Alfredo Pereira
dos Santos
Alfredo Pereira dos Santos |
A Cleo vê televisão, coisa que eu faço raramente. Mas “pego uma casquinha” no que ela vê e anoto algumas coisas. Há pouco anotei algo que disse o jornalista e escritor Alberto Dines. O México já tinha imprensa no século XVI e o Brasil só veio a tê-la no século XIX. O Brasil foi o décimo segundo pais das Américas a ter imprensa. E disse mais o Dines: que os jornalistas publicavam o que os donos dos jornais queriam, que não havia essa liberdade que se apregoava, que a imprensa é isso e aquilo. Alguém que participava do programa perguntou se essa situação tinha mudado, ao que o Dines respondeu: MUITO POUCO.
Essas coisas para mim não
constituem novidade, pois há décadas venho anotando coisas que confirmam essas
misérias da imprensa. Jornais e redes de TV são empresas e, como tais, buscam o
lucro e defendem os seus interesses. Se uma empresa que anuncia num jornal
degrada o meio ambiente o jornal não vai fazer campanha contra. Empresas querem
sobreviver e não vão se suicidar. Isso a gente entende. Mas justamente por
entender isso é que eu TENHO QUE LER O JORNAL NAS ENTRELINHAS. Mas isso exige um
certo background cultural e político, caso contrário e leitor sairá por ai
repetindo, como papagaio, alguns disparates que os jornais
publicam.
Agora mesmo, nesse momento
histórico em que vivemos, alguns órgãos da nossa imprensa estão querendo fazer o
papel de acusadores, juízes e decretadores de condenações de algumas figuras da
nossa vida política. Mas quem disse que é esse o papel da imprensa? Quem lhes
outorgou tal prerrogativa?
O discurso da moralidade e da
indignação causa impacto nos espíritos menos esclarecidos (que constituem a
grande maioria dos que lêem jornais e vêem programas de televisão) mas em geral
não vai ao âmago das questões.
A ditadura militar de 1964 cassou
mandatos de governadores e afastou secretários-de-estado e queria que eles
fossem julgados por tribunais militares, ignorando que os acusados tinham
direito a foro especial, ASSEGURADO PELA CONSTITUIÇÃO, em virtude da natureza
elevada dos seus cargos. Naturalmente que, tanto os depostos quanto os
afastados, entraram, através dos seus advogados, com pedidos de habeas corpus no
Supremo Tribunal Federal (STF), obtendo acolhida a seus
pedidos.
Aquela decisão do STF criou um
sério impasse na harmonia e independência dos três poderes da República. Fato
insólito, porque a ditadura fez questão de manter o modelo clássico de
Montesquieu da trilogia do funcionamento harmônico e independente dos três
poderes, que, não obstante, não quis respeitar, chegando ao ponto de interferir
na estrutura e funcionamento do STF. Não vou entrar em detalhes para que este
texto não fique muito longo. Quem quiser se instruir a respeito pode consultar o
livro “O Supremo Tribunal Federal e a Ordem Político-Institucional”, de Osvaldo
Trigueiro do Vale, do qual extrai o seguinte
trecho:
“A ótica de um Ministro do Supremo
deverá ser, todavia, não apenas jurídica, o que seria uma atrofia, mas também
político-social, e nunca dentro dos INTERESSES RESTRITOS (o destaque é meu,
Alfredo) de casuísticas partidárias, nem nos esporádicos casos individuais,
jamais no colegiado como instituição”.
Ocorre que em época de arbítrio
até o guarda da esquina quer ditar regras. Eu penso que o povo brasileiro, por
alguma razão que os sociólogos haverão de explicar, internalizou a mentalidade
dos antigos senhores de escravos, que não estavam sujeitos à lei. Eu me recordo
que no final da década de 60 me associei ao Clube de Xadrez Guanabara, cujo
presidente era o general Benedito Hamilton Pianchão de Carvalho, com quem tive
excelente relacionamento.
Ambos morávamos no bairro do Leblon e sempre que
saíamos juntos do clube ele me dava carona. Ocorre que um médico amigo nosso,
também associado do clube, matou a tiros um cunhado, o que levou o general,
indignado, a imediatamente excluí-lo do quadro social do clube. A decisão gerou
protestos de alguns sócios, entre os quais havia advogados, procuradores e até
um desembargador, embora o mais veemente protesto tivesse vindo de um químico.
Este alegava que a atitude do general tinha sido arbitrária, uma vez que o
assassino não tinha sido julgado nem condenado. No final da história o médico
foi absolvido.
O episódio mostra esse aspecto do
caráter brasileiro, que “quer fazer justiça com as próprias mãos”, esquecendo-se
de que existe um sistema judiciário a quem compete tratar de questões que lhe
foram legalmente atribuídas.
Devo dizer que por respeito e
consideração ao general, abstive-me de tomar partido na questão, até por ele ser
um homem idoso, já no fim da vida (veio a morrer pouco tempo depois) e eu um
jovem de 25 anos de idade, embora, intimamente, reprovasse a sua atitude de
excluir o médico. Tantos reprovaram, explicitamente, a sua atitude, não vi razão
para eu ser mais um.
Eu noto que há, entre nós, alguns
candidatos a “linchadores de praças públicas” que já estão antecipando decisões
dos tribunais, dizendo que A ou B serão absolvidos, como se tudo fosse um jogo
de cartas marcadas. Esses “inconformados” me fazem lembrar os generais dos
tempos da ditadura.
A estes eu diria: MODUS IN
REBUS.
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