidade para criar uma “década de ouro” no passado. Temos também o poder para criar “uma década de diamante” no futuro” – disse o premiê chinês Li Keqiang (6/9/2013, Xinhuanet, China).
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[*] Pepe Escobar
 (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia TodayThe Real News Network Televison Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
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