O Brasil não forma militares, forma MILICANALHAS |
Publicado em 19/07/2012 por Mair Pena Neto*
Na sede do Clube Militar, na
Cinelândia, local de grandes manifestações democráticas, há uma placa afixada
logo no hall de entrada exaltando o golpe de 1964, classificado por seus
promotores como revolução. Este movimento interrompeu a normalidade democrática
do país, levou a uma ditadura de 25 anos e causou dor e sofrimento a milhares de
famílias brasileiras, com a instituição da tortura e do desaparecimento de
oposicionistas ao regime, cujos corpos são reclamados até hoje.
Embora o Clube Militar congregue
essencialmente a turma do pijama, saudosa e participante do golpe, e sem poderes
sobre a ativa, a existência de uma placa que comemora a interrupção da vida
democrática deveria ser repudiada e até removida como exemplo. Em março de 2004,
o ex-presidente argentino Nestor Kirchner foi ao Colégio Militar do Exército e
ordenou que fossem retirados da galeria de comandantes militares os quadros dos
generais Jorge Rafael Videla e Reynaldo Bignone, que participaram do golpe de
Estado de 1976 e presidiram o país na terrível ditadura argentina. O ato
simbólico de Kirchner foi o pontapé inicial para uma ação exemplar contra os
militares que barbarizaram o país e que prossegue até hoje com julgamentos, como
o que recentemente condenou Videla e Bignone, entre outros, pelo sequestro
sistemático de filhos de militantes políticos nascidos nas prisões e centros de
tortura da ditadura.
A remoção da placa do Clube
Militar brasileiro seria apenas um ato simbólico, pois o que se mostra mesmo
necessário é uma mudança completa na formação dos militares brasileiros para que
se adequem definitivamente à vida democrática e não desrespeitem mais a ordem
institucional. O Brasil vem avançando neste sentido. O ministro da Defesa já é
um civil e os militares parecem restritos à sua função de defesa do território
nacional. Mas é preciso ir além, provendo os oficiais de capacidade crítica, que
acompanhe os princípios de rigor e disciplina.
Mais uma vez, a Argentina surge
como exemplo a ser seguido. O país vizinho promove uma mudança na estrutura
curricular de formação dos militares, incluindo novas disciplinas e conceitos
sobre história e direitos humanos. Como afirmou ao Globo a antropóloga Sabina
Frederic, responsável pela elaboração da reforma do conteúdo ministrado nas
escolas de formação, “a pobreza intelectual dos militares no passado impediu
qualquer tipo de reflexão crítica”. Ou seja, ordens foram obedecidas sem nenhum
questionamento, o que desvirtuou as próprias funções das Forças Armadas,
desvinculando-as da sociedade. Isso aconteceu não só na Argentina, mas no
Brasil, no Uruguai e no Chile, em nome de uma doutrina de segurança nacional
fundada sobre valores da guerra fria.
Os militares sempre tiveram
participação na vida política do país, o que remonta à proclamação da República.
Os tenentes se levantaram contra as oligarquias da República Velha,
desencadeando movimentos históricos, como os 18 do Forte, a revolta de 1924 e a
Coluna Prestes. O Clube Militar, hoje de atuação lastimável, teve participação
decisiva na campanha do “Petróleo é nosso”. Militares são brasileiros, como
qualquer um, e têm o direito e o dever de participarem da vida nacional. Para
isso, precisam de boa formação, sobretudo pelo poder que dispõem.
É fundamental que as escolas
militares estimulem o desenvolvimento de seus quadros, com o respeito permanente
à democracia e aos direitos humanos. E só uma ação de Estado, como a que criou a
Comissão da Verdade, pode promover tal mudança.
Mair Pena Neto*
é Jornalista, carioca, trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e
Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de
economia.
Enviado por Direto
da Redação
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