domingo, 1 de julho de 2012

Os maoístas também são gente


30/6/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline blog
Traduzido e comentado pelo pessoal da Vila Vudu

Comentário do Coletivo de Tradutores da Vila Vudu: Cá na Vila Vudu, entendemos que nenhum fato interessa. Afinal, de zilhões de trilhões de fatos que acontecem no mundo, só uma ínfima porção chega aos jornais e televisões. Para cada dez milhões de paulistas gente finíssima, só uma meia dúzia assalta passantes ou assalta o erário público ou assalta bancos; são assaltantes de varejo, coisa miúda. 

Os bancos assaltam no atacado, diariamente, universalmente, planetariamente, e assaltam quaquilhões de zilhões de pessoas. E só os assaltantes que assaltam no varejo ganham manchete. Para ensinar que os bancos não roubam, mas assaltantes pé de chinelo, sim, roubam. E que, dado que a propriedade é direito santificado, o roubo seria pecado mortal. Conversa fiada. Nada disso nos interessa. 

Entendemos que é mais justo que o ladrão nos assalte ou nos mate, do que nos pormos nós, brancos, bem nutridos, poliglotas letradíssimos, nós, a recomendar cadeia para crianças e adolescentes analfabetos e com fome, como se isso fosse alguma ‘civilização’, alguma ‘ética’ ou alguma ‘moral & bons costumes’. Que se danem o papa, o governador, a moral & os bons costumes.

Entendemos, radicalmente, que não interessam fatos acontecidos e que menos ainda interessam fatos completamente inventados e sempre construídos-interpretados pela cabeça das elianescantanhedes ou dos jabores & waacks, cujas interpretações e opinionismo tosco tampouco nos interessam. Aliás... por que deveriam nos interessar?!  

O mundo viveu séculos e séculos absolutamente sem jornalismo comercial. E se o mundo não alcançou a felicidade e a justiça e a paz sem jornalismo, não resta dúvida de que o mundo também não alcançou a felicidade e a justiça e a paz, apesar dos trilhões de bilhões de quaquilhões que rolam hoje na indústria da notícia, vale dizer, na indústria & comércio do fato jornalístico. 

Nenhuma indústria & comércio do fato jornalístico é mais potente, economicamente, nem tem tentáculos mais longos, nem fala mais, mais incansavelmente, sem silêncios, sem pausas, que a indústria norte-americana do fato jornalístico. 

Pois, com jornalismo e tudo, os EUA estão quebrados; são odiados em mais da metade do mundo; e estão, hoje, calculando por cima, inventando, promovendo e mantendo CINCO GUERRAS, em todas elas matando gente aos montes, ultimamente, à distância, sem nem sujar a farda & coturnos, ou dronando o mundo por aí, às cegas, sem dó; ou armando militarmente a parte pirada da oposição síria. 

A indústria norte-americana do fato – o chamado jornalismo norte-americano – ajuda a matar, ajuda a vender drones e ensina a repetir ideias feitas sobre ditaduras e ditadores. E, nessa labuta jornalística, a bandidagem jornalística enriquece a bandidagem da indústria da guerra, e se autoenriquece, no processo. 

O jornalismo indústria & comércio é embuste sempre e sempre foi. Mas, feito como é feito no Brasil-2012, pior que embuste, é golpe, no sentido de que os jornais, os jornalistas e o jornalismo atuam como partido político (sem votos) e visam a comandar o poder político, sem passar pelas urnas. 

Se a democracia representativa como a conhecemos hoje já é fraca e pouca, pra promover alguma justiça social, na luta sem fim contra a grana-nua-e-crua, o jornalismo golpista, em democracias precárias, é receita para democracias cada dia mais precárias.

Que importância teria, para alguém, o que pensa (supondo-se que efetivamente pense , e é possível que apenas minta e nem pense o que “declara” histrionicamente, todos os dias, ao Jornal Nacional) o senador Álvaro Dias?! Lembram quando o “líder da oposição” era o Virgílio? Não passava um dia sem que o doido lá estivesse, em rede nacional, na TV Globo, falando “pela oposição”, sempre elogiado pelo ex-FHC e atual NADA. Cadê o Virgílio? Ninguém sabe, ninguém viu. Não foi reeleito. Dançô. Destino igual aguarda o facinoroso Álvaro Dias e, claro, suas “declarações” “jornalísticas” para o Jornal Nacional, todos os dias. 

O jornalismo como o conhecemos no Brasil faz (MUITO) mais mal ao Brasil e aos brasileiros, que o crime organizado. É muito pior que praga de gafanhotos. É pior que a saúva. O jornalismo que é vendido no Brasil a consumidores eleitores PAGANTES está podre. Não há “democratização” possível para ele. Não há “reforma” que converta o que não é (coisa alguma que preste), em algo que seja (qualquer coisa que preste). O jornalismo que se conhece no Brasil deve ser extinto. 

As empresas comerciais jornalísticas brasileiras ativas hoje – o Grupo GAFE, Globo-Abril-FSP-Estadão – devem ser declaradas “organizações criminosas” e proibidas de operar; como, um belo dia, o comércio de escravos foi declarado ilegal e proibido no Brasil, os mercadores de gente declarados criminosos. Caso de polícia. 

O direito de empreender, o sacrossanto direito liberal de livre empreendimento – que, no Brasil, no que tange à indústria & comércio do fato, traveste-se de “liberdade de manifestação” ou “liberdade de imprensa” – afinal de contas, também tem limites. Ou não?! Alguém pode vender salsicha podre? Alguém pode vender remédio falso? Claro que não. Por que o William Waack pode(ria) vender o que lhe passa pela cabeça, sem nunca ouvir e sem nunca deixar falar o contraditório?!

Xilindró pros diretores, editores e acionistas da indústria & comércio do fato, no Brasil. Pena de prestação de serviços comunitários, prôs jornalistas empregados que sejam apenas idiotas simples, ou idiotas venais, tristes penas-alugadas. E cana dura, prôs demais jornalistas e colunistas fascistas sinceros. Isso feito, a democracia talvez tenha alguma chance no Brasil.

Por essas e outras, nós, cá na Vila Vudu, não fazemos jornalismo. Cá na Vila Vudu, deixamos nossa atenção flutuar desatenta, distraída, despautada. E, vez ou outra, quando encontrarmos algo que NOS AJUDA, pessoal e diretamente, a entender melhor alguma coisa, nós traduzimos e distribuímos, trabalho voluntário, gratuito, militante. Lê quem queira.

Pesquisa recente mostrou que, em três anos de trabalho diário, mais de três milhões de pessoas em todo o planeta já leram o que distribuímos e vários blogs reproduzem. E nossos números estão aumentando. Centenas de milhares escrevem, agradecendo. Felicidade é isso.

Nesse pique, entendemos que, vez ou outra, um quase-fato e, mesmo, um não-fato ou fato muito distante de nossa “realidade” do dia a dia (ou que se pressuponha distante), interessa mais que qualquer fato jornalístico próximo, noticiado à moda do facinoroso “jornalismo” do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) que desgraça o Brasil. 

Por isso, a coluna abaixo, postada hoje num blog indiano, assinada por comentarista generoso – porque distribui a mancheias, gratuitamente, a quem queira ler, suas opiniões de observador excepcionalmente bem informado, com lado declarado e não jornalista – pareceu-nos mais interessante para o Brasil-2012, que tooooooda a edição do sábado somada a toooooda a edição dominical de toooodos os jornais e revistas que o Grupo GAFE impingiu e impingirá, hoje e amanhã, aos eleitores no Brasil-2012.

O evento aí comentado é um ataque, pela polícia do Estado da Índia, a um grupo de guerrilheiros marxistas maoístas que existe desde os anos 70s, na selva do nordeste da Índia. São tratados como “organização terrorista” vocês sabem por quem – o que não nos interessa e só interessa vocês sabem a quem.

O que nos interessa é que são marxistas maoístas e resistem há 40 anos, nas selvas indianas. Há informação histórica sobre eles em: Maoist Communist Centre of Índia (em inglês), prôs que se interessem por informação histórica semiconfiável. E, ontem, 6ª-feira, na selva do estado de Chhattisgarh, no centro da Índia, esses maoístas indianos foram atacados pelas forças de segurança do Estado indiano. Morreram 19 maoístas indianos. 

O artigo que traduzimos abaixo pergunta uma pergunta tão necessária, quanto impossível no jornalismo que conhecemos: como é possível que, no século 21, uma sociedade capitalista avançada como a Índia, civilização milenar, potência emergente, país dos BRICS, como o Brasil, não seja capaz de dar conta civilizadamente e democraticamente de um grupo de guerrilheiros marxistas maoístas que se meteram na selva há 40 anos e lá se mantêm, vivos, resistentes e maoístas?! 
Nossa resposta é: a culpa, do Oiapoque ao Chuí, passando pelas guerras de Hilária & Obama e pelas selvas do estado indiano de Chhattisgarh, cá como lá, é dos jornais, dos jornalistas e do jornalismo do capital, idêntico em todo o mundo, embora em nenhum lugar do mundo seja tão ruim quanto o jornalismo que desgraça o Brasil-2012. 

O capital é absolutamente incapaz de argumentar e ouvir contra-argumentos. Argumentar e ouvir contra-argumentos exige tempo. E tempo é dinheiro. O capital tem pressa. O capital não é humano nem racional. O capital fala sozinho (como D. Eliane Cantanhede, o Jabor e o senador Álvaro Dias e o Augusto Nunes, Dona Danuza Leão). O capital só entende a língua da ignorância ou da violência impressa ou televisionada, e das armas em geral. O capital emburrece. O capital mata. Quem deixe o capital dizer o que bem entenda e manifestar-se livremente, como se o capital gerasse direitos, como se o capital gerasse o direito de escrever leis, morre. 

E isso, afinal, explica, simultaneamente tudo: a resistência dos maoístas indianos resistentes; a violência policial; a ignorância que o jornalismo existe para construir e distribuir, e constrói e distribui mediante o discurso jornalístico da indústria & comércio do fato; a salafrarice do senador Álvaro Dias; e o ganha-pão sem vergonha dos jornais, dos jornalistas e do jornalismo que desgraça o Brasil-2012 (e que desgraça, aqui, mais do que desgraça na Índia, porque o jornalismo brasileiro é o pior do mundo). 

Aí vai. Lê quem queira.

A Índia independente tem sido coerente na abordagem a milhões de motins que ameaçaram a unidade e a integridade nacionais nos últimos mais de 60 anos [1]. O padrão é mais ou menos o seguinte: ninguém se preocupa com o povo viver alienado, apesar de as causas da alienação não serem mistério e poderem ser atacadas; vez ou outra, o partido governante até explora a alienação popular, para atender seus objetivos eleitorais (Khalistan); com o tempo, as feridas se agravam; quando já estão gravemente infeccionadas, o Estado indiano cauteriza uma ou outra ferida mais infectada, sem anestesia, para que o paciente, se não morrer da cura, encolha-se de medo, guarde para sempre a horrenda memória da brutalidade do Estado, escafeda-se, com sorte, para sempre, e aprenda a lição.

Mas nenhuma ferida, de fato, é tratada, para ser curada e nenhuma se cura. Os estados de Jammu & Kashmir e os estados do nordeste da Índia continuam sob ocupação do exército indiano. Não haverá outro modo para enfrentar a alienação política no século 21?

A Índia se orgulha de ser país diferenciado na comunidade das nações, porque é país moral. Nos fóruns internacionais, a Índia já começa a perder a timidez e começa a assumir posições no campo dos direitos e da segurança humanos – por exemplo, no caso do Sri Lanka e da Síria, no Alto Comissariado da ONU para Refugiados, em Genebra, recentemente. Tem-se manifestado nos debates no Conselho de Segurança da ONU – sobre o Sudão e o Afeganistão. São atitudes que se recomendam, é claro, para país que aspire a ser potência regional. 

Chhattisgarth (em vermelho)
Mas, no que tenha a ver com questões nacionais, a situação é bem outra. O “grande confronto” entre o Estado indiano e os maoístas nas selvas de Chhattisgarh na 6ª-feira, mais uma vez, obriga a ver a tragédia da situação. Já começam a chegar noticias de que as forças de segurança da Índia atacaram vilas isoladas na selva e massacraram civis, na calada da noite de 5ª para 6ª-feira.

Entre os 19 maoístas mortos, há uma jovem de 15 anos – e apenas dois dos 19 mortos foram identificados como guerrilheiros extremistas de esquerda. Nesse caso, quem são os outros 17 mortos?

O ministro do Interior está preocupado com o prêmio de 10 milhões de dólares que os EUA ofereceram pela cabeça de Hafiz Saeed, fundador do grupo paquistanês Lashkar-e-Toiba, acusado de ser o principal responsável pelos ataques de 2008 em Mumbai. Façamos votos de que, quando o ministro resolver esse caso, cuide de informar o que de fato aconteceu. O pessoal dos serviços de segurança declarou que “uns poucos moradores inocentes podem ter morrido no fogo cruzado”. Santo Deus! Quanto é “uns poucos”, em termos de mortos?

O mais chocante é que nenhum político indiano, todos os partidos considerados, nada têm a dizer. Estão ocupados com a eleição do próximo presidente da Índia – ou, então, só pensam nas “reformas”. Quando 19 cidadãos são assassinados pelas forças da ordem em país civilizado, na segunda década do século 21, espera-se alguma comoção no mundo “político”. Na Índia, não? O silêncio dos políticos aponta claramente o terrível enfraquecimento da fibra moral.

Ainda mais repreensível é o ensurdecedor silêncio dos partidos da esquerda indiana que, pelo menos em tese, operam ou deveriam operar no mesmo campo ideológico que os maoístas indianos. OK. Os maoístas são rebeldes desiludidos com a esquerda partidarizada e com a democracia burguesa. Nem por isso se tornaram “de direita”.  A China não os reconhece. OK. É problema da China. Mas... e a esquerda da Índia?

De fato, a presença dos grupos maoístas em partes da Índia onde a esquerda indiana “oficial” sequer existe mostra que eles têm legitimidade e credibilidade conquistada por eles mesmos, em trabalho com as populações locais de um país imenso, que ainda são sensíveis aos ideais igualitários e democratizatórios do comunismo. Liderança mais ilustrada, na esquerda indiana, buscaria o diálogo com aqueles militantes, talvez isolados, talvez desorientados. Bom ponto de partida seria indignar-se ante o assassinato de 19 camaradas, na selva de Chhattisgarh. Que tenham enterro comunista decente



Nota dos tradutores
[1] A Índia recuperou a independência (dos ingleses) em 1947.

MK Bhadrakumar* foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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