domingo, 6 de outubro de 2013

Um rendimento base para todos


Publicado em 01/10/2013 por [*] Rui Martins

Berna (Suiça) - Pelo menos dois livros já foram publicados na França sobre essa utópica mas revolucionária ideia – a de se garantir a todo cidadão, ao chegar na maioridade, um rendimento (como se fosse um salário), suficiente para viver durante toda vida.

Este ano, essa ideia com mais de cinco séculos, pois o inglês Thomas Morus defendia esse projeto no livro Utopia, se transformou num projeto realista e, será provavelmente submetido à votação popular na Suíça.

Para provocar uma votação popular nacional, na democracia direta suíça, são necessárias 100 mil assinaturas, já foram reunidas 70 mil e ainda existem alguns meses pela frente para angariar novas assinaturas.

A ideia surgiu na Suíça de língua alemã, de um coletivo de visionários formado por artistas, intelectuais e mesmo alguns políticos. E logo teve o apoio de suíços de língua francesa, reunidos na associação Bien-Suisse, fundada em 2001, cuja sigla significa Basic Income Earth Network. O projeto propõe a criação de um rendimento básico de 2.500,00 francos suíços, cerca de 6.000,00 reais, pagos mensalmente mesmo se a pessoa está desempregada.

Sem margem de erro, pode-se imaginar que esse projeto será rejeitado pela grande maioria do povo suíço, porém um importante passo será dado em direção ao futuro, quando as sociedades humanas mais avançadas e mais solidárias não aceitarão a existência de pobres sem condições de vida digna. E é mesmo provável que logo surja um partido político colocando o rendimento básico universal como o principal objetivo do seu programa.

Angela Merkel
Pode parecer absurda e fora de contexto tal iniciativa justamente quanto, na União Europeia, se aplica uma política econômica totalmente inversa. Para fazer face à dívida pública e a uma situação de quase insolvência, alguns países, a Grécia, Portugal e Espanha, estão sendo submetidos a uma austeridade, ditada principalmente pela chanceler alemã Angela Merkel, que consiste em se diminuir salários e aposentadorias.

Ora, é evidente que com salários e pensões reduzidos os gregos, espanhóis e portugueses consomem muito menos. Como na teoria do dominó, a retração do consumo repercute nas indústrias fabricantes de bens, que não conseguem escoar como antes seus produtos e o movimento diário dos supermercados é a constatação dessa nova situação, provocadora de sintomas de recessão. A impressão é a de que o remédio é muito forte e vai matar os doentes.

Ao contrário, se as pessoas têm dinheiro para consumir, isso agiliza o consumo e disso decorre o escoamento rápido dos bens produzidos pelas fábricas, provocando o crescimento econômico do país.

Antes mesmo de alguns visionários suíços e economistas franceses terem lançado a praticabilidade de um rendimento básico para todos, o Brasil tinha sido, sem o alarde esperado, o pioneiro.

Na verdade, o Bolsa Família, Cesta Básica e o Bolsa Escola, e outros tipos de ajuda do governo brasileiro aos menos favorecidos já constituem a aplicação prática da Utopia de Thomas Morus. Para que não haja descontentes na avaliação dessa medida revolucionária, lembramos que foi FHC quem lançou e Lula quem ampliou essa concessão de um rendimento básico, ainda mínimo, para a parcela mais carente da população.

Thomas Morus
E os resultados foram extremamente positivos – com um mínimo disponível para viver, a população beneficiada com essa medida começou a consumir, acionou supermercados e fábricas e o Brasil deslanchou, enquanto a União Europeia fazendo o inverso entrou numa fase de estagnação e de desemprego, da qual não sabe ainda como vai sair, pois já não há, como no passado, as guerras continentais que dizimavam a população e destruíam cidades, impedindo o desemprego e a recessão.

A solução pacífica para o desemprego e contra a recessão não seria o rendimento básico para todos os cidadãos? Ao contrário do aumento da idade da aposentadoria, como querem os neoliberais, isso criaria igualmente condições para se diminuir as horas de trabalho, como se falava nos anos 60, quando as pessoas sonhavam com a nova sociedade do lazer, torpedeada pela ganância neoliberal.

Haveria condições para o Estado garantir tal iniciativa? Imagina-se que sim, pois todos os rendimentos estariam sujeitos aos impostos normais e o funcionamento do consumo e a boa saúde das indústrias garantiriam a contribuição dos outros impostos necessários ao funcionamento do Estado.

Chegamos a um fim de linha – a coletivização não deu certo e o neoliberalismo com sua gula de lucros utiliza a automatização para dispensar empregados em lugar contribuir para a sociedade do lazer. A insistência no atual modelo econômico levará a choque e revoltas.

Tudo indica ter chegado a hora de se buscar novos comportamentos econômicos e novas soluções sociais, criadores de solidariedade social evitando desigualdades e o mergulho na miséria de uma parcela da população. Um rendimento básico para todos será também a garantia de educação, escolas e formação profissional para a juventude.

O mundo futuro não poderá continuar tendo esses bolsões de miséria e pobreza. A concessão de um rendimento básico para todos não impedirá que muitos tenham salários superiores, dependendo da criatividade de cada um. E nem criará aproveitadores e vagabundos.

É hora de se começar a curtir e imaginar a concretização dessa utopia.
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[*] Rui Martins – é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura, é líder emigrante, membro eleito do Conselho Provisório e do atual Conselho de emigrantes (CRBE) junto ao Itamaraty. Criou os movimentos Brasileirinhos Apátridas e Estado dos Emigrantes, vive em Berna, na Suíça. Escreveu o livro Dinheiro Sujo da Corrupção sobre as contas suíças secretas de Maluf. Colabora com o Expresso, de Lisboa, Correio do Brasil e agência BrPress.

Enviado por Direto da Redação

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