sexta-feira, 20 de julho de 2012

Pepe Escobar: “Homens-bomba do mundo, uni-vos”


19/7/2012, Pepe Escobar, Asia Times OnlineThe Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Pepe Escobar
É, literalmente, bomba. Que tipo de ator espertíssimo consegue a preciosa autorização da segurança necessária para invadir, interromper e detonar uma reunião no prédio da Segurança Nacional em Damasco – matando o Ministro da Defesa Dawoud Rajha e o Vice-Ministro Assef Shawkat, cunhado de Bashar al-Assad?

Ninguém sabe com certeza o que de fato aconteceu. A Reuters disse que foi um homem-bomba, que trabalharia como guarda-costas do círculo mais íntimo de Assad. A Agência France-Presse noticiou que foi ato de um homem-bomba, que se autoexplodiu. O jornal Al-Akhbar de Beirute noticiou que a bomba foi plantada no prédio. O mesmo disse a rede Al-Manar de televisão libanesa – que noticiou até o peso da bomba: 40kg.

Quer dizer... Quem foi? A CIA? O MI6? A inteligência saudita? A inteligência turca? Ou o diabo velho, tão conhecido, tão prestativo, a al-Qaeda?

Hillary Clinton
A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton, há cinco meses, em surto de desmentir sem desmentir e de fato admitindo, disse que Washington estava trabalhando em aliança com a al-Qaeda na Síria, apoiando do Exército-diz-que-livre-mas-nada-Livre Sírio (Free Syrian Army, FSA). [1]

E lá estava Hilária “Viemos, vimos, ele morreu” Clinton outra vez, há apenas 10 dias, ameaçando que ainda haveria “uma chance de salvar o estado sírio de um assalto catastrófico”. [2] Houve idêntica ameaça-profecia, da mesma fonte, poucos dias antes de Muammar Gaddafi ser preso, torturado e executado. Como Clinton teria adivinhado que haveria “assalto catastrófico”?

O Exército Sírio Livre – da toca turca onde se esconde – apressou-se a reivindicar a autoria do atentado: um dispositivo explosivo improvisado (DEI) [ing. improvised explosive device (IED)] teria sido plantado na sala. Nada de homens-bomba. Mas o Exército Sírio Livre só faz mentir, sem parar, há meses. Seja como for, o porta-voz do ESL Qassim Saadedine insiste que a explosão teria sido “o vulcão” que, dias antes, eles haviam prometido detonar.

Muito mais interessante, paralelamente, é o grupo Liwa al-Islam (“A Brigada do Islã”) informar, pela página Facebook, que “acertou a célula chamada sala de controle de crise na capital Damasco”. Seria a conexão à moda al-Qaeda. Nesse caso, de onde estão obtendo as informações de inteligência? Dos seus bons camaradinhas, a CIA?

É hora de enrolar esses canolis

A saga da família Assad é roteiro comprado a metro para “O Poderoso Chefão IV”, como lembrado na discussão coletiva de um blog de política internacional, antes da explosão. [3]

Hassan Turkmani, Bashar Assad
Bashar al-Assad ao centro, com Hassan Turkmani, à direita, em 2005. Turkmani morreu na explosão de bomba em 18/7/2012, juntamente com Assef  Shawkat, cunhado de Assad e Rajha Dawoud, Ministro da Defesa. Foto: Sana / AP

O cunhado de Assad, general Assef Shawkat, era brucutu da segurança – considerado o homem que realmente manda em Damasco. Nasceu numa família de beduínos pobres, que se instalou em Tartus – onde a Rússia mantém sua base naval. Shawkat foi comandante de uma brigada especial durante o massacre de Hama de 1982 – cujas vítimas foram, quase todas, membros da Fraternidade Muçulmana Síria.

Em seguida, O Poderoso Chefão Hafez al-Assad deu-lhe a missão de guarda-costas, para proteger a filha Bouchra. Apaixonaram-se. O irmão de Bouchra, Bassel al-Assad, opôs violentamente ao romance; mandou prender Shawkat, para ele um rústico, grosseirão e mal-educado, quatro vezes. Bassel morreu em 1994, num acidente de carro; teoricistas conspiracionais culparam Rifaat al-Assad, irmão de Hafez, que vivia na França e que desesperadamente sonhava com suceder Hafez.

Bouchra e Shawkat tiveram de fugir para Roma, e obrigar a família Assad a encarar o inevitável; O patriarca Hafez acabou por abençoá-los os dois, e afinal se casaram. Hafez então encarregou Shawkat de preparar Bashar para ser presidente. De 1998 em diante, os dois tornaram-se realmente muito próximos. Assim aconteceu de Shawkat tornar-se o homem mais poderoso da Síria. Inevitavelmente, logo irrompeu outra rixa de sangue – dessa vez envolvendo Maher, irmão caçula de Bashar e comandante da 4ª. Divisão, que chegou a atirar contra Shawkat (que foi hospitalizado em Paris).

Os telegramas de WikiLeaks mostraram o quanto Shawkat era íntimo do establishment francês de segurança. [4] Mostraram também que Shawkat era encarregado de tudo que tivesse qualquer relação com os contatos de segurança entre EUA e Síria. Shawkat, portanto, não era exatamente persona non grata em Washington: Shawkat era um dos “nossos filhos-da-puta”.

O ponto-chave é que desde que se tornou presidente, em 2000, Bashar sempre apoiou-se dependeu e confiou em Shawkat. Foi o Richelieu de Bashar – embora sem qualquer base popular, nem o apoio da elite alawita.

Aí pode estar a chave do que virá. Muitos, no círculo mais próximo de Assad, faziam furiosa oposição a Shawkat. Agora, sem ele, a coisa em Damasco pode rapidamente andar na direção de um golpe branco – com algum íntimo que tome a iniciativa de “decapitar” Assad para manter-se no poder. Um cenário mais ou menos assemelhado, em versão síria, do que se viu no Egito, nas relações Hosni Mubarak/SCAF (Egypt's Supreme Council of the Armed Forces/Conselho Supremo das Forças Armadas do Egito).

Nada como o som de um Dispositivo Explosivo Improvisado ao despertar

Ainda não se sabe o que Moscou dirá sobre tudo isso. Fecharam-se as apostas. É crucial examinar o que o presidente russo, Vladimir Putin, dirá ao Primeiro-Ministro turco Recep Tayyip “Assad tem de sair” Erdogan – do gênero “nem tente começar a ter ideias doidas”.

O que parece indubitável é que o círculo íntimo de Assad não cederá. Ao contrário: responderá a ferro e fogo – de armas leves e tanques. Já ameaçaram “responder a todas as formas de terrorismo e decepar qualquer mão que agrida a segurança nacional”.  [5]

O Exército Sírio Livre e gangues a ele associadas confiam todos na mesma tática: entrincheirar-se em bairros residenciais, também na capital Damasco, e esperar que o regime ataque. A tática do regime é monolítica: limpar qualquer terreno, mesma super urbano, onde quer que haja ação das gangues. O resultado é inevitável: vasto “dano colateral” e deslocamento interno massivo. Pode já estar acontecendo também em Damasco – assumindo-se que o ESL consiga manter ativas as células adormecidas, o que não pode.

E há ainda a love story recém descoberta, amor bandido, entre o ocidente e os homens-bombas.

Keith Urbahn, ex-chefe do Estado-Maior de Donald Rumsfeld no Pentágono, tuitou que “dessa vez, sim, se pode chamar um homem-bomba – o que matou boa parte do gabinete de Assad – de mártir”. [6]

Não interessa o que não combina (não foi homem-bomba, mas um DEI). Fato é que aí se ouve a coisa – diretamente de fonte neoconservadora “da pura” (repetido também por outras puras fontes conservadoras e nem-tão-conservadoras).

Se você emprega homens-bombas para assassinar altos funcionários de “estado bandido”... OK. Você pode. Você é automaticamente nomeado “um dos nossos filhos-da-puta”.

Mas nem tente fazer o mesmo contra a Zona Verde em Bagdá, ou contra o governo afegão em Kabul, ou contra qualquer nos nossos aliados “confiáveis” como a Casa de Saud ou o reizinho-de-Playstation na Jordânia.

Se fizer, você é automaticamente nomeado “terrorista do mal”.




Notas de rodapé
[1]27/2/2012, CBS em: Clinton: Arming Syrian rebels could help al Qaeda” 
[2]8/7/2012, Reuters em: Clinton: Syria must end violence to avoid “catastrophic assault
[3]16/6/2012, Gatestone Institute, em: The Call: A New Blog
[4]5/9/2005, WikiLeaks, no Telegrama confidencial 05PARIS6580,
[6]  18/7/2012, Twitter,

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