segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Bancarrota em casa e pelo mundo: A Síria mostra que Washington é ator geopolítico exaurido

19/10/2013 [*] Finian CUNNINGHAM, Strategic Culture
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

"Rebelde" lança granada (RPG) contra o Exército sírio  em Aleppo (9/10/2013)
A política dos EUA para a Síria poderia ser descrita como “uma comédia de erros”, se o custo, em sofrimento humano, não fosse tão brutal. Depois de criar um pandemônio de terrorismo e desrespeito à lei na Síria, com operações clandestinas de insurgência ao longo dos últimos dois anos e meio, o governo dos EUA parece agora um Dr. Frankenstein que perdeu o controle sobre a besta, ou, melhor dizendo, as bestas...

As criaturas, nascidas do laboratório norte-americanos de golpes para mudança de regime, têm várias formas, de selvagens esquadrões da morte em solo, a grupos de exilados políticos mantidos em hotéis 5 estrelas no Golfo Pérsico.

Mas nenhuma das criaturas parece obedecer ao suposto patrão-criador. A situação está evidentemente fora de controle, e os EUA mostram-se ao mundo como idiotas, loucos, impotentes.

Primeiro, Washington repetiu o pedido, essa semana, para que suas criaturas ativas na oposição síria, a Coalizão Nacional Síria (CNS), participe das conversações políticas de Genebra-2. Mas a CNS fez que nem ouviu.

Então, uma declaração conjunta do bando de mercenários de vários países reunido na Síria, essa semana, tratou de repudiar, furiosamente, publicamente, o CNS e todos os demais grupos políticos.


Tendo visto o fracasso dos grupos políticos que dizem representar a oposição e os grupos revolucionários (...), nós, comandantes dos grupos militares nas províncias do sul, declaramos que não reconhecemos nenhum dos grupos políticos que dizem nos representar e lhes retiramos o nosso apoio.

Foi a segunda bofetada aplicada na chamada Coalizão Nacional que o ocidente tanto promoveu e apoiou. Mês passado, 13 organizações insurgentes nas províncias do norte da Síria também distribuíram declaração em que rejeitam a coalizão e a declaram ilegítima, como representante política.

Significativamente, dentre esses 13 grupos que repudiaram a CNS estava a Frente Al-Nusra, afiliada da Al-Qaeda, e o Exército Sírio Livre. Os governos ocidentais dizm que apoiavam o Exército Sírio Livre do general Salim Idriss, porque ele seria líder “moderado”, sem associação com as redes de extremistas takfiri, como a Frente Al-Nusra.

Estranhamente, para os propagandistas pró-ocidente, o Exército Sírio Livre parece já não estar lendo os manuais e memorandos “certos”, e já se aliou publicamente aos “extremistas”. Em outras palavras, não há diferença alguma entre “moderados” e “extremistas”; ou entre “rebeldes do bem” e “rebeldes do mal”.

Mapa atualizado/legendado da Guerra na Síria até set/2013
(clique na imagem para visualizar)
Essa distinção sem qualquer fundamento na realidade já está sendo vista por todos, claramente, como ficção de propaganda, que governos ocidentais fabularam para criar, para eles mesmos, alguma cobertura política e moral para conseguirem inventar uma guerra criminosa de agressão à Síria – ocultados por trás da mentira de que estariam apoiando rebeldes “bons”, pró-democracia e pró-liberdade.

Vergonhosamente, a empresa-imprensa ocidental, chamada “indústria do jornalismo”, ajudou muito a armar essa fachada escandalosa, em vez de investigar rigorosamente os fatos e expor as mentiras.

A verdade é que governos ocidentais lançaram uma onda de terrorismo contra a Síria, desde março 2011, servindo-se como disfarce da “Primavera Árabe”, com vistas ao objetivo geopolítico de promover mais uma “mudança de regime”. Essa onda de agressão para desestabilizar o governo do presidente Bashar al-Assad sempre incluiu centenas de grupos de mercenários de variadas tendências extremistas, a maioria dos quais saídos de cerca de 30 países, dentre os quais Líbia, Tunísia, Egito, Arábia Saudita, Afeganistão e Rússia, além de estados ocidentais como Austrália, Grã-Bretanha, França e Canadá.

A ilusória divisão que o ocidente divulgou, entre “moderados” e “extremistas”, foi pelos ares nos massacres acontecidos na província de Latakia, no oeste da Síria, em agosto. Até a ONG Human Rights Watch, em geral muito atenta aos interesses da agenda política do ocidente, noticiou centenas de atrocidades contra civis em ataques a várias vilas na província de Latakia. Dentre essas atrocidades, o sequestro de mais de 200 mulheres e crianças, cujo destino ainda não se conhece até hoje. Há notícias, de fontes dignas de crédito, de que todos foram assassinados para “produzir” os cadáveres apresentados como vítimas do “ataque químico” de East Ghouta, dia 21/8. Durante o ataque em Latakia, o comandante do Exército Sírio Livre, general Idriss, foi filmado em campo, discursando sobre o sucesso da campanha que comandava.

"Rebeldes" da OTAN circulam por bairro semi destruído em Homs em 15/9/2013
O que se vê, pois, são os planos tantas vezes requentados, em que os EUA e seus aliados regionais, inundam a Síria com terroristas, ao mesmo tempo em que obram para construir um governo-à-espera, constituído de exilados carreiristas e políticos oportunistas. Esses fantoches políticos deveriam ter-se mudado para Damasco, para assumir o governo, no instante em que a população abandonasse a defesa do governo de Assad, apavorada sob a ameaça dos terroristas e dos esquadrões da morte. Mas nada aconteceu conforme o ocidente planejara.

A “mudança de regime” planejada para a Síria foi plano absolutamente insustentável, porque não levou em consideração a legitimidade do governo do presidente Assad; o profissionalismo do exército sírio; a robusta aliança regional entre Síria, Rússia e Irã; e a competência da diplomacia russa, sobretudo no Conselho de Segurança da ONU, onde os russos fizeram gorar, uma a uma, as manobras dos EUA. Além do mais, o eixo dos EUA não levou em consideração a forte oposição da opinião pública ocidental, farta de guerras, e contra as sujas maquinações imperialistas dos EUA no Oriente Médio.

Condenada a esse seu jogo incompetente, Washington vê-se agora às voltas com uma total confusão, cercada de incoerências, das quais não consegue safar-se. Seus mercenários em campo estão sendo derrotados e voltam-se uns contra os outros, em furiosas disputas internas. A Frente Al-Nusra, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante/Síria [orig. Islamic State of Iraq and Shams, ISIS] e o Exército Sírio Livre são hoje maior ameaça uns aos outros, do que ameaçam o Exército Nacional Sírio.

Mas, seja lá o que for que organize ou venha a forjar-se entre esses grupos, todos os seus movimentos e pensamentos são de furiosa rejeição à oposição política inventada no ocidente e apoiada pelo ocidente.

John Kerry
Como já se sabe, a oposição política arquitetada pelo ocidente já se declarou completamente contra qualquer diálogo em Genebra, apesar das insistentes súplicas do secretário de estado dos EUA, John Kerry. Esses peões políticos reagem provavelmente, afinal, e com fúria, ante a percepção de que foram usados de fato, sim, como peões.

As conversações de Genebra que visavam a constituir um novo governo de consenso na Síria, estavam marcadas para junho de 2012, mas, desde então, foram várias vezes adiadas, porque EUA e seus aliados no golpe da “mudança de regime”, Grã-Breanha e França, precisavam de tempo para convencer seus clientes sírios exilados a não participar. E, agora, os EUA precisam de que seus peões participem das conversações – porque Washington já tem de trabalhar com o fato de que foi derrotada no campo militar.

Quando a Rússia jogou uma boia de salvação política aos EUA, mês passado, sob a forma de acordo com a Síria para o desarmamento químico dos sírios, para ajudar Washington a extrair-se do desastroso caminho da guerra, parte do acordo implicava apressar a realização das conversações de Genebra, marcadas para o mês seguinte, na capital da Suíça.

Há apenas um ano, Washington e seus aliados só investiam no golpe da “mudança de regime” na Síria. Para isso, fomentaram uma guerra suja, contratando legiões de grupos terroristas mercenários. Nenhuma diferença fazia que muitos daqueles “contratados” fossem de organização franqueada da Al-Qaeda e estivessem na lista oficial dos EUA de organizações terroristas.

Toda essa agenda militar clandestina resultou em rematado fracasso. O ponto de virada aconteceu há cerca de quatro meses, com a derrota dos grupos mercenários na região de Qusayr. Com a agenda militar clandestina fazendo água, o falso ataque químico encenado em East Ghouta foi a última esperança de Washington para conseguir atacar diretamente a Síria, em guerra aberta, tentando ainda forçar sua obsessiva “mudança de regime”.

Washington e seus aliados, contudo, não previram a oposição firme de suas próprias populações a mais essa ação de aventureirismo militar. O eixo de Washington tampouco avaliou corretamente a resistência internacional a mais esse surto de militarismo. O alerta do presidente russo Vladimir Putin, contra qualquer ataque que os EUA tentassem, ressoou fundo em muita gente comum em todo o mundo, inclusive na opinião pública nos EUA e Europa.

Tendo-se deixado prender nas cordas, Washington recebeu uma ajuda luxuosa, quando o ministro de Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, conseguiu arrancar de Kerry o acordo das armas químicas sírias, em Genebra, dia 14/9.

Aquele movimento dos russos repôs o processo político no centro do palco.

Esta semana, Lavrov disse que os EUA devem “usar todo o poder que tenham” para levar a oposição síria, com suas múltiplas facções, a fazer bom uso das conversações de Genebra-2.

Sergey Lavrov

O principal obstáculo nessa via política ainda é a incapacidade de nossos parceiros [os EUA] para conseguir que a oposição síria, sobre a qual os EUA sempre velaram, decida ir a Genebra e sentar para negociar com o governo.

Lavrov é um estadista e não usaria linguagem grosseira. Mas a essência do que disse pode ser facilmente traduzida: Washington criou tal monstruosidade na Síria, que agora já não tem poder para controlar seus próprios monstros.

Num mundo que já sabe que o governo dos EUA está quebrado, em total bancarrota financeira, já se vê também, claramente, que os EUA já são também força geopolítica falida. Em bancarrota em casa e pelo mundo, a Síria mostra que Washington é ator geopolítico exaurido.




[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente. É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.

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