20/10/2013,
[*] Darío Pignotti, Pagina/12,
Buenos Aires
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Campos do pré-sal nas bacias de Santos e Rio de Janeiro |
As edições
eletrônicas do Wall Street Journal e do Financial
Times dedicarão amanhã uma
cobertura agitada, recolhendo repercussões minuto a minuto do leilão a
realizar-se no Brasil, do campo de petróleo Libra, de 1.500 km2, com
cerca de 12 milhões de barris em águas profundas a 183 km da costa do Rio de
Janeiro, e que, em alguns anos, pode estar produzindo 1,4 milhões de
barris/dia, volume equivalente a 70% do que o país produz hoje.
Petrobrás e três
petroleiras chinesas (não se descarta a formação de um consórcio
sino-brasileiro, à última hora) aparecem entre as onze empresas que
participarão da disputa pelo campo de Libra, da qual não participarão as
“grandes irmãs” norte-americanas, por causa do estresse diplomático surgido
entre Brasília e Washington, depois que se revelaram os atos de espionagem
perpetrados pela Agência de Segurança Nacional dos EUA contra a Petrobrás e a
presidenta Dilma Rousseff, dentre outros alvos sensíveis.
Por baixo e por trás
das notícias em tempo real que já sufocam e mais ainda sufocarão amanhã, de
índices da Bolsa e corretores e ‘'especialistas'’ com opiniões de curtíssimo
prazo, há uma história de que pouco se falará, transcorrida nos últimos anos, e
que permite compreender realmente o que está em jogo: uma reacomodação de forças
na geopolítica do petróleo.
Celso Amorim |
Celso Amorim era
chanceler, em julho de 2008, quando recebeu um telefonema de sua contraparte
norte-americana Condoleezza Rice, que lhe sugeria que recebesse sem alarme a
notícia de que seria reativada a 4ª Frota, sob jurisdição do Comando Sul dos
EUA, anunciada alguns meses depois de que foram descobertas, em 2007,
grandiosas reservas de petróleo no litoral de Campos e de Santos, nos estados
do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Nem o chanceler
Amorim, nem seu chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levaram a
sério a retórica de tranquilização da serventuária de George W. Bush. Aliás,
foi exatamente o contrário: houve alarme no Palácio do Planalto. Lula, Amorim e
a então ministra Dilma Rousseff, que começava a aparecer como candidata à
presidência, compreenderam imediatamente que a presença da Marinha dos EUA nas
costas cariocas seria uma ostentação de poderio militar sobre os 50 bilhões de
cru de boa qualidade ali guardados, a mais de 5.000 metros de
profundidade, numa zona geológica conhecida como “pré-sal”.
Mas, à parte os
questionamentos em foros internacionais, especialmente latino- americanos,
pouco o Palácio do Planalto pôde fazer naquele momento, contra a ostentação de
supremacia militar dos EUA e sua decisão de que a 4ª Frota – braço armado das
petroleiras de bandeira norte-americana Exxon e Chevron no hemisfério – viraria
a proa na direção sul.
Camadas do sub-solo marinho |
Lula e sua
conselheira em assuntos de energia, Dilma Rousseff, viram-se num dilema: ou
adotar uma saída à mexicana, como a do atual presidente Enrique Peña Nieto, que
se mostrou disposto a privatizar a Pemex, embora o termo empregado tenha sido
“modernização”; ou injetar dinheiro e mística nacionalista para fortalecer a
Petrobrás como vetor de uma estratégia destinada a salvaguardar a soberania
energética. Por fim, o governo do Partido dos Trabalhadores (PT) optou pela
segunda via, e implantou-a, mediante uma bateria de medidas de amplo espectro.
Capitalizou a
Petrobrás, com o objetivo de reverter o efeito de esvaziamento da empresa
herdado do governo do PSDB, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
(1995-2002); e conseguiu aprovar, ao final de 2010, uma lei “estatizante e
intervencionista” para o petróleo – na opinião de políticos neoliberais e do lobby britânico-EUA, sempre ampliada
e repercutida infinitas vezes pelos jornalistas das principais empresas de
jornalismo no Brasil.
Ressuscitou o
projeto de construir um submarino atômico com a França, país com o qual o
Brasil assinou em 2009 um acordo militar (que avançou menos que o prometido);
exigiu nos organismos internacionais a expansão da plataforma marinha, para
assegurar que ninguém aparecesse para disputar a titularidade dos campos de
petróleo submarino, e promoveu o Conselho de Defesa da UNASUL, com apoio de
Argentina e Venezuela e indefinição dos colombianos.
Como braço auxiliar
dessa linha de ação governamental, o PT operou uma perseverante aproximação com
o Partido Comunista Chinês, antessala para estabelecer laços de confiança
política com a nomenclatura do Estado asiático, com cujo Banco de
Desenvolvimento o Brasil assinaria afinal, em 2010, uma série de pré-acordos
para concessão e empréstimos de dezenas de milhões de dólares à Petrobrás.
Paralelamente aos
movimentos brasileiros para salvaguardar seu interesse nacional e para alcançar
um lugar para o Brasil entre as potências do petróleo, a Agência de Segurança
Nacional dos EUA dedicava-se a roubar informações estratégicas do Ministério de
Minas e Energia, e os diplomatas norte-americanos que operavam em Brasília [e
em outras capitais] enviavam telegramas secretos a Washington, nos quais o
chanceler Amorim era pintado como “diplomata antiamericano”.
Dilma Rousseff |
Há três meses,
quando Dilma Rousseff foi informada sobre as manobras da Agência de Segurança
Nacional dos EUA, uma fonte do Planalto disse a Página/12 que a presidenta evitaria “radicalizar” a
situação, porque confiava numa conciliação com os EUA, em visita oficial
marcada para dia 23 de outubro. Mas, em setembro, Dilma se tornou irredutível,
ao saber que os espiões norte-americanos haviam violado até as comunicações da
Petrobrás.
A decisão de
suspender a visita de estado a Washington, mesmo depois de Barack Obama ter
renovado pessoalmente o convite, não deve ser interpretada como gesto
impensado, que não foi; e suas consequências afetaram decisões cruciais.
O fato de que não
haja inscrita nenhuma petroleira dos EUA, para participar do leilão de amanhã
do megacampo de Libra, e de que três poderosas empresas chinesas, duas das
quais são empresas estatais, estejam na disputa, é sinal claro de que a colisão
diplomática teve, sim, repercussão prática.
Que fontes próximas
do governo tenham deixado transparecer que há a possibilidade de que se
constitua um consórcio entre a Petrobrás e alguma empresa chinesa, revela que a
geopolítica de Brasília para o petróleo inclina-se para Pequim – que já é seu
principal sócio comercial. E se isso tudo já não bastasse para demarcar o
distanciamento estratégico entre o Planalto e a Casa Branca, semana passada o
indigesto (para Washington) ministro Celso Amorim, agora no posto de Ministro
da Defesa, iniciou conversações com a Rússia, para analisar a compra de
caças-bombardeiros Sukoi.
Foi só uma sondagem,
mas se essa compra for formalizada, será considerável revés para a corporação
industrial-militar dos EUA, que imaginava vender seus caças Super Hornet ao
Brasil, durante a visita que Dilma já não fará.
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[*] Darío Pignotti é correspondente do jornal argentino
Página 12, da agência de notícias ANSA e
colaborador do informativo dos veículos Le Monde Diplomatique (França) e Milênio do México.
Doutorado em Comunicações pela Universidade de São Paulo-Brasil.
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