domingo, 20 de outubro de 2013

Uma competência letal: o império do sem-sentido

18-20/10/2013, [*] Jeffrey St. Clair, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu



Só para argumentar, assumamos que o seguinte seja verdade: Barack Obama não é um pateta, um nada, um terno vazio ou um fantoche. Que não é incompetente, indeciso ou doido. Que, de fato, é inteligente, objetivo e racional. Assumamos também, além disso, que Obama é sincero em suas ações, se não sempre na retórica, e que suas ações, da perseguição aos “vazadores” ao assassinato de cidadãos norte-americanos, são premeditadas, planejadas, intencionais e empreendidas sem ambivalência.

O que significa tudo isso? Claramente significa que Obama é tão culpado quanto é capaz e competente. Aquela certeza gelada sempre foi seu traço mais nítido, o que o distingue e separa dos demais. E não há ninguém que o acuse de seus crimes contra a Constituição, altos e baixos, sequer os visigodos da Câmara de Representantes.

Apesar de ser diariamente e histericamente detonado pelas páginas de editorial do Wall Street Journal, Obama é o escolhido das elites, o homem que as elites desejam no timão, nesse momento de agonia do capitalismo global. A competência de Obama é o que o torna tão perigoso.

Obama é o gerente executivo do que a banda britânica Mekons chamou de “Império do sem-sentido”. Com isso, não falo de um império incoerente, mas de um governo que não faz sentido, que nada sente, que é imune às condições e desejos dos governados. Os EUA degeneraram num estado-fraude, numa república dos vigiados e monitorados, no qual as operações “oficiais” são opacas e ameaçadoras. Um medo-pânico parece envolver toda a nação.

Lênin
Então, diante dessa realidade, enfrentamos uma vez mais a pungente pergunta de Lênin: o que fazer? Não é mais exercício metafísico, mas pergunta existencial e prática, que tem de ser respondida com extrema urgência. Como os norte-americanos responderemos a um estado ossificado que serve a interesses abstratos, tanto quanto se mantém assustadoramente indiferente ao sofrimento humano? Mais que isso, para quem nos voltarmos quando as instituições que uma vez operaram como as forças da mudança social, estão, praticamente todas, em colapso?

A política de redução de danos continua como ideia fixa de quase toda a Esquerda, apesar da carnificina que se vê por todos os lados, pelos políticos que a própria Esquerda norte-americana ajudou a eleger nos últimos 20 anos: dos Clintons a John Kerry e Obama. O próprio Partido Democrata virou paródia de empresa política, um navio-fantasma financiado pelo big business para enganar os tolos, os iludidos e os parasitas. Para todos os objetivos práticos, o partido foi substituído, como entidade funcional, por grupos de pseudo interesses, como o movimento MoveOn e seu veículo oficial, a rede MSNBC, que oferece diariamente temas “de discussão” cujo único objetivo e desviar a atenção e injetar racionalidade em cada um dos crimes de Obama.

Joseph Lieberman 
Em grande medida, a responsabilidade pela facilidade fatal com que Obama tem conseguido implementar suas políticas draconianas, da espionagem doméstica aos ataques de drones, tem de ser atribuída à resposta tímida da esquerda política, negadora serial do que sempre souberam que seria, que foi e que é a verdadeira agenda de Obama, uma agenda de austeridade neoliberal, em casa; e de agressão imperial contra o resto do mundo – uma agenda que já estava em incubação, desde o momento em que, jovem senador, Obama escolheu Joseph Lieberman para ser seu mentor ideológico no Senado dos EUA.

Como seria de prever, quanto mais amolecem com Obama, mais Obama tende a ignorar a esquerda, se não a detestá-la psicologicamente. Para praticamente todos nós, a economia continua a desmoronar. Recente análise feita por Emmanuel Saez e Thomas Piketty, da Paris School of Economics da Universidade de Berkeley, mostrou que 95% dos ganhos da economia desde o início da recessão, já foram capturados pelo 1%. Não aconteceu por acaso. O plano econômico de Obama operou para gerar precisamente esse resultado. Mas ninguém, na Esquerda, quer falar sobre isso.

Bancada Negra do Partido Democrata 
Vejam, por exemplo, o que aconteceu num raro encontro de Obama com a Bancada Negra no Congresso. [1] Com a pobreza e o desemprego entre os negros atingindo picos jamais vistos nos EUA, Obama descartou rapidamente as perguntas sobre o pesado ônus que suas políticas infligiram às populações norte-americanas urbanas, e só fez insistir na exigência de que aqueles deputados e senadores votassem a favor de seu projeto para fazer chover uma tempestade de mísseis sobre a Síria. E os representantes da Bancada Negra, lá ficaram, calados, humilhados pela conversa de Obama, enquanto os negros norte-americanos mal sobrevivem, em estado de sítio econômico.

Jeffrey Zients
Esse ato de arrogância foi imediatamente seguido pelo anúncio, por Obama, de que acabava de nomear Jeffrey Zients para presidir o Conselho Econômico Nacional. Quem é Zients? – perguntarão vocês. Ora! Foi presidente da Bain Capital, empresa de Mitt Romney, que vive de planejar fusões, demissões em massa, ataques a aposentadorias e pensões e des-sindicalização de fábricas. E tão bem fez o serviço, que seu grupo vale hoje mais de $100 milhões. Pode-se interpretar essa nomeação como sadismo, ato de esfregar sal nas feridas dos progressistas.

Mas a Esquerda norte-americana está tão moribunda, tão profundamente mergulhada num coma político, que o insulto não gerou qualquer protesto, nem uma manifestaçãozinha vestigial, que fosse, em nome dos velhos tempos.

A esquerda liberal norte-americana parece que, afinal, se conformou com a própria vacuidade.

E quanto ao resto de nós? Fazemos o quê? É onde e quando temos de voltar às heróicas revelações de Edward Snowden, que desnudaram a ambição do governo Obama de construir vigilância total, invadindo e gravando e ouvindo e lendo até as mais íntimas crenças e intenções de todos os cidadãos.

Tão logo se dilua a paranóia inicial, temos de ser capazes de ver, aí, um momento perverso, mas de libertação. Que alívio! Já não teremos de ocultar nossa insatisfação, nossos esforços para dar sentido ao sem-sentido. Estamos livres para nos tornar soberanos de nossas próprias ações, sem medo de sermos descobertos. Eles já sabem de tudo.

Mas... não! Praticamente todos, esquerda e direita, aí ficam, obcecadamente agarrados às mínimas liberdades que nos restaram. Todos a serem ‘do contra’, todos a denunciar, denunciar, denunciar, resistindo, em certa medida, como se todos estivéssemos à espera de que surja alguma força de oposição real. Ou até que a Equipe 6 dos SEALs entre pela porta dos fundos.



Nota dos tradutores

[1] Sobre isso ver. Black Caucus

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