15/10/2013, [*] Haroldo Lima - Tribuna de Debates, Portal
Vermelho
Enviado pelo pessoal da Vila
Vudu
O ponto
137 das Teses mostra que “concessões de determinados serviços públicos” são
“nas condições atuais da economia brasileira”, uma “necessidade para se
alavancar e modernizar o desenvolvimento”. O ponto 138 alerta para os cuidados
que precisam ser tomados quando se celebra uma concessão, para resguardar os
interesses nacionais e populares.
O tema
suscitou o que me parece serem incompreensões em nosso debate. O camarada
Tinoco Luna, por exemplo, formulou que, “conceder... a propriedade estatal para
a iniciativa privada... é uma formulação teórica que não se aplica ao petróleo”
(1/10/2013) Na verdade, esse tipo de concessão não devemos aceitar nem no
petróleo nem em nada. Mas,
nunca falamos em “conceder... a propriedade estatal para a iniciativa
privada...”. Isto é uma posição privatista. O ponto 137 fala em “concessões
de... serviços públicos”, não de propriedade estatal.
A
concessão, de que tratam nossas Teses, é um contrato que o Estado – poder
concedente – celebra com alguma empresa – concessionária – no qual o Estado,
que detém a propriedade de determinado bem ou recurso, permite que a
concessionária o explore, por um determinado tempo, dentro de condições
estipuladas, sem abrir mão, em nenhum instante, nem de leve, da propriedade do
bem ou recurso concedido.
Quando,
por exemplo, o Governo concede a exploração dos serviços de transporte de uma
estrada, a estrada continua sendo integralmente uma propriedade pública. Uma
empresa que receba a concessão para explorar o transporte na Ponte Rio Niterói,
não vira proprietária dessa ponte.
A
concessão é feita com condições prévias estipuladas, beneficiosas para a
concedente e para o concessionário. Se o concessionário não cumpre as condições
estipuladas, por exemplo, o pagamento de taxas, a feitura de obras, a
manutenção da qualidade do serviço, etc., a concedente pode suspender a
concessão e trazer de volta o bem concedido.
É
ilustrativo ver o que frequentemente faz a Agência Nacional do Petróleo. Ainda
há poucas semanas, a ANP tomou blocos de petróleo de uma empresa que não estava
cumprindo suas obrigações contratuais. Mas só tomou porque os blocos não eram
propriedade da empresa, que apenas tinha a concessão de explorá-los. O
proprietário era a União e por isso a ANP, representante da União, tomou os
blocos de volta.
A diferenciação
entre “concessão” e “privatização” é clara. Correntes neoliberais, entretanto,
se esforçam por dizer que tudo é a mesma coisa e pessoas incautas, até de
esquerda, às vezes vão na onda. É como aquele político corrupto que fica todo
alegre quando alguns ingênuos, que se acham radicais, dizem que “todo político
é corrupto”. O corrupto sorri, sente-se elogiado, pois é igualado ao político
sério.
A
propriedade é uma categoria básica que não comporta tergiversação, sobretudo
para os marxistas. Quem detém a propriedade, detém o poder de deliberar sobre o
destino do bem apropriado. Pode até não usá-lo, dar-lhe outro destino, vende-lo
e torrar o dinheiro.
Quando
dizemos que a Cia. Vale do Rio Doce foi privatizada, ou a Embraer, ou a
Usiminas, ou a Companhia Siderúrgica Nacional, ou o Sistema Telebrás é porque a
propriedade de cada uma dessas empresas passou das mãos do Estado para as mãos
de um particular. Daí por diante, se qualquer uma delas cometer erros, praticar
abusos, escravizar mão de obra ou o diabo, seus proprietários podem ser
criminalizados, mas o Estado não pode retomar a empresa, não tem essa
prerrogativa. Isto só pode acontecer em ato excepcional, necessariamente
traumático, não rotineiro, que ocorre nas revoluções ou em governos de
acentuada marca de esquerda, quando há interesse nacional envolvido. Mas,
repetimos, é comportamento excepcional, não de rotina.
O ponto
138 alerta para a importância de se observarem as condições que o Estado propõe
em suas concessões, para que os interesses nacionais e populares sejam
resguardados. Aí cabe toda a atenção por parte dos movimentos sociais e dos
representantes do povo, porque, se o contrato não for bem feito, os interesses
nacionais e populares podem ficar prejudicados.
Mas, pode
ocorrer a conveniência de o Estado alterar até o tipo de contrato existente,
substituindo o contrato de concessão pelo contrato de partilha da produção, que
foi o que ocorreu no caso do pré-sal brasileiro. Como era região altamente
prolífera, resolveu-se encaminhar ao Congresso legislação específica fazendo
essa alteração.
O móvel da
mudança foi o interesse nacional. O contrato de partilha, que será aplicado
pela primeira vez no campo de Libra, resultará: 1) no estabelecimento de
royalties de 15% (e não 10% como nas concessões de hoje); 2) em um mínimo de
41,56% do excedente em óleo (que é a parte do óleo extraído após pagar o
custeio)que ficara com a União; 3) em pagamento de imposto de renda e outros
impostos; 4) no pagamento inicial de um bônus de assinatura de R$15 bilhões; 5)na
criação de um empresa 100% estatal para representar a União em toda a execução
do contrato.
Como
resultado da soma dos royalties com a parcela que caberá à União do
excedente em óleo e dos impostos que receberá, a União receberá, da produção de
Libra, no total, de 75% a 80%, índice dos maiores do mundo.
Anteriormente
à descoberta de Libra, havia sido descoberto Franco, cujo tamanho regula com o
de Libra. O Governo deliberou ceder Franco à Petrobras para, sem licitação, e
sem pagar bônus de assinatura, capitalizá-la.
Na
discussão desse tema, tem-se ouvido a ideia de que melhor seria voltar ao
monopólio estatal do petróleo.
O
monopólio foi algo essencial na história do petróleo no Brasil. Sem ele a
Petrobras não tinha condições de se manter. Temos que saudar sempre a grande
campanha de 1953, chamada de “O petróleo é nosso”, capitaneada pelo Centro de
Estudos e Defesa do Petróleo, presidida pelo general Felicíssimo Cardoso, o
“general do petróleo”, “general e comunista”, como ele próprio se definiu.
A
Petrobras ficou 44 anos como a executora exclusiva do monopólio da União nos
negócios do petróleo, exceto da distribuição e revenda. Neste tempo, pagava
royalties de 5% (a partir da ANP passou a ser 10%, na partilha será 15%); não
pagava Participação Especial, imposto de renda, outros impostos. Ganhou
musculatura.
Quando, no
governo de FHC, foi proposto o fim do monopólio, todos nós da esquerda ficamos
contra, sabedores de que, logo depois da quebra do monopólio, viria a
privatização da Petrobras. E falo aqui de privatização efetiva, da venda da
Petrobras, da mudança de seu proprietário, que deixaria de ser a União
brasileira e passaria a ser algum grande grupo estrangeiro. Já contei, até em
livro (“Petróleo no Brasil”) como este plano sinistro foi barrado no Congresso
Nacional, com base na movimentação da esquerda e de outros nacionalistas, que
contou com uma greve, movimentos sociais e com a resistência de parlamentares,
onde se destacaram os do PC do B, do PDT, do PSB, do PT e de setores do PMDB.
O marco
petrolífero que surgiu no Brasil, após a vitória que impediu a privatização da
Petrobras, e que está aí, é o de um mercado aberto com forte presença de
empresa estatal e com a regulação de uma Agência, a ANP, a única a surgir no
Brasil, naquele período, para regular um setor onde não houve privatização.
No momento
em que a Petrobras e a Agência Nacional do Petróleo passaram a ser dirigidas
por pessoas comprometidas com a perspectiva desenvolvimentista para o Brasil, a
partir do primeiro governo de Lula, a Petrobras cresceu como nunca em sua
história.
Paralelamente,
o quadro mundial no setor petrolífero se alterou bastante. As onze maiores
petroleiras detentoras de reservas do mundo passaram a ser estatais, entre as
quais a Petrobras. E nenhuma delas se apoiava mais em monopólio de petróleo.
Este, o monopólio, simplesmente acabou no mundo do petróleo, só sobrevivendo em
um país dos que tem petróleo, que é o México, onde, recentemente, toda uma
planificação está sendo feita para acabar com o monopólio, visto como um dos
fatores que tem levado a Pemex a perder posições.
O
monopólio da União sobre a pesquisa e a lavra do petróleo, a refinação e o
transporte do óleo e derivados está de pé, é constitucional (Art. 177 da
Constituição). A Petrobras deixou de ser a executora exclusiva desse monopólio.
Simplificadamente diz-se que a Petrobras não tem mais o monopólio. Voltar a ter
esse monopólio, hoje, independente das boas intenções de quem a defenda, é
ideia anacrônica, retrógrada.
Por último
vale fazer uma referência à questão dos “contratos de gestão” na China. Quando
o PCCh realizou seu 13° Congresso, em 1987, o assunto foi investigado e
formulações foram feitas e publicadas. Em uma delas (“13º Congresso Nacional do
Partido Comunista da China”, Beijing, 1987) afirma-se o princípio da “separação
entre o direito de propriedade e o direito de gestão”, declarando-se que “as
empresas de propriedade de todo o povo não podem ser operadas por todo o povo e
em geral não convém que o sejam diretamente pelo Estado; toda tentativa de
impor semelhante prática no passado asfixiou o vigor e a vitalidade das
empresas”.
A documentação mostra que há duas regulações na
China: a do Estado, feita através da “assinatura de contratos”, e a do mercado,
feita pelas empresas. A visão sintética é que “o Estado regula o mercado e este
orienta as empresas”.
Em 1988, a Assembleia Nacional
Popular da China aprovou a “Lei das Empresas Industriais Estatais” que, entre
outras coisas diz: “As propriedades das empresas são de todo o povo, e o Estado
outorga os direitos de administração às empresas de acordo com o princípio da
separação do direito de propriedade do direito de gestão”. Regulamentos dessa
Lei, aprovados em julho de 1998, definem 14 prerrogativas que têm as empresas
gestoras, que, assim funcionam, e funcionam bem, dentro de parâmetros bem
definidos.
[*] Haroldo Lima é Membro do Comitê Central do PCdoB.
Foi diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e
Biocombustíveis (ANP), por dois mandatos, de 2003 a 2011.
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