24/10/2013,
[*] Pepe Escobar, Russia Today
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Paquistaneses protestam com slogans anti-EUA, em manifestação em Karachi, dia 23/10/2013, contra os ataques de drones dos EUA, na região tribal do Paquistão (Foto: Asif Hassan, AFP) |
Obama
sequer mencionou os “drones” [1], quando conversou com a imprensa, depois de
reunir-se com o primeiro-ministro do Paquistão Nawaz Sharif. A culpa então será
toda de Islamabad? Na verdade, não.
O
primeiro-ministro do Paquistão Nawaz Sharif chegou para o encontro com o
presidente Barack Obama na Casa Branca, com uma forte, destacada prioridade:
por favor, senhor presidente, ponha fim na sua guerra de drones no meu país.
Portas
fechadas para a reunião desta 4ª-feira (23/10/2013), Sharif bem pode ter dito e repetido que
a lógica dos mísseis Hellfire não faz sentido algum, nem no quadro alucinado da
Guerra Global ao Terror [orig. Global War on Terror (GWOT)] – a qual, na
mania do governo Obama de inventar novas siglas para coisas velhas, foi
rebatizada como Operações de Contingência no Exterior [orig. Overseas Contingency Operations (OCO)].
Bem pode ter dito que a dronagem, viabilizada agora nas operações OCO, é, de fato o maior obstáculo à
paz no Paquistão.
A Casa
Branca divulgou sua versão
oficial da conversa entre Sharif e Obama. Nada que dê qualquer esperança ou eleve a
alma. Conforme o previsto, a dronagem prosseguirá. Obama não pronunciou a
palavra “drones”, quando falou aos jornalistas; só platitudes sobre
“respeitar a soberania do Paquistão” e instruções para Sharif, o qual “deve
verificar esses incidentes no interior do Paquistão e pôr fim à exportação de
terrorismo.” Mas a reunião não foi completo fracasso para Islamabad.
Nawaz Sharif (E) e Barack Obama (D) em 23/10/2013 |
Pouco
antes do encontro Obama-Sharif, a Anistia Internacional divulgou relatório
devastador, no qual questiona não só o idioma “legalês”, que é marca registrada
do governo Obama para defender os ataques de drones contra as áreas tribais do Paquistão, mas,
também, diz o óbvio: os responsáveis – desde os operadores dos joysticks no deserto de Nevada, até
os moradores da Casa Branca, todos eles – podem vir a ser julgados por
crime de guerra.
E esse nem
é o relatório mais devastador já publicado. Basta compará-lo com o resultado,
publicado em setembro de 2012, de uma investigação conjunta feita por
especialistas da faculdade de Direito de Stanford e da New York University School of Law, “Living
Under Drones” [A vida abaixo dos drones],
que concluiu que só 2% das pessoas incineradas por mísseis Hellfire eram “terroristas”. Muitos eram vítimas do temido “tiro
duplo” – o segundo ataque, que vem imediatamente depois do primeiro e
invariavelmente mata legiões de civis passantes e presentes na cena do primeiro
ataque, e socorristas.
Miram
Shah, nas áreas tribais do Paquistão, a apenas 16 quilômetros da
fronteira afegã, pode ser definida como a capital drone do planeta. Em Miram Shah, os mísseis Hellfire já incineraram, dentre outras
construções, uma padaria, uma escola para meninas e um mercado de moedas
estrangeiras. O exército do Paquistão já desabilitou a rede local de celulares,
e os Talibã fecharam os internet-cafés: jovens demais, assistindo a
pornografia. O governo Obama insiste em que o festim de Hellfires seria “cirúrgico” e “contido” – e que matou “dúzias” da
al-Qaeda e dos Talibã. Para Sharif, Obama, no máximo, admitiu que “houve
erros”.
Em princípio,
Sharif conserva posição forte na Assembleia Nacional do Paquistão,
representando, principalmente o poderoso Punjab, muito populoso (de onde,
aliás, saem a maioria dos soldados do exército paquistanês). Convocou uma
“conferência de todos os partidos” para tentar resolver o dilema do terrorismo
no Paquistão. Implica, necessariamente, conversar com os Talibã.
O líder
dos Talibã (ou Tehrik-i-Taliban
Pakistan, que é o nome completo da organização ali), Hakimullah Mehsud, disse
bem claramente o que pensa e de que ponto parte.
Essencialmente,
os Talibã vêem Islamabad como um bando de infiéis e capachos dos EUA, todos a
serem combatidos. Por isso estão em guerra. É como se Mehsud tivesse lido o
relatório, segundo o qual Islamabad
apoiou “secretamente” a ofensiva dos drones da CIA.
O que os
Talibã querem é a lei da Xaria, exatamente o que a maioria absoluta da
população paquistanesa rejeita.
Para
complicar ainda mais, ninguém sabe se os Talibã (que negaram), ou alguma facção
extremista, está por trás de uma recente onda de ataques com suicidas-bomba e
explosões de carros, que incluiu um ataque horrendo ao bazaar de Qissa Khwani – “Mercado do Contador de
Histórias” – em Peshawar, a rainha das cidades dos pashtuns.
Permanece
o fato de que o que está agora acontecendo é só um prelúdio da disputa pela
primeira posição na largada da corrida que se iniciará depois da dita retirada
dos EUA do Afeganistão, no final de 2014.
Depois da
reunião com Sharif, a ênfase criptográfica de Obama, que se disse “confiante”
de que haverá alguma solução “boa para o Afeganistão, mas que também ajude a
proteger o Paquistão no longo prazo”, só fez confundir ainda mais uma questão
já intratável.
A lógica
simplista em Washington é que a “estabilidade” no Paquistão depois de 2014
“protegerá” o Afeganistão de tornar-se, outra vez, um paraíso jihadista.
Hamid Karzai |
Ao mesmo
tempo, Washington e Islamabad sonham com alguma espécie de partilha de poder
entre quem venha a suceder Hamid Karzai em Kabul, e os Talibã afegãos. E assim,
como num passe de mágica, sumiria a jihad transfronteira Afeganistão-Paquistão.
O que esse
róseo cenário esquece é que a questão chave não é a jihad. A questão chave é o que
querem os pashtuns armados dos dois lados daquela fronteira artificial que os
britânicos inventaram.
O Talibã
Afegão quer voltar ao poder (e tem boa chance). O Talibã Paquistanês quer a lei
da Xaria (o que não obterá) e não tem sequer alguma mínima chance de chegar ao
poder. E quanto aos EUA “gerenciarem” o que aconteça simultaneamente no
Afeganistão e no Paquistão... é a maior piada do século 21.
Vejam quem
fala
Sirvamos,
pois, uma chávena de chá verde, como fazem em Peshawar, e vejamos quem diz o
quê a quem. O governo Obama, acompanhando os mais ardentes desejos do
Pentágono, reza para conseguir assinar um acordo de segurança com Karzai – o
qual implicará manter “forças” dos EUA em solo. Não surpreende que o líder supremo dos
Talibã, Mullah Omar, já tenha dito que, isso, é não-não.
O plano B
é alguma espécie de subacordo a ser alcançado como parte da lua-de-mel em curso
entre Washington e Teerã, pressupondo que perdure. Implicaria uma forte
presença do Irã num Afeganistão-pós-OTAN. E, outra vez, espaço político zero
para os Talibã.
Islamabad,
de sua parte, quer conversar com os Talibã no Paquistão – mas eles não estão
para conversas. Ao mesmo tempo, Islamabad vive aterrorizada pela possibilidade
de que a Índia venha a ter ainda mais influência num Afeganistão-pós-OTAN.
Nessa linha,
Islamabad não ficaria totalmente infeliz se os Talibã – seus ex-clientes nos
anos 1990s – monopolizassem completamente o poder no Afeganistão-pós-OTAN. O
problema chave continua a ser o Talibã Paquistanês. Se a conversa no
Afeganistão é confusa, no Paquistão é inexistente. A única opção de vitória
para Islamabad seria convencer Obama a pôr fim à guerra dos drones; e conseguir que o Exército
Paquistanês, sozinho, acabe com os Talibã paquistaneses; ou dar a eles tudo que
eles querem nos Waziristões. Não parece possível nem viável.
E é aí,
afinal, que se pode ver a real agenda de Washington. Aconteça o que acontecer,
Islamabad sempre poderá ser diagnosticada como incapaz de ajudar a
“estabilizar” o Afeganistão nem, sequer, o próprio Paquistão. Assim sendo, o que
fará a mais benigna das superpotências? Será obrigada, altruisticamente, a
continuar “envolvida” no Af-Pak – claro, para sempre.
Em resumo:
o presidente Sharif vai a Washington falar sobre o fim dos drones, menos ajuda e mais comércio
– porque há uma porta aberta, principalmente para os têxteis do Paquistão (mas
dará em nada). E Obama só quer falar de terrorismo e de uma vaga “estabilidade”
depois da retirada dos soldados dos EUA, do Afeganistão, em 2014.
Comparem
isso e a visita de verão de Sharif a Pequim. A economia paquistanesa está em
situação de desastre absoluto. Precisa desesperadamente resolver os
racionamentos de energia elétrica e de combustível, antes de poder começar a
sonhar com qualquer progresso econômico. Sharif então vai a Pequim e obtém que
os chineses envolvam-se em todos os campos da economia do Paquistão, de energia
a infraestrutura. E até brada que:
(...)
o corredor econômico que parte de Kashgar
[em Xinjiang] até Gwadar [no Oceano
Índico] muda o jogo (...). É hora de nossos dois países avançarem em
maior velocidade.
No que
tenha a ver com a visita de Sharif aos EUA, a coisa andou em velocidade de
estacionamento lotado.
Os
norte-americanos já começaram a dar
tiros nos drones. Ainda
que os Talibã paquistaneses aproveitem a ideia e passem a usar suas
Kalashnikovs para a mesma finalidade, nem assim os problemas de Sharif estarão
mais perto da solução.
Notas dos tradutores
[1] Drone (ing.) é o substantivo que,
predominantemente, designa a abelha-zangão, com uma conotação de “zumbido
monótono”. Vítimas sobreviventes de ataques por drones e/ou quem vive em áreas constantemente
sobrevoadas por drones (por exemplo, no Paquistão e nos
territórios palestinos ocupados por Israel) frequentemente se queixam do som
que os drones emitem, em sobrevoo, que é tormento
ininterrupto, e que mantém as crianças em estado de pânico dia e noite. Como
verbo (ing.), to drone tem significado bem próximo de “vadiar”,
andar à toa.
A palavra drone também é usada, em inglês, para designar os
robôs aéreos armados, comandados à distância, por controle remoto, que os EUA
(mas não só) usam atualmente em invasão por ar em territórios palestinos, no
Paquistão e, provavelmente, em outros lugares. O drone é a arma de eleição para os assassinatos
premeditados [“targeted killing”] de
indivíduos cujos nomes apareçam na “lista de matar” que, às 3as-feiras, o
presidente Obama examina na Casa Branca, com assessores, para definir seus
alvos.
Nessa acepção, usa-se a palavra drone para designar “veículos aéreos armados
comandados por pilotos que operam um joystick,
de controle remoto, de uma base da CIA no deserto de Nevada”.
Os drones são hoje produzidos, predominantemente,
pelas empresas Lockheed Martin, Boeing, Raytheon
e Northrup Grumman.
[Informações da Wikipedia e
outras fontes].
[2] Orig. hang five. É uma posição, sobre a prancha de surf,
em que o surfista agarra-se à cabeça da prancha com cinco dedos. Aqui,
oferecemos uma tentativa de tradução. Correções e comentários são bem-vindos.
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[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e
Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também
analista político do blog Tom Dispatch
e correspondente das redes Russia
Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera.
Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de
Tradutores da Vila Vudu e João Aroldo, no blog redecastorphoto.
Livros:
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.
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