8/10/2013, [*] Pepe
Escobar, Asia Times Online –
The Roving Eye
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Comemoração de aniversário de Putin durante a abertura da reunião da APEC em Bali |
Que foto! (acima) – Mais um caso da magia de
Bali em ação. O presidente chinês Xi Jinping comanda um “Parabéns a você” para o
presidente Vladimir Putin da Rússia, com o presidente Susilo Yudhoyono da
Indonésia na guitarra acústica. Vocês já sabem quem não aparece na foto – ele,
aquele, que está em modo de contenção, em trancamento nacional.
Apesar
dos protestos que vêm da think-tankelândia dos EUA, não pode haver mais
eloquente registro histórico da emergente ordem multipolar.
Zhu Guangyao |
E
na sequência, o Credor, meio alarmado, mandou um recado ao Devedor massivo, via o
vice-ministro de Finanças da China, Zhu Guangyao:
Na condição de maior economia do
mundo, e de emissor da maior moeda de reserva do mundo, é importante para os EUA
cuidar de preservar o valor dos papéis de seu Tesouro.
Tradução: no momento em que os
países da região do Pacífico Asiático reuniam-se para discutir os pontos mais
complexos da cooperação econômica na cúpula da Organização de Cooperação
Econômica do Pacífico Asiático [orig. Asia Pacific Economic Cooperation
(APEC)] em Bali, o que mais preocupa todos é a assustadora possibilidade de
o governo dos EUA “dar o calote” e não pagar [orig. defaulting] as
dívidas colossais que vencem semana que vem.
Tudo isso sofreu a interferência de
um evento lateral – a Volta dos Sequestros Extraordinários na Líbia e os SEALs da Marinha forçados a fugir
escafedidos, rechaçados por um punhado de jihadis do grupo
al-Shabaab na Somália,mais do que suficiente para que a
imprensa-empresa norte-americana apagasse completamente qualquer notícia sobre a
reunião da APEC.
Xi Jinping |
Como
previsto, a China foi a estrela do show da
APEC. Nunca será demais lembrar que os 21 membros da
APEC respondem por nada menos que metade da produção econômica e do
comércio do planeta. Xi insistiu que a APEC lidere e coordene a nuvem
complexa das negociações de livre comércio em toda a Ásia do Pacífico.
Insistiu
também que todo e qualquer acordo comercial deva ser “inclusivo” – no sentido de
“incluir a China”. Só assim satisfará a exigência de ser acordo “ganha-ganha”;
como se Xi ainda precisasse repetir que a China é o maior parceiro comercial e
maior mercado exportador para, de fato, praticamente todos os países do Pacífico
asiático.
Cuidado
com a “década de diamante”
A
questão arrasa-quarteirões hoje na Ásia do Pacífico é a confusão de Acordos de
Livre Comércio [orig. FTAs]; atualmente, há mais de 100 Acordos de Livre
Comércio que competem entre eles, todos vigentes. As negociações na Organização
Mundial do Comércio são muito confusas, para dizer o mínimo. Assim sendo, muitos
atores recorrem a Acordos de Livre Comércio bilaterais e, de um ou de outro
modo, multilaterais. Os principais concorrentes nessa disputa entre Acordos de
Livre Comércio são a Parceria Econômica Compreensiva, de 16 nações lideradas
pela Associação de Nações do Sudeste Asiático [ing. ASEAN] (que inclui a
China) versus a Parceria Trans-Pacífico liderada pelos EUA (que exclui a
China).
Xi
repetiu e insistiu várias vezes que a China prefere um acordo de livre comércio
que cubra toda a região do Pacífico Asiático. E esse acordo, no que dependa de
Pequim, não será a Parceria Trans-Pacífico – que não passa de gigantesco
consórcio de mega-empresas norte-americanas, que tratarão de baixar tarifas em
todo o espectro, em todos os casos em que a baixa favoreça exclusivamente as
multinacionais norte-americanas e prejudique todas as empresas de pequeno e
médio porte nos países em desenvolvimento; e, isso, mascarado sob a farsa de um
proclamado “o mais alto padrão de livre comércio”.
A
China deseja, essencialmente, que a Organização de Cooperação Econômica do
Pacífico Asiático [orig. Asia Pacific Economic Cooperation (APEC)]
ponha ordem na quadra de jogo.
Obama estava ocupado demais se pivoteando
rumo ao próprio umbigo, em vez de pivotear-se para a Ásia, mais especificamente
para Bali, para lá contribuir com seus palpites. Mas o fato é que Washington
quer empurrar uma Parceria Trans-Pacífico goela abaixo de seus “parceiros”, com
cronograma apertado (até o final de 2013), confiando em discussões-chave do tipo
“o diabo vive nos detalhes” sobre acesso a mercados (livre, leve e solto, se
você for empresa-mamute) e propriedade intelectual (com as empresas-mamutes
liberadas para market-izar absolutamente qualquer coisa).
Bill Clinton |
A
coisa vai ficando cada vez mais interessante, se se recorda que a APEC,
de início, foi uma espécie de torpedo dirigido pelos EUA, para impor suas
políticas na Ásia. Lembro perfeitamente de uma reunião da APEC em Bogor,
Indonésia, que cobri em 1994 – e onde um todo-poderoso Bill Clinton parecia
ditar, do púlpito, todo o futuro dos países do Pacífico Asiático. Aquilo, sim,
foi movimento de “pivô na direção da Ásia” avant la lettre e em termos
absolutamente norte-americanos. Adiante, quando anunciou o pivoteamento oficial,
em 2011, a secretária de Estado, Hillary Clinton, pôs-se a falar do “pivô” como
se fosse a alvorada do “século dos EUA no Pacífico”.
O
tal “século dos EUA no Pacífico” parece hoje reduzido, pelo menos até agora, a
tentar implantar uma já muito depauperada Parceria Trans-Pacífico. Bantarto
Bandoro, da Universidade Indonésia de Defesa, parece ver com mais clareza o
quadro real: disse ao jornal Jakarta Globe que “podemos estar assistindo
ao começo do fim da dominação global pelos EUA”.
Embora
o veredicto nesse duelo de fogo do livre-comércio permaneça aberto, a China
persiste, workaholic. Depois de seus espetaculares sucessos da Nova Rota da Seda na Ásia Central, Pequim
acaba de propor uma – e era o que faltava, em matéria de novidade – Rota
Marítima da Seda [orig. Maritime Silk Road (MSR)] no Sudeste da Ásia,
para fazer crescer o comércio entre a China e os países ASEAN.
Rota Marítima da Seda (em azul) e a Nova Rota Terrestre da Seda (em laranja) |
Mais uma vez, Xi foi o mensageiro,
na atual viagem que faz à Indonésia e à Malásia: disse que a Rota Marítima da
Seda converterá a “década de ouro” entre China e países ASEAN numa
“década de diamante”. [2] A China é o maior parceiro
comercial dos dez países ASEAN(mais de US$400 bilhões em 2012), com
investimentos mútuos de mais de $100 bilhões e aumentando. Pequim vê essa
próxima “década de diamante” como o ponto central da solução político-econômica
para os problemas territoriais, até agora inabordáveis, do Mar do Sul da China,
que empurra a China contra quatro países ASEAN: Vietnã, Filipinas,
Malásia e Brunei.
Xi
já partiu para uma ofensiva de charme à Malásia, e não se sabe ainda o que
Vietnã e as Filipinas farão dessa “década de diamante”, com tanto petróleo e gás
ainda não atribuído e explorado a ser descoberto no Mar do Sul da China. Mais
uma vez, Pequim está jogando o longo jogo. A reunião de cúpula da Organização de
Cooperação Econômica do Pacífico Asiático (APEC) de 2014 será realizada –
e onde mais seria? – em Pequim. Até lá, Obama talvez consiga tempo para
pivoteamento a valer. E, então, talvez já seja pouco demais, tarde
demais.
Notas dos tradutores
[1] Orig. Shootout at the APEC free-trade corral. Com ecos de Gunfight at the O.K. Corral (dir. John
Sturges, 1957). No
Brasil o filme recebeu o título de “Sem Lei e sem Alma”; em Portugal, “Duelo de
Fogo”.
[2]
Concordamos todos, unanimemente, que
nossos interesses comuns estão-se expandindo. Tivemos capacidade para criar uma
“década de ouro” no passado. Temos também o poder para criar “uma década de
diamante” no futuro” – disse o premiê chinês Li Keqiang (6/9/2013, Xinhuanet,
China).
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.