7/6/2012, Dan Glazebrook,
Pambazooka, n. 588, UK
Dan Glazebrook |
Dan
Glazebrook escreve para o jornal Morning Star e é um dos coordenadores na
Grã-Bretanha da União Internacional de Parlamentares pela Palestina.
Recebe e-mails em: danglazebrook2000@yahoo.co.uk
A
escala da tragédia que chegou à Líbia com as tropas da OTAN e aliados é cada dia
mais visível. O número estimado de mortos, até agora, de cerca de 50 mil, é
baixo. Só o Ministério da Defesa britânico tem anunciado, em tom triunfante, que
foram mortos 35 mil líbios, só em maio último. E o número nunca
parou de crescer.
A
destruição das forças do estado líbio, na blitzkrieg de que foi alvo pelos
exércitos britânico, francês e dos EUA deixou o país em situação de total
anarquia – no pior sentido da palavra. Sem nada a uni-los, além da disposição
volúvel para servir como bucha nos canhões da OTAN, os ex “rebeldes” lutam agora
uns contra os outros. 147 ex “rebeldes” foram mortos no sul da Líbia, numa única
semana, no início desse ano; em semanas mais recentes, vários prédios públicos –
entre os quais o bunker onde está instalado o gabinete do
primeiro-ministro – foram atacados por “rebeldes” que reivindicam o pagamento
prometido por seus serviços. Já receberam até agora 1,4 bilhão de dólares – o
que comprova que o colonialismo da OTAN, e não Gaddafi, depende de bandos
mercenários. Mas os pagamentos foram suspensos mês passado, porque começou a
faltar dinheiro para manter os acordos construídos pelo nepotismo. A corrupção
já é endêmica – cerca de outros 2,5 bilhões de dólares da renda do petróleo, que
deveriam estar contabilizados nas contas do Tesouro líbio, sumiram.
Os
recursos da Líbia são hoje saqueados por empresas transnacionais do petróleo e
por um punhado de famílias convertidas repentinamente em neo-elite nacional: o
padrão clássico do neocolonialismo que se instala.
O Grande Rio Feito pelo Homem (hoje semidestruído) |
A destinação dos recursos que
o país produz, para os megaprojetos nacionais de infraestrutura como o Grande
Rio Feito pelo Homem, e o padrão de vida sempre ascendente para a grande
população que marcaram os últimos 40 anos (nos últimos 40 anos, desde 1969,
quando Gaddafi assumiu o poder, a expectativa de vida na Líbia subira, de 51
para 77 anos) já são, desgraçadamente, fatos do passado.
Mas
ninguém se atreva a ter saudades dos bons tempos. O novo poder colonial decidiu
que nenhum candidato ou partido que apóie as políticas do governo de Gaddafi
concorrerá às eleições. Mas já houve mudanças ainda menos democráticas. Uma “Lei
37” ,
aprovada mês passado pelo governo instalado na Líbia pela OTAN, criou o crime de
“glorificação do antigo governo ou seu líder”, punível com pena de prisão
perpétua. Alguém precisará lembrar ao povo líbio que as coisas, no governo de
Gaddafi, eram muito melhores?
A
“Lei 37” é
suficientemente vaga para permitir inúmeras interpretações. Foi concebida como
fórmula para legalizar e institucionalizar a perseguição política.
O saque ao petróleo líbio |
Ainda
mais indicativa do desrespeito à lei, sob o novo governo da OTAN – o qual, vale
lembrar, ainda não tem qualquer tipo de poder democrático legítimo delegado pelo
povo, e cuja única base de poder ainda é o exército colonial implantado na Líbia
– é outra lei, a “Lei 38” . Por essa lei, têm imunidade
e garantia de que não serão nem acusados nem processados nem, e muito menos,
condenados, os que pratiquem ações (inclusive ações que o mundo civilizado
define há séculos como crimes) que visem a “promover e proteger a revolução”.
Os "rebeldes" da OTAN-EUA e a "Limpeza Étnica" |
Os
autores da operação de “limpeza” étnica em Tawergha – como a autoproclamada
“brigada de Misrata para executar peles-pretas” – podem continuar a caçar negros
naquela região, sabendo antecipadamente que “a nova lei” os protege. Outras
milícias, responsáveis pelos massacres em Sirte e em outras cidades, tampouco
têm algo a temer. Os envolvidos na tortura já disseminada de prisioneiros podem
continuar a torturar, sem temer repercussões – desde que façam, seja lá o que
for, para “proteger a revolução”, isto é, para manter a ocupação militar e a
ditadura da OTAN.
A
realidade da nova Líbia é guerra civil, saque de recursos nacionais e colapso
das estruturas sociais; é crime manifestar preferência pelos tempos que a Líbia
viveu em paz e próspera; mas linchar e torturar são ações além de legais e
permitidas, também encorajadas.
E
nem o desastre líbio é desastre só líbio. A ação de desestabilização da Líbia,
pela OTAN, já se estendeu ao Mali, gerou um golpe e levas imensas de refugiados,
sobretudo entre a vasta população de migrantes líbios negros que fugiram para
países vizinhos, tentando desesperadamente escapar dos ataques aéreos e do
linchamento pelas milícias racistas mantidas pela OTAN, o que aumentou a disputa
por recursos escassos em outros pontos da região. Muitos mercenários que
combateram na Líbia, dado por concluído ali o serviço para o qual foram pagos,
já foram despachados por seus empregadores imperialistas para a Síria, com a
tarefa de disseminar também lá a violência sectária.
Do
ponto de vista do continente africano como tal, ainda mais preocupante é a
marcha em ritmo apressado do AFRICOM – Comando do Exército dos EUA na África --
presente desde o início do ataque à Líbia. Não é acaso que, apenas um mês depois
da ocupação de Trípoli, ainda no mês em que Gaddafi foi assassinado, em outubro
de 2011, os EUA tenham anunciado o envio de soldados para nada menos que quatro
países africanos: República Centro-Africana, Uganda, Sudão do Sul e República
Democrática do Congo.
AFRICOM - ORGANOGRAMA ATUAL (clique na figura para aumentar} |
E
o AFRICOM já anunciou, ainda para 2012, outras 14 grandes operações militares,
de manobras e exercício, em associação com governos fantoches locais, movimento
sem precedentes na história do continente africano. A reconquista militar da
África pela OTAN-EUA avança a passos largos.
Nada
disso seria possível com Gaddafi no poder. Fundador da União Africana e seu
principal doador-mantenedor, além de presidente eleito, Gaddafi sempre teve
ampla e profunda influência em todo o continente africano. É mérito de Gaddafi
que os EUA tenham sido obrigados a instalar o quartel-general de seu Comando
Africano em Stuttgart, na Alemanha, em fevereiro de 2008, quando os EUA criaram
o AFRICOM. Gaddafi recompensou com dinheiro e investimentos, todos os governos
africanos que se negaram a acolher bases dos EUA em seu território.
Durante
o governo de Gaddafi, a Líbia manteve investimentos estimados em 150 bilhões de
dólares em vários pontos da África. Também é ideia de Gaddafi, que se dispôs a
contribuir com 30 bilhões de libras, a criação de um Banco de Desenvolvimento da
União Africana, que teria reduzido muito consideravelmente a dependência dos
países africanos em relação aos bancos ocidentais.
Em
resumo, a Líbia de Gaddafi foi sempre um enorme principal obstáculo, a impedir
que o AFRICOM ocupasse o continente africano.
Agora,
Gaddafi assassinado, o AFRICOM faz avançar seu projeto imperial. As invasões do
Iraque e do Afeganistão mostraram ao ocidente que os cidadãos não reelegem
presidentes que comandem guerras nas quais morram seus próprios co-cidadãos.
Coube então ao AFRICOM assegurar que, nas próximas guerras coloniais contra a
África, só morrerão africanos. As forças da União Africana estão sendo
“integradas” aos exércitos do AFRICOM, subordinadas a comandantes
norte-americanos. Gaddafi jamais admitiria isso. Por isso foi deposto e
assassinado.
Os "rebeldes"da OTAN |
Quem
queira ter uma antevisão do que o AFRICOM-EUA fará à África, que olhe a Líbia
hoje, modelo do que a OTAN está criando, como estado africano: tutelado,
condenado a décadas de violência e trauma gerado por colonialismo militarizado.
E absolutamente incapaz de promover melhores condições de vida para o próprio
povo, ou de contribuir para a independência regional ou continental.
O
novo colonialismo militarizado na África tem de ser detido. Não deve avançar nem
mais uma polegada.
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