18-20/10/2013,
[*] Jeffrey St. Clair, Counterpunch
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Só para argumentar, assumamos que o seguinte seja verdade: Barack Obama não é um
pateta, um nada, um terno vazio ou um fantoche. Que não é incompetente,
indeciso ou doido. Que, de fato, é inteligente, objetivo e racional. Assumamos
também, além disso, que Obama é sincero em suas ações, se não sempre na
retórica, e que suas ações, da perseguição aos “vazadores” ao assassinato de
cidadãos norte-americanos, são premeditadas, planejadas, intencionais e empreendidas
sem ambivalência.
O que
significa tudo isso? Claramente significa que Obama é tão culpado quanto é
capaz e competente. Aquela certeza gelada sempre foi seu traço mais nítido, o
que o distingue e separa dos demais. E não há ninguém que o acuse de seus
crimes contra a Constituição, altos e baixos, sequer os visigodos da Câmara de
Representantes.
Apesar de
ser diariamente e histericamente detonado pelas páginas de editorial do Wall
Street Journal, Obama é o escolhido das elites, o homem que as elites
desejam no timão, nesse momento de agonia do capitalismo global. A competência
de Obama é o que o torna tão perigoso.
Obama é o
gerente executivo do que a banda britânica Mekons
chamou de “Império do sem-sentido”. Com isso, não falo de um império
incoerente, mas de um governo que não faz sentido, que nada sente, que é imune
às condições e desejos dos governados. Os EUA degeneraram num estado-fraude,
numa república dos vigiados e monitorados, no qual as operações “oficiais” são
opacas e ameaçadoras. Um medo-pânico parece envolver toda a nação.
Lênin |
Então,
diante dessa realidade, enfrentamos uma vez mais a pungente pergunta de Lênin:
o que fazer? Não é mais exercício metafísico, mas pergunta existencial e
prática, que tem de ser respondida com extrema urgência. Como os
norte-americanos responderemos a um estado ossificado que serve a interesses
abstratos, tanto quanto se mantém assustadoramente indiferente ao sofrimento
humano? Mais que isso, para quem nos voltarmos quando as instituições que uma
vez operaram como as forças da mudança social, estão, praticamente todas, em
colapso?
A política
de redução de danos continua como ideia fixa de quase toda a Esquerda, apesar
da carnificina que se vê por todos os lados, pelos políticos que a própria
Esquerda norte-americana ajudou a eleger nos últimos 20 anos: dos Clintons a John
Kerry e Obama. O próprio Partido Democrata virou paródia de empresa política,
um navio-fantasma financiado pelo big
business para enganar os tolos, os
iludidos e os parasitas. Para todos os objetivos práticos, o partido foi
substituído, como entidade funcional, por grupos de pseudo interesses, como o
movimento MoveOn e seu veículo oficial, a rede MSNBC, que oferece diariamente
temas “de discussão” cujo único objetivo e desviar a atenção e injetar
racionalidade em cada um dos crimes de Obama.
Joseph Lieberman |
Em grande
medida, a responsabilidade pela facilidade fatal com que Obama tem conseguido
implementar suas políticas draconianas, da espionagem doméstica aos ataques de drones, tem de ser atribuída à
resposta tímida da esquerda política, negadora serial do que sempre souberam
que seria, que foi e que é a verdadeira agenda de Obama, uma agenda de
austeridade neoliberal, em casa; e de agressão imperial contra o resto do mundo
– uma agenda que já estava em incubação, desde o momento em que, jovem senador,
Obama escolheu Joseph Lieberman para ser seu mentor ideológico no Senado dos
EUA.
Como seria
de prever, quanto mais amolecem com Obama, mais Obama tende a ignorar a
esquerda, se não a detestá-la psicologicamente. Para praticamente todos nós, a
economia continua a desmoronar. Recente análise feita por Emmanuel Saez e
Thomas Piketty, da Paris School of
Economics da Universidade de Berkeley, mostrou que 95% dos ganhos da
economia desde o início da recessão, já foram capturados pelo 1%. Não aconteceu
por acaso. O plano econômico de Obama operou para gerar precisamente esse
resultado. Mas ninguém, na Esquerda, quer falar sobre isso.
Bancada Negra do Partido Democrata |
Vejam, por
exemplo, o que aconteceu num raro encontro de Obama com a Bancada Negra no
Congresso. [1] Com a pobreza e o desemprego entre os negros atingindo picos
jamais vistos nos EUA, Obama descartou rapidamente as perguntas sobre o pesado
ônus que suas políticas infligiram às populações norte-americanas urbanas, e só
fez insistir na exigência de que aqueles deputados e senadores votassem a favor
de seu projeto para fazer chover uma tempestade de mísseis sobre a Síria. E os
representantes da Bancada Negra, lá ficaram, calados, humilhados pela conversa
de Obama, enquanto os negros norte-americanos mal sobrevivem, em estado de
sítio econômico.
Jeffrey Zients |
Esse ato
de arrogância foi imediatamente seguido pelo anúncio, por Obama, de que acabava
de nomear Jeffrey Zients para presidir o Conselho Econômico Nacional. Quem é
Zients? – perguntarão vocês. Ora! Foi presidente da Bain Capital, empresa de Mitt Romney, que vive de planejar fusões,
demissões em massa, ataques a aposentadorias e pensões e des-sindicalização de
fábricas. E tão bem fez o serviço, que seu grupo vale hoje mais de $100
milhões. Pode-se interpretar essa nomeação como sadismo, ato de esfregar sal
nas feridas dos progressistas.
Mas a
Esquerda norte-americana está tão moribunda, tão profundamente mergulhada num
coma político, que o insulto não gerou qualquer protesto, nem uma
manifestaçãozinha vestigial, que fosse, em nome dos velhos tempos.
A esquerda
liberal norte-americana parece que, afinal, se conformou com a própria
vacuidade.
E quanto
ao resto de nós? Fazemos o quê? É onde e quando temos de voltar às heróicas
revelações de Edward Snowden, que desnudaram a ambição do governo Obama de
construir vigilância total, invadindo e gravando e ouvindo e lendo até as mais
íntimas crenças e intenções de todos os cidadãos.
Tão logo
se dilua a paranóia inicial, temos de ser capazes de ver, aí, um momento
perverso, mas de libertação. Que alívio! Já não teremos de ocultar nossa
insatisfação, nossos esforços para dar sentido ao sem-sentido. Estamos livres
para nos tornar soberanos de nossas próprias ações, sem medo de sermos descobertos.
Eles já sabem de tudo.
Mas...
não! Praticamente todos, esquerda e direita, aí ficam, obcecadamente agarrados
às mínimas liberdades que nos restaram. Todos a serem ‘do contra’, todos a
denunciar, denunciar, denunciar, resistindo, em certa medida, como se todos
estivéssemos à espera de que surja alguma força de oposição real. Ou até que a
Equipe 6 dos SEALs entre pela porta dos fundos.
Nota
dos tradutores
[1] Sobre isso ver. Black Caucus.
[*] Jeffrrey St. Clair é autor de Been Brown So Long It Looked Like Green to Me: the Politics of Nature, Grand Theft Pentagon e Born Under a Bad Sky. Seu livro mais recente é Hopeless: Barack Obama and the Politics of Illusion. E-mail: sitka@comcast.net.
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