16/7/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
O Irã é, sabidamente, o terceiro
maior fornecedor de petróleo para a China, atrás só da Arábia Saudita e de
Angola. O comércio bilateral ultrapassará US$ 50bi em 2015 [1]. Em junho, a China importou 524
mil barris/dia de petróleo do Irã [2] – quase 40% a mais que em abril.
Vejamos pois como a China respeita
as “sanções” contra o Irã.
O ministro do Petróleo do Irã,
Rostam Qasemi, anunciou que a China investirá $20 bilhões – para começar – no
desenvolvimento de dois dos maiores campos de petróleo do Irã: Azadegan (dos
maiores do mundo, com reservas estimadas de 42 bilhões de barris [3]) e Yadavaran (no Khuzestão, perto
da fronteira com o Iraque) [4]. São maná, para Pequim, no longo
prazo, esses 700 mil barris/dia de petróleo a mais.
Mapa de exportação de petróleo do Irã (antes das sanções) (clique na imagem para aumentar) (em inglês) |
Ao mesmo tempo, o Paquistão
garantiu contratos – sem concorrência [5]– à Gazprom russa para o gasoduto IP
(Irã-Paquistão), projeto que foi conhecido como IPI (Irã-Paquistão-Índia), antes
de a Índia pular fora. Significa que Moscou ajudará Islamabad a construir o
trecho paquistanês do gasoduto (o trecho iraniano já está pronto).
Adivinhem quem mais pode
associar-se ao projeto? A China, claro. Nesse caso, o gasoduto IPC estender-se-á
do porto de Gwadar, no Mar da Arábia, pela rodovia Karakoram até Xinjiang, no
extremo oeste da China.
Mapa da rede do Oleogasodutostão |
Queremos nosso mar, e já!
No Oleogasodutostão, onde as
placas tectônicas vivem em perpétuo movimento, esses são apenas dois dos
recentes desenvolvimentos estrelados pela China. E são projetos em terra. A
coisa fica realmente espinhosa, é quando se observar o front marítimo.
A China tem nada menos que 14
fronteiras terrestres. A maioria das questões de fronteiras foram
satisfatoriamente resolvidas, exceto duas escaramuças menores que envolvem o
Butão e a Índia.
E a China tem nada menos que
14.500
quilômetros de litoral. No total, Pequim reclama soberania
total ou parcial sobre nada menos que 4 milhões de quilômetros quadrados de mar.
Não surpreende que a regra sejam as crises – potenciais ou reais. E ainda nem
falamos sobre Taiwan.
A China disputa, com o Japão, as
ilhas Diaoyu (Senkaku, em japonês), próximas de Okinawa, onde há uma base
asiática dos EUA, ilhas por isso mesmo consideradas chaves. Como se pode
adivinhar, há aí também um ângulo que conecta a área ao Oleogasodutostão: um
campo de gás onde podem estar reservas de 200 bilhões de metros cúbicos.
A China também tem disputas com
Taiwan, Vietnã, as Filipinas, Malásia, Brunei e Indonésia, em torno das ilhas
Spratly (Nansha, em mandarim) e o arquipélago Pratas (Dongsha, em mandarim). E há
disputa também com o Vietnã e Taiwan pelo arquipélago Paracel (Xisha, em
mandarim).
China e suas fronteiras |
Enviados de 26 nações
pacífico-asiáticas e da União Europeia (EU) reuniram-se em Pnom Pen, Camboja
[6], para discutir segurança
regional. Mas já antes de começar a reunião, a China pediu que não se discutisse
a confusão marítima; a posição oficial da China é negociar um desenvolvimento
conjunto das fontes de energia em todas essas áreas em disputa – segundo o
porta-voz Zhang Jianmin.
As Filipinas e o Vietnã – ambos
membros da Association of Southeast Asian
Nations (ASEAN)/Associação das Nações do Sudeste da Ásia (ANSA) –
definitivamente não concordam com o mapa traçado pelos chineses. Querem
construir uma posição para os países ANSA e depois negociar com a China, como
bloco. Faz sentido, se se considera que virtualmente a metade dos países membros
da ANSA reivindicam partes do Mar do Sul da China.
Para ter ideia do que está em
jogo, é possível que, em toda essa área, haja algo em torno de 30 bilhões de
toneladas métricas de petróleo e 16 trilhões de metros cúbicos de gás.
Correspondem a, pelo menos, um terço dos recursos de petróleo e gás da China,
segundo a Agência Xinhua.
Já se observam superposições
complexas. Por exemplo, a PetroVietnam quer que a China National Offshore Oil Corporation
(CNOOC) cancele um convite para que empresas estrangeiras explorem blocos
que se sobrepõem com áreas já entregues à ExxonMobil, à Open Joint Stock Company Gazprom (OAO
Gazprom) russa e à indiana Oil &
Natural Gas Co..
E, seja como for, a ANSA já
chegara a um importante acordo antes da reunião em Pnom Pen [7], para o que pode ser um código
regional de conduta, cogente e aplicável no Mar do Sul da China, segundo Albert
del Rosario, secretário de Assuntos Externos das Filipinas.
Na verdade, ANSA e China já tinham
um acordo não cogente há mais de dez anos. Só têm de sentar e por tudo no papel.
Qualquer exploração de recursos energéticos terá de ser conduzida “passo a passo
e baseada em consenso”.
Isso explica por que Pequim não está sendo exatamente
intimidada pelas ameaças da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton, sobre
iminente apocalipse no Mar do Sul da China.
Um passo além da linha
Muito mais do que com quem explora
petróleo e gás no Mar do Sul da China, Pequim preocupa-se muito seriamente com o
acesso de seus navios a águas internacionais. Normal: 90% do massivo comércio
internacional chinês depende de rotas marítimas.
Pequim quer ser potência
hegemônica incontestada a oeste de uma “linha verde” que vai do Japão à Malásia
passando por Taiwan e Filipinas. O problema aqui é que os chineses estão em
competição direta com a marinha japonesa.
O próximo passo para Pequim será
saltar das águas traiçoeiras do Mar do Sul da China para as águas azuis de uma
segunda vasta área, que vai do Japão à Indonésia e passa por Guam – onde
acontece de haver instalada a principal base aeronaval dos EUA no Pacífico
Ocidental.
E é aí que a coisa aperta
realmente – porque é onde entra Taiwan. Taiwan é a barreira com que os EUA
contam para bloquear uma projeção do poder chinês entre a “linha verde” e a
“linha azul”.
O jogo paralelo é igualmente
importante para Pequim, para preservar seus corredores navais para abastecimento
de energia no sudeste da Ásia.
Estreito de Malaca e região |
O primeiro corredor é o Estreito
de Malaca – pelo qual transitam os navios petroleiros de menos de 100 mil
toneladas que vêm da África e do Oriente Médio para o Mar do Sul da China. O
segundo corredor, para superpetroleiros, passa pelos estreitos de Sunda e
Gaspar.
O terceiro, para o petróleo que
vem da América do Sul, especialmente da Venezuela, atravessa águas filipinas. E
o quarto é uma rota reserva, entre os estreitos de Lombok e Makassar, e daí ao
largo das Filipinas.
Já mostrei em outro artigo
[8] como a estratégia de energia dos
chineses, extremamente sofisticada, move-se em torno de ultrapassar o que Pequim
considera gargalos-monstros – os estreitos de Ormuz e Malacca. Nada menos de 80%
das importações chinesas de petróleo passam pelo estreito de Malacca.
Não surpreende que Pequim esteja
multiplicando seus investimentos em abrir vias alternativas. A China está
construindo uma estrada de ferro, como uma Nova Rota da Seda, que interliga a
maioria das nações da ANSA e um oleoduto China-Myanmar que conecta Sittwe a
Kunming, na província de Yunnan; está estimulando a produção de gas natural no
oceano na Tailândia, mas sobretudo em Myanmar, através de 60 empresas chinesas
de petróleo; e está construindo um canal pelo istmo de Kra, no sul da Tailândia.
Estreito de Sunda |
Por tudo isso, há poucas coisas
mais importantes para o governo coletivo em Pequim, nesse universo, que esses
quatro corredores. Devem ser mantidos em perfeita segurança (se necessário, à
moda chinesa). Os estrategistas chineses têm simulado todas as espécies de
pesadelos navais que EUA, Japão, Índia ou todos esses juntos possam tentar
inventar.
Uma das consequências desse estado
de coisas é a implantação do que os estrategistas norte-americanos chamam de “o
colar de pérolas” – série de bases permanentes chinesas por todo o Oceano
Índico: Marao, nas Maldivas; Gwadar no Paquistão; as ilhas Coco em Myanmar;
Chittagong em Bangladesh. E acrescentem à lista Port Sudan, na
África Oriental.
Esse frenesi naval levou a um
inevitável boom na indústria de
construção de navios na China, do Mar Amarelo ao Mar do Sul da China. Mediante
duas empresas gigantescas – a China State
Shipbuilding Corporation (CSSC) e a China Shipbuilding Industry Corporation
(CSIC), o Império do Meio, em 2020, será o maior estaleiro do planeta.
Nem seria preciso dizer que, como
consequência disso tudo, os relatórios anuais do Pentágono sobre o poder militar
chinês ganham tons cada diz mais alarmistas.
Que baita, baita, baita gás!
[9]
Pequim, é claro, está extremamente
preocupada com a crise na Eurozona. O Banco Central acaba de baixar os juros.
Haverá mais um pacote de estímulos – no mínimo, $320 bilhões – para aumentar o
consumo interno. O país talvez cresça “só” 7,5% em 2012.
Mas a expansão não para nunca. O
premiê Wen Jiabao acaba de propor um acordo comercial entre a China e o MERCOSUL
– o Mercado Comum latino-americano. Cataratas de energia, vinda de todos os
cantos – Sibéria, Ásia Central, Irã, Oriente Médio, África, América do Sul – têm
de continuar a jorrar, para manter ativo o dragão mercantilista.
Por tudo isso, investir bilhões no
Irã e promover a exploração conjunta da energia no Mar do Sul da China são, para
Pequim, medidas óbvias de desenvolvimento. Não é tempo para sanções ou tambores
de guerra. É tempo para fazer negócios. Um negócio de cada vez. Sem parar
nunca.
Notas de
rodapé
[1] 9/10/2010, Gulf Times,
em: “Turkey,
China looking to boost trade to $100bn by 2020” .
[2] 22/6/2012, AsiaNews Net, em: “Beijing
taking advantage of Iran sanctions to boost Iranian oil imports”.
[3] 24/10/20122, Teheran Times, em: “Iran
ahead of schedule in developing S. Azadegan oilfield”.
[4] 8/7/2012, PressTV, em: “China
to invest USD 20bn to develop two Iranian oil fields: Qasemi”.
[5] 8/4/2012, Daily Times,
em: “Construction
of $1.5bn IP gas pipeline project”.
[6] 12/7/2012, Phnom Penh Post, em: “China
and Japan clash over disputed territory”.
[7] 12/7/2012, Al-Jazeera, em: “South
China Sea issue dominates ASEAN summit”. (vídeo)
[8] 22/5/20122, redecastorphoto, em:
Pepe
Escobar: “A hora e a vez do oleoduto
China-Paquistão”.
[9] Orig. It's a gas, gas, gas. É verso de “Jumpin' Jack
Flash”, dos Rolling Stones, de 1968.
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