20/10/2013, [*]
Lawrence
Davidson, Information Clearing House
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Cidade Medieval e suas várias guildas de trabalhadores |
No século 18, o ocidente mudou do
mercantilismo para o capitalismo. O mercantilismo era o sistema econômico que
dava aos governos amplos poderes regulatórios sobre o comércio, sobretudo para
garantir um equilíbrio comercial favorável. Também permitia que se organizassem
poderosas guildas de trabalhadores, e
protegia as indústrias domésticas. Mas a Revolução Industrial pôs fim ao
mercantilismo e trouxe ao poder uma categoria de comerciantes que desejavam
poder operar livremente, sem qualquer supervisão pelos governos.
Com o tempo a visão de mundo
capitalista acabou por converter o “livre mercado” em fetiche, e passou a ver o
governo como, no máximo, um mal necessário. Qualquer regulação era vista como
equivalente à escravidão, e o papel do estado ficava reduzido a manter a ordem
interna (polícia), defender o reino (militares) e fazer cumprir contratos (as
cortes). Qualquer tipo de intromissão do governo nas questões sociais era
reprovável, porque, como se dizia, promoveria a preguiça entre os pobres – ou foi
esse o mito conveniente que então se implantou. A real razão pela qual era
preciso manter num mínimo absoluto a ação do governo sempre foi que a então
ascendente classe comercial temia – de fato, odiava e maldizia – os impostos.
Na Europa, as racionalizações
pró-capital permaneceram basicamente seculares, buscando maximizar a
eficiência, em nome do lucro. Mas nos EUA, onde praticamente nenhum bem ou
nenhuma felicidade acontecem que não sejam da responsabilidade de um Deus que
tudo vê, as racionalizações seculares passaram rapidamente a ser complementadas
com a noção do desejo divino. Deus desejava liberdade econômica sem regulações
e que prevalecesse o estado mínimo.
Charge by Bennett |
Esse tipo de visão religiosa ainda
existe. Hoje, a luta para que voltemos ao governo mínimo e ao máximo de
“liberdade” econômica é conduzida por uma coleção de cristãos fundamentalistas
de direita, e pelos doidos do movimento Tea
Party.
No Brasil, há também a
DETESTÁVEL bispa Marina Silva, a doida da “ecologia” à moda Al Gore, Banco Itaú
& empresa Natura.
Chris Hedges delineia o que lhe
parece o pior cenário imaginável, ao qual chegaremos comandados pela ânsia de
poder da direita cristã, em seu recente artigo “The
Radical Christian Right and the War on the Government” [A direita
cristã radical e a guerra contra o governo]. Diz que “a face pública” dessa
força política “aparece na Câmara de Deputados” e que seu principal objetivo
ideológico é “trancar o governo”. Hedges também aponta o senador Ted Cruz do
Texas como o político fundamentalista arquetípico, que comanda o ataque contra
o “grande governo”. Para Hedges, seria só o primeiro passo com vistas ao real
objetivo de homens como Cruz, que querem fazer dos EUA uma nação cristã
fundamentalista.
Parte II – A luta
Na luta que se seguiu, o inimigo dos
conservadores radicais é o Partido Democrata (ou “o governo grande”) em geral,
e o presidente Obama em
particular. Como indicação de o quando distorsiva e
isolacionista a ideologia pode ser, pesquisas feitas com grupos focais [orig. focus groups] de Republicanos
conservadores revelaram um medo profundamente fixado neles: uma teoria
conspiracional.
Segundo os pesquisadores autores do
estudo, “O que move a base Republicana (...) é uma crença sincera, genuína, de
que Obama tem uma agenda secreta na qual trabalha e que visa e empurrar os EUA
na direção do socialismo”. Eles também creem que Obama é o cabeça da
conspiração. Parece ser um político que “veio não se sabe de onde” e, assim, é
“movido por forças ocultas”. O grupo focal também revelou que a mesma crença
existe em “dois de cada três que se identificaram como Republicanos”.
Nas eleições de 2010, uma violenta
propaganda combinada para todos os distritos eleitorais ajudou a eleger
Republicanos, e uma forte virada conservadora deu ao Partido Republicano o
controle da Câmara de Deputados. Também levou para lá, eleitos, uma forte
pluralidade de conservadores de direita. Unidos, esses políticos radicais e
muitos de seus eleitores detonaram o tipo de concessão que há, ou deveria
haver, no coração da democracia. Para os radicais, os seus princípios
(radicais) são mais importantes que qualquer tipo de concessão
democrática.
Sen. Ted Cruz (R-Texas) fala aos repórteres após derrota do "trancamento" |
Essa atitude levou à recente
confrontação política, com o trancamento do governo federal nos EUA e o
quase-calote da dívida pública.
Poucos dias antes do calote,
Republicanos moderados começaram a abandonar os conservadores radicais e
manifestaram disposição de abrir mão de exigências como o fim do subsídio
federal para o atendimento à saúde (popularmente conhecido como “Obamacare”); a
eliminação do déficit do governo; e uma redução radical em todos os programas
oficiais e no poder regulatório do Estado. Mas só quando o líder da maioria
Republicana John Boehner afinal permitiu que se convocasse o plenário para
votação aberta na Câmara de Deputados, é que aqueles moderados puderam somar-se
aos seus colegas no Senado e produzir uma resolução que, afinal, restaurou o
fluxo de dinheiro dentro do governo e salvou os EUA de terem de dar calote em
suas dívidas públicas. Mas, ao fazê-lo, os moderados racharam ao meio o Partido
Republicano.
Parte III – Uma vitória negada
O que os Republicanos moderados
fizeram foi negar a vitória aos conservadores radicais. Porque, sim, os
conservadores viam como vitória o fechamento do governo federal e o calote
público. Ideologicamente, o objetivo desses radicais é reduzir ao mínimo o
papel do governo na sociedade. Contavam com que a capacidade para “trancar”
todo o funcionamento do governo federal dos EUA os poria em posição para
negociar a minimização daquele governo.
Em segundo lugar, a campanha para
reduzir impostos federais ao mínimo, pela construção de orçamentos esqueléticos,
seria ajudada pela capacidade dos radicais conservadores para empurrar o
Departamento do Tesouro até o fundo do despenhadeiro do calote. Todos os
Republicanos conservadores teriam de sustentar essa dupla pressão tática, até
que os Democratas cedessem. Exatamente o que os Democratas não podiam fazer,
mas só não fizeram, em boa parte, graças à deserção dos Republicanos moderados.
Essa batalha ainda não acabou. A
Resolução apoiada pelos Republicanos moderados abre o governo federal dos EUA
até dezembro de 2013 e libera pagamentos dos juros da dívida até fevereiro de
2014. Então, o EUA enfrentaremos um segundo round de confrontação mortal.
Mas no longo prazo, as coisas não
parecem bem paradas para o Partido Republicano. Muitos radicais conservadores
já veem seus compatriotas moderados como piores do que qualquer Democrata liberal.
Veem-nos como traidores “do princípio” – como políticos que se renderam,
apavorados, à agenda “socialista” de Obama. Nessas circunstâncias, grande parte
das energias do Partido serão consumidas em lutas internas autodestrutivas. O
Partido Republicano corre agora o risco de ver sua base encolher, com moderados
derrotados nas primárias correndo para o Partido Democrata, ou firmando posição
como independentes. Eleitores democráticos poderão não se sentir motivados,
ante o recente espetáculo do “trancamento”, a reeleger maioria Republicana para
a Câmara de Deputados. Se isso acontecer, o Partido Republicano terá muito
trabalho para manter-se vivo como entidade coesa.
Part IV – Conclusão
As ideologias são forma debilitante
de visão rasa. A ideologia substitui a realidade por uma versão idealizada, que
em geral pouco tem a ver com o mundo real e, portanto, é difícil pô-la em ação.
O aspecto econômico da ideologia dos
radicais conservadores padece de anacronismo fatal. Antes, no século 19, levou
a ciclos devastadores de crescimento e de desfalecimento, e deixou grande parte
da população sem os serviços básicos. A Grande Depressão aí está, para não ser
esquecida.
Quanto ao tamanho do governo e o
alcance de suas atividades, é preciso ter em mente que há quase 317 milhões de
pessoas nos EUA. Fazer retornar a estrutura do governo ao período pré-Grande
Depressão (pior ainda: ao que foi no século 18) minaria completamente a
estabilidade social, retirando todas as proteções sociais que mantêm ao largo a
miséria mais total, e daria rédea solta a todos os preconceitos que a atual
legislação federal desestimula. Ignorem tudo isso, e logo estarão enfrentando
revolução de verdade. Os radicais conservadores são obsessivamente cegos a
esses problemas, porque esses problemas põem abaixo os seus tais “princípios”.
Todas essas ideologias de visão
curta, sejam de direita ou de esquerda, já se comprovaram pouco realistas, e
falharam por isso. Infelizmente, geraram problemas terríveis, antes de morrer.
Até aqui só vimos uma pálida sombra do potencial de desgraça do desafio
ideológico que os EUA temos pela frente. Cabe desejar que consigamos evitar a
grande tempestade.
_____________________
[*] Lawrence Davidson é
professor de História na West Chester University na Pennsylvania. É
autor de Foreign Policy Inc.:
Privatizing America’s National Interest;America’s Palestine: Popular and Offical Perceptions from
Balfour to Israeli Statehood; e Islamic
Fundamentalism.
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