sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Será que o espião-chefe saudita, príncipe Bandar bin Sultan, enlouqueceu completamente?

25/10/2013, The Saker, The Vineyard of the Saker
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Será que Bandar bin Sultan está louco?
Todos os sinais mostram que o regime saudita, antes e sempre muito secretivo, agora está furioso. Muito, muito zangado. O reino saudita não apenas recusou o assento ao qual foi eleito no Conselho de Segurança da ONU; agora, o espião-chefe príncipe saudita Bandar bin Sultan parece estar ameaçando os EUA, disse que:

(...) haverá grande mudança nas relações com os EUA, em  protesto contra a visível inação no caso da guerra síria e de suas aberturas para o Irã.

O Wall Street Journal dá outros detalhes:

Na expectativa de ataques norte-americanos, os líderes sauditas pediram planos detalhados aos EUA para a alocação de naves norte-americanas para fazer a guarda do centro saudita de petróleo, a Província Leste, durante qualquer ataque à Síria, disse um funcionário que acompanha aquela discussão. Os sauditas surpreenderam-se quando os norte-americanos disseram-lhes, então, que não haveria naves norte-americanas para proteger completamente a região do petróleo, disse o funcionário.

O funcionário disse também que, desapontados, os sauditas disseram aos EUA que estavam abertos a alternativas à longa e duradoura parceria de defesa, enfatizando que procurariam boas armas a bom preço, fosse qual fosse a fonte.

No segundo episódio, um diplomata ocidental descreveu a Arábia Saudita como ansiosamente interessada em ser parceira militar no que se esperava que fossem ataques comandados pelos EUA contra a Síria. Parte disso, os sauditas pediram que lhes fosse fornecida a lista de alvos militares propostos. Os sauditas indicaram que jamais obtiveram a informação, disse o diplomata.

Bandar (também conhecido como Bandar bin Sultan bin Abdulaziz Al Saud) passou a maior parte de sua carreira em Washington DC, onde foi embaixador saudita de 1983 a 2005 e onde era considera o excepcionalmente próximo da família Bush. E, ainda mais, pôde observar, melhor que qualquer outra pessoa, o modo como os EUA foram à guerra contra o Iraque, não só uma, mas duas vezes, em 1991-1992 e, outra vez, em 2003-2005.

Assim sendo, ele, mais e melhor que qualquer outro, deveria saber que (a) os EUA não têm capacidade física para “proteger completamente” toda a região do petróleo do reino saudita; e que (b) os EUA só partilhariam a lista de alvos previstos com aliados “anglos” muito próximos (o Reino Unido e, talvez, algum outro país anglo [1]). Sequer os israelenses ou os franceses jamais receberiam esse tipo de acesso.

Mapa político da Arábia Saudita com fronteiras e províncias
(clique na imagem para visualizar)
Assim sendo, por que, santo deus, Bandar está tão incomodado?!

Claro, sim, que há outras boas razões a enfurecê-lo: todo o plano estratégico dos sauditas para derrotar os xiitas no Oriente Médio ruiu.

Os sauditas queriam disparar um levante na Síria; depois, encenar um ataque químico, que seria atribuído a outros; depois, fazer os EUA executarem a “mudança de regime” na Síria; e afinal substituir o governo sírio por algum regime de wahabistas comedores-de-fígados fantoches dos sauditas. Assim, o Hezbollah e o Irã estariam isolados. Os sauditas deixariam os israelenses lidar com o Hezbollah, enquanto eles próprios empurrariam os EUA para um confronto com o Irã.

Em matéria de planos estratégicos, até que era bem bom plano, mas baseado num erro básico de compreensão: esse plano não avalia corretamente a determinação de russos, iranianos e do Hezbollah, para destroçá-lo. Sabemos que a Rússia deslocou uma muito poderosa força tarefa naval para a costa da Síria; há muito boa informação que mostra que o Irã enviou clandestinamente equipamento e combatentes para a Síria; e o Hezbollah admitiu publicamente que enviou vários milhares de combatentes seus para a Síria. Esses combatentes são os que realmente viraram a maré da guerra em campo (sobretudo em torno de al-Qusayr).

Mapa do oeste da Síria e a derrota dos "rebeldes" em al Qusair
(clique no mapa para visualizar melhor)
O que não sabemos (mas sabemos com certeza que a conversa aconteceu) é o que Rússia, Irã e o Hezbollah disseram aos EUA através de seus canais diretos de comunicação. Pessoalmente, tenho a forte impressão de que houve ameaças realmente sérias, vindas de um ou de vários desses atores; e que a Casa Branca levou muitíssimo a sério as ameaças que ouviu. Sim, sim, claro: foi quando apareceu o “ponto retórico” de Kerry sobre a Síria entregar as armas químicas, mas há fartos indicadores de que os EUA já haviam decidido “dar meia volta” [orig. “fold”] 2 ou 3 dias antes de darem. Seja qual for o caso, é claro que os EUA tomaram a única decisão sã, ao decidirem que não iniciariam outra grande guerra no Oriente Médio.

É possível que os sauditas tenham realmente pensado que os EUA entrariam em confronto aberto contra a Síria, o Hezbollah, o Irã e a Rússia, só para satisfazê-los?

Agora, consideremos a reação dos sauditas.

Primeiro, recusaram a assumir o assento ao qual foram eleitos, no Conselho de Segurança da ONU. E daí?! Com a previsível exceção de Kuwait e Bahrain, que ficarão desolados, quem se incomodará muito por os sauditas não se sentarem no CS-ONU?! O Kosovo?

Agora, essa ameaça de “grande mudança” na aliança EUA-sauditas. Mas, afinal... Do que, diabos, Bandar está falando, de novo?!

Para começar: será que Bandar realmente acredita que os EUA precisam vitalmente do Reino Árabe-Saudita? Será que não se dá conta de que, em pouco tempo, os EUA serão autossuficientes em petróleo? Será que não vê que estão chegando ao fim os dias em que a ARAMCO [5] era peça chave para manter a força do dólar, e que, agora, a força do dólar depende mais do poder financeiro e militar dos EUA? E ainda que o reino saudita fosse vital para a força do dólar, será que Bandar realmente supõe que possa ameaçar impunemente interesses estratégicos vitais dos EUA?

Complexo administrativo da Aramco em Dhahram na Arábia Saudita
Em segundo lugar, se Bandar quer afastar-se da aliança com os EUA, para onde supõe que se possa bandear?! Com total certeza, não para a China, que tem um grave “problema muçulmano” a enfrentar, nas províncias ocidentais; não, tampouco, para a União Europeia, servilmente comprometida e dedicada ao seu status de colônia do Império norte-americano; não para a África – e menos ainda depois da recente carnificina no Quênia. Não para a América Latina, é claro, se por mais não for, por causa da longa história latino-americana de luta contra os EUA; e, também, porque nesse continente habita imensa população árabe, que sabe perfeitamente que o wahabismo é ideologia doentia. Na Ásia, talvez os governantes desesperados da República Popular Democrática da Coreia ou de Burma se interessassem por explorar propostas. Mas é só.

Por tudo isso, a menos que Bandar suponha que castigaria os EUA se se meter em aliança com “peso-pesados” do quilate do Kuwait ou Bahrain, não se sabe o que estará passando pela cabeça de Bandar.

Considerem o seguinte: primeiro, Bandar ameaça Putin com ataques terroristas durante os Jogos Olímpicos de Sochi; [3] agora, Bandar ameaça os EUA de “deixá-los” por sua conta?! Seria cômico, se a Casa de Saud não estivesse sentada sobre uma descomunal montanha de dinheiro, que ela tem e que ela usa – e usará – para espalhar o terror e o extremismo wahabista por todo o planeta.

O que me aproxima, afinal, da minha última pergunta: será que Bandar realmente não compreende a fragilidade de seu próprio regime? Será que acredita seriamente que poderia ameaçar simultaneamente EUA e Rússia, e sair ileso?

GW Bush e Bandar Bush bin Sultan
Talvez o pobre coitado espere que o clã Bush possa fazer alguma coisa a seu favor, mas, nesse caso, espera errado. Claro, sim, que a família Bush e a Casa de Saud são cúmplices há muito tempo em todos os tipos de negócios sujos e bem feios, mas, além de os Bush não estarem atualmente no poder, eles sempre amarão mais o próprio dinheiro que os próprios amigos. E a verdade é que a família Bush também já não precisa, assim, tanto, dos sauditas.

Mas o contrário não é verdade. A casa wahabista de Saud está sentada sobre gigantesca reserva de petróleo, mas é petróleo xiita (as regiões do país ricas em petróleo são as mesmas onde se concentra população majoritariamente xiita, duramente reprimida no país). Os dois governos, do Bahrain e o regime saudita, só se mantiveram no poder por força de repressão violentíssima e sistemática contra a própria população, sobretudo contra os xiitas. Para os wahabistas, permanecer no poder significa matar xiitas, muitos, muitos xiitas. Para fazer isso, é indispensável ter um “protetor” no Conselho de Segurança da ONU. E, no caso do Reino Árabo-Saudita, esse “protetor” sempre foi os EUA. Imaginem, então, o que pode acontecer, se os EUA retirarem a “proteção” que dão aos governantes sauditas, no CS-ONU. Que sinal esse movimento enviará aos sofridos e reprimidos xiitas, nos dois países? Sem ter conseguido chegar sequer uma situação de “Responsabilidade de Proteger”, é muito evidente que o regime saudita só interessa e só tem serventia, “por decisão e escolha do presidente dos EUA”, [4] podendo ser demitido sem aviso prévio e sem explicações.

A impressão que se tem é que Bandar está completamente esquecido disso tudo. Minha impressão pessoal é que (a) Bandar enlouqueceu completamente. Deve ser internado. É isso ou, então, (b) toda a Casa de Saud enlouqueceu completamente, algum tipo de efeito colateral e consequência de seus hábitos e práticas degeneradas. Sabe-se lá?

Se Bandar for “aposentado” – administrativamente ou fisicamente – mais cedo ou mais tarde, então saberemos que se trata da opção (a). Se não, é a opção (b). Seja qual for, o destino da Casa de Saud está selado.

[assina] The Saker



Notas dos tradutores

[1] Países “Anglo” são Reino Unido, Irlanda, EUA, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Exceto a Irlanda, os demais são militarmente alinhados sob o Tratado UKUSA [UKUSA Agreement] e o programa dos Exércitos ABCA.

[2] Saudi Arabian Oil Co., ARAMCO, é a empresa nacional saudita de petróleo e gás, com sede em Dhahran.

[3] Ver, sobre isso, Asia Times Online de 7/9/2013, redecastorphoto: Pepe Escobar: “Cães da guerra versus a caravana emergente”, (traduzido).


[4] Orig. at the pleasure of the US President. É expressão da Constituição dos EUA. Designa alguns poderes e competências exclusivas do presidente, como, dentre outros, a nomeação para alguns postos; disse-se que, nesses casos, o funcionário “serve como apraza ao presidente dos EUA”, podendo ser demitido a qualquer momento.

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