26/6/2012, Russia Today – 12º Programa - Episódio 11,
26’32”
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
Assista
também:
-
1. 16/4/2012, Assange entrevista No.1 – “Hassan Nasrallah (Hezbollah)”
-
7. 29/5/2012, Assange entrevista No. 7 – “Movimento Occupy London”
-
8. 5/6/2012, Assange entrevista No. 8 – “Cypherpunks [1]” (Parte 1) –Episódio 8a
-
9. 12/6/2012, Assange entrevista No. 9: “Cypherpunks” (Parte 2) – Episódio 8b
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10. 19/6/2012, Assange entrevista No. 10: Imran Khan Niazi, candidato à presidência do Paquistão (Campeão Mundial de Críquete) - Episódio 9
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11. 26/6/2012, Assange entrevista No. 11: Noam Chomsky & Tariq Ali – Episódio 10
JULIAN
ASSANGE: Esta
semana, entrevisto o líder da oposição na Malásia, Anwar Ibrahim. Como eterno
rival, sempre sob a mira do ex-primeiro-ministro Mahathir, Anwar foi preso por
cinco anos, acusado de abuso sexual. Como resultado de uma campanha popular em
2004,
a condenação foi revogada e Anwar foi posto em
liberdade.
Em
2008, novamente foi alvo de acusações por delitos sexuais. Foi afinal absolvido
no início desse ano.
À
medida que se aproximam as eleições, para as quais Anwar é tido como favorito,
voltaram a acusá-lo de ter organizado uma manifestação não autorizada. Se se
declara culpado, estará impedido de participar das eleições. Quero saber como
sobreviveu e como vê o futuro da Ásia e do ocidente.
JULIAN
ASSANGE: Anwar
Ibrahim, desde a juventude, você militou como ativista estudantil. Depois, foi
preso.
Você
tem longa trajetória política, desde estudante, até chegar ao posto de
vice-primeiro-ministro, quando novamente foi preso. Mas saiu e ressuscitou como
líder da oposição em seu país.
ANWAR
IBRAHIM: Da
primeira vez, prenderam-me por ter apoiado os agricultores do norte, exigindo
que o governo lhes desse tratamento digno. Passei dois anos preso, sem
julgamento – o que é legal, nos termos de uma Lei de Segurança Nacional. Depois,
quando Mohamad foi nomeado primeiro-ministro, chegando ao poder com a missão de
verdadeiro reformador, sua postura agradou-me muito. Tivemos várias reuniões,
discutimos, e me uni à sua plataforma de reformas. Cheguei muito rapidamente a
vice-primeiro-ministro, só para que me mandassem outra vez para a cadeia, dessa
vez por seis anos.
JULIAN
ASSANGE: No
governo de Mahathir, vários dos que chegaram a vice-primeiro-ministro foram
expulsos, um depois do outro. Sua queda em desgraça foi a mais dramática. Pode
contar o que aconteceu?
ANWAR
IBRAHIM: Fui muito
brutalmente torturado no dia em que fui preso. Puseram-me numa cela solitária.
Não foi um mar de rosas, claro. Era duro. No começo, nem me deixavam ler, mas a
mídia internacional e amigos em todo o mundo intervieram e conseguiram que me
dessem livros. Fiquei mais inteligente, lendo quatro vezes e meia as obras
completas de Shakespeare. [risos] Pouca gente leu. Foi um bom tempo para pensar
em vez de agitar. E ler os grandes clássicos. Quero dizer: Boris Pasternak e
Tolstoi, são autores que se leem conscientemente, na prisão. É interessante.
Numa cela de prisão, entende-se e aprecia-se melhor. Ninguém interrompe,
mergulha-se na leitura. Às vezes, é um pouco deprimente, sim. Os muros... mas
você se converte em parte da coisa... Nunca antes havia tido interiorização
suficiente para ler e apreciar o Rei
Lear, seu diálogo com Cordélia, antes da prisão naquela cela
solitária.
JULIAN
ASSANGE: Na
prisão, li “Pavilhão dos Cancerosos”, de Solzhenítsyn, que é... magnífico, um
livro magnífico, mas muito, muito deprimente e muito brutal. Mas pensei “bom, há
lugares piores, onde poderia estar. Podia estar num pavilhão de cancerosos na
Sibéria, por exemplo. Isso aqui é suportável.” E você, sentiu o quê?
Interessa-me, porque tenho vários amigos que foram presos. Sua opinião sobre
como sobreviver a essa experiência. Você desenvolveu algum método para
sobreviver à solitária, alguma coisa que lhe permitisse criar algum tipo de
ordem? Como marcava a passagem do tempo e outras coisas
assim?
ANWAR
IBRAHIM: Sim, era
difícil. Quero dizer... Com o tempo... Agora, até parece fácil, mas naquele
período, particularmente, era muito difícil. Meus filhos eram muito pequenos, o
menor ainda usava fraldas. Por isso, no dia que me prenderam, senti muita
angústia e desespero. Mas o que me dava alguma força era que os oficiais e os
guardas da prisão eram extremadamente amistosos. Tinham medo, havia câmeras por
todos os lados, mas eu sentia a simpatia e o apoio deles. Assim se consegue
seguir adiante. Depois, começa-se a ouvir notícias de fora, das manifestações
nas ruas... Quero dizer, tentei sempre me manter o mais ocupado possível, mas
nem sempre com coisas sérias. Verdade é que passava horas no banheiro, cantando
Beatles, Ricky Nelson ou Elvis Presley [risos].
JULIAN
ASSANGE: E
enquanto você estava preso, sua mulher organizava uma grande campanha para
libertá-lo.
ANWAR
IBRAHIM: Sim.
JULIAN
ASSANGE: Você
tinha ideia de como era grande o movimento que sua mulher criou, enquanto você
estava preso?
ANWAR
IBRAHIM: Francamente
não. Mas pelos comentários dos guardas e algumas cartas que recebia em segredo,
fui-me dando conta. Um funcionário da prisão dizia “Fui à manifestação, a mais
de dez quilômetros de Kuala Lumpur, e ouvimos sua esposa e outros discursos”. Perguntei se havia muita gente. Ele disse “no mínimo, 20 mil pessoas.” E comecei
a dar-me conta de que estava acontecendo algo importante em Kuala Lumpur.
Mas , sim, eu sentia. No dia em que fui preso, houve a maior
manifestação da história da Malásia: cem mil pessoas. Essas notícias me animaram
muito. Muita gente dizia que estivera na manifestação. Muitos se filiaram
secretamente ao partido.
JULIAN
ASSANGE: Você teve
a sensação de ser parte da história da Malásia, de ser parte de algo maior que
você, quando soube dos protestos e das mobilizações para libertá-lo?
ANWAR
IBRAHIM: Confia-se
na sabedoria das massas. Sem isso, como é possível reunir 100 mil pessoas, sem
sofisticação, sem mentir e sem manipular a imprensa? Mas continua-se a pensar
pela própria consciência e pelo que nos diz o coração.
JULIAN
ASSANGE: E como
conseguiu sair? Por que, afinal, você foi libertado? Qual foi a decisão?
ANWAR
IBRAHIM: Aconteceu,
nesse caso, que conseguiram convencer o Tribunal Federal a declarar alguma coisa
como “Bom, achamos que Anwar pode ser culpado de alguma coisa, mas não há nenhum
tipo de prova clara. Consequentemente, aceitamos seu recurso”.
JULIAN
ASSANGE: Você
então voltou à Malásia, e pouco antes de 2008, ano extraordinário para a
política malásia. E você foi candidato ao Parlamento. O que mais aconteceu em
2008?
ANWAR
IBRAHIM: Trabalhamos
muito. Não tínhamos acesso à mídia. Toda a mídia-empresa na Malásia preparava-se
para apoiar o partido governante. Mesmo hoje, como líder da oposição, não tenho
um minuto de tempo de televisão. Por isso, inclusive, aceitei seu convite.
[risos] Você acredita? Nem um minuto de televisão. Mesmo assim, estamos em
posição de vencer as eleições em cinco estados, inclusive em Kuala Lumpur.
Ganhamos 10 de 11 assentos no Parlamento. Por isso acho que
somos uma espécie de Primavera Malaia, mas através de um processo eleitoral.
Entre
2007 e 2008, como lhe disse, trabalhamos muito. E mais ainda trabalhamos com as
minorias étnicas. Percebemos que, de 1999 a 2004, estavam muito sensíveis à
política, mas entendiam que melhor seria se apoiassem os políticos malaios que
tivessem ideias semelhantes. Eu, ao contrário, pensava que, se somos partido
reformista, temos de nos comprometer com uma agenda de reformas. Algumas
políticas obsoletas, a discriminação racial, terão de mudar com o tempo.
JULIAN
ASSANGE: Quero
examinar um pouco as mudanças no Sudeste Asiático. Houve movimento democrático
na Indonésia, bem-sucedido, e a independência do Timor Oriental. Na sua opinião,
o que provocou isso? Foi a internet, o movimento de massas na região? E vocês
estavam passando pela crise econômica asiática. A crise foi uma das razões?
ANWAR
IBRAHIM: Sentem-se
as mudanças na região, porque temos melhor nível de educação, as pessoas pensam
mais, nas zonas urbanas e periféricas há acesso aos novos meios alternativos. A
internet tem papel muito importante: as pessoas querem liberdade. Vê-se a
materialização disso nas últimas eleições. A tendência é crescente,
especialmente entre os jovens, profissionais e intelectuais jovens. É parte das
mudanças. E agora, com a Primavera Árabe, acho que se sente melhor que as
mudanças são iminentes.
Se
se considera a Tailândia, a transição democrática ali é um pouco frágil, mas com
certeza há maior compromisso com a democracia. Já não se pode esperar que
qualquer golpe de estado, ou qualquer ditadura militar, consiga manter-se por
muito tempo. Nas Filipinas há mais esperanças, embora ainda tenha de superar os
problemas da corrupção crônica. Mas em [Burma] Myanmar a situação é muito
surpreendente, no que tenha a ver com mudanças. Quero dizer... Sou dos poucos
que... até no governo malaio de antes, que não tinham nenhuma esperança de que a
junta militar se autorreformasse, ela mesma. Mas tenho de reconhecer que estão
acontecendo várias mudanças positivas em [Burma] Myanmar agora. Quanto à
transição democrática, acesso à mídia e eleições mais livres, [Burma] Myanmar já
está, hoje, muito à frente da Malásia.
JULIAN
ASSANGE: [Burma]
Myanmar? É mesmo? Incrível.
ANWAR
IBRAHIM: Ah, sim.
Em Myanmar, Aung
San Suu Kyi é vista na televisão. Na Malásia, não.
JULIAN
ASSANGE: E você
não pode falar pela televisão.
ANWAR
IBRAHIM: Não
significa que eu esteja satisfeito com a democracia em Myanmar. Mas veem-se mais
mudanças positivas ali, na direção de uma reforma democrática.
JULIAN
ASSANGE: E a
questão da segurança? Julia Gillard, primeira-ministra da Austrália concordou
com a instalação de 3.000
Marines dos EUA ao norte
da Austrália, como... claramente, é uma espécie de defesa, no longo prazo,
contra a possível influência da China. Que acontecerá aos países que estão ali
no meio, separando os dois países? Você acha que os países da Associação de
Nações do Sudeste Asiático deveriam criar um pacto conjunto de segurança?
ANWAR
IBRAHIM: Não sou
grande defensor desses pactos de segurança, mas deve haver um entendimento
regional claro, de tipo político, econômico, cultural entre aqueles países. E
isso deveria bastar para mostrar que podem impedir qualquer forma de
interferência possível de forças externas, seja dos países ocidentais, ou da
China. Porque qualquer pacto de segurança, Julian, mobilizaria grandes somas de
dinheiro dos nossos países. Seria alguma ‘segurança’, à custa da educação, da
moradia, da saúde pública ou das reformas sociais. Seria um problema a
mais...
JULIAN
ASSANGE: Se não
houver algum tipo de pacto de segurança, ou Aliança de Nações do Sudeste
Asiático, não acontecerá que a China escolherá um aliado, os EUA escolherão
outro... Assim não poderia acontecer de não haver coerência alguma no Sudeste
Asiático, mas uma espécie de tabuleiro de xadrez, com casas brancas e casas
pretas, com os países de um ou de outro lado?
ANWAR
IBRAHIM: Bem, não
se pode evitar isso. Mas não precisa ser necessariamente um pacto de segurança.
Um organismo regional forte terá o mesmo efeito, se tiver compreensão clara: o
que interessa é não permitir que nenhum de nossos países converta-se em base
para as superpotências. Antes, o acordo era esse. Mas, sim... Filipinas é
problema à parte, porque já houve lá uma base militar, de modo que...
JULIAN
ASSANGE: É. Os EUA
permaneceram muito tempo nas Filipinas.
ANWAR
IBRAHIM: Sim, e o
acordo é que não seria base para expansão.
JULIAN
ASSANGE: Falemos
um pouco sobre o primeiro-ministro Najib e a camarilha governante. Quando estive
na Malásia, em 2009 (fiquei uns dias preso pela Rama Especial, uma divisão da
Polícia Secreta malaia [risos]), logo depois de eleições, as pessoas me diziam:
“faça o que quiser, mas não mencione o assassinato da Altantuyaa [18/10/2006
(NTs)]” – uma beldade da Mongólia, que foi assassinada na explosão, ou foi
assassinada antes e o cadáver foi destruído com explosivos C4, e que, pelo que
se dizia, era amante de Najib, atual primeiro-ministro. Respondi que “Ora, mas
por que não?” E me disseram: “Se você falar desse assunto, coisa raríssima, mas
que às vezes acontece numa manifestação, imediatamente aparece a Polícia e
põe-se a prender todo mundo”. Achei estranho, porque pode ser um bom
instrumento, se alguém quiser reunir muitos policiais num só lugar: basta
pronunciar aquele nome [risos]; é como apertar um botão que se pode apertar
quando interesse. Mas... você pode comentar esse caso? Por que ainda é tema tão
delicado na Malásia?
ANWAR
IBRAHIM: Não
deveria ser tema delicado. Expus o caso no Parlamento e, claro, os membros do
partido governante e o presidente ficaram imediatamente muito alterados. De modo
algum sugeri ou insinuei que Najib seria sequer cúmplice do crime. O que
dissemos é que havia ali várias perguntas sem resposta. Em primeiro lugar,
porque mudaram a acusação? Em segundo lugar, por que nada foi apropriadamente
investigado? Em terceiro lugar, por que as pessoas chaves não foram chamadas a
depor como testemunhas e dizer o que sabem? Porque há algo muito importante,
nesse crime. O assassinato da Altantuyaa está relacionado a um vasto escândalo
de corrupção, que envolvia um grande negócio, a compra de dois submarinos da
França. O caso está agora na Alta Corte de Justiça Paris. Como é possível que o
caso esteja sendo julgado em Paris, e nós, na Malásia, o tenhamos silenciado
totalmente?
JULIAN
ASSANGE: O
depoimento de várias testemunhas foi mantido em segredo na Malásia , por
algum motivo.
ANWAR
IBRAHIM: É pior
que só depoimentos secretos.
JULIAN
ASSANGE: Em 2008,
pouco antes das eleições na Malásia, você foi novamente acusado por crime de
sodomia. A presumida vítima teria sido um de seus auxiliares.
ANWAR
IBRAHIM: Foi
campanha de desmonte, baseada nessa acusação de sodomia. O vídeo com a alegada
declaração do denunciante foi exibido em todo o país, em cada vila. Mais uma vez, como
já disse, eu confiei na sabedoria do povo. Todo o Gabinete, todos os recursos do
governo, todos os meios de comunicação do país inteiro acusavam-me, dia e noite,
desse crime. E mesmo assim minha maioria continuou a aumentar. O pior é usar
esse instrumento como artifício político, repetir acusações falsas, usar a
polícia e, no fim, até o poder judiciário. No fim, Julian, fui absolvido. Mas
nem pense que, por isso, haja algum poder judiciário independente. Usaram todo o
sistema, a acusação, a defesa, o processo, exclusivamente para me difamar, como
arma para ‘esvaziar’ um candidato adversário. O pior é que usam um simulacro de
democracia, um simulacro de eleições que poderiam ser democráticas, um
judiciário que poderia ser independente, mas abusam da democracia e da justiça e
de todo o processo. Perdoe, por ser tão incisivo quanto a isso.
JULIAN
ASSANGE: Não,
não... Às vezes, tenho a sensação de que também sou incisivo demais. Alegra-me
que você tenha dito, assim, bem claramente.
Bem
Anwar, falemos do futuro. Até aqui, não temos boa imagem da Malásia. Mas falemos
do projeto, de para onde a Malásia caminhará, para onde caminhará toda a região.
Qual seu plano para a Malásia, se a coalizão de seu partido, da oposição, chegar
ao governo nas próximas eleições?
ANWAR
IBRAHIM: Nosso
primeiro passo tem de ser amadurecer como uma democracia. Teremos melhor
infraestrutura e mão de obra mais bem preparada. Ninguém deve ser ‘diminuir’ a
Malásia, como se ali as pessoas não estivessem preparadas para exercer a própria
liberdade. Ser livre é ter judiciário independente, meios de comunicação
autônomos, e leis econômicas que promovam o crescimento, uma economia de
mercado. Ao mesmo tempo, é preciso compreender o porquê dos abusos.
No
nosso discurso, temos falado da Primavera Árabe, quando uma parte do mundo
exigia liberdade. Também temos, na Malásia, um movimento Occupy Wall Street. As
limitações, a ganância desenfreada, e o imenso fosso que separa os muito ricos e
os muito pobres, a cumplicidade entre os grandes grupos comerciais e os
políticos. Temos de evitar tudo isso, vendo, como se pode ver agora, as
frustrações...
JULIAN
ASSANGE: As
frustrações no Ocidente?
ANWAR
IBRAHIM: Sim, é
isso. As frustrações no Ocidente. E é mérito também seu, que esses fatos tenham
sido revelados por WikiLeaks. Agora se pode ver a hipocrisia, o paradoxo, as
contradições entre o que dizem entre eles, e as ‘declarações’ e notas que a
população lia ou ouvia pela televisão. Você teve, sim, uma contribuição muito
importante. O que se leu, nos telegramas de WiliLeaks, surpreendeu todos. Alguns
telegramas falavam de mim, mas mesmo assim apoio a divulgação. Sabe por quê?
Porque entendo que ali está a realpolitik, que é hipocrisia
mascarada de diplomacia, que pouco tem a ver com a verdade ou com padrões morais
ou éticos e que é, sempre e só, ação de poder, brutal, na disputa entre
interesses locais ou nacionais. Acho que isso é o que terá de mudar. Por que, ao
longo dos últimos 50 anos de existência da Malásia, não foi possível implantar
naquela região a ideia de que malaios, chineses, indianos e os dayak são uma só
grande família e podemos todos avançar juntos? Por que não se pode construir
esse tipo de ideia? Por que é tão difícil? A Malásia é país rico. A renda
líquida nacional do petróleo chega a 90 bilhões de dólares malaios. Não somos,
como a maioria de nossos vizinhos, que dependem de importar petróleo e sobre os
quais pesa essa questão do petróleo...
JULIAN
ASSANGE: Diga-me
você: o que falta? É questão de educação?
ANWAR
IBRAHIM: Não. Tudo
depende do líder, Julian. A força das convicções, a perseverança para insistir
na direção definida. Não é possível ser corrupto e supor que assim se fará
alguma coisa para o bem de todos. E o governo tem de funcionar, desde o primeiro
momento. Não estou dizendo que não se possam fazer concessões, que só dará certo
se o líder foi filósofo político que consiga impor suas decisões. Mas há algumas
regras básicas que você tem de aceitar. E sempre atacam: se você diz que defende
a democracia, é porque você é fantoche do ocidente. Se você fala de economia de
mercado, é porque é agente de Georges Soros...
JULIAN
ASSANGE: Eu mesmo
já disse coisa semelhante [risos].
ANWAR
IBRAHIM: E agora,
que já conversamos, você já sabe o que faremos [risos]. Mas acho que o problema,
com líderes autoritários e às vezes também com líderes democráticos ocidentais,
é que veem o mundo pela política da islamofobia: “nós contra eles”. É a política
unilateral dos EUA. Nada mais resta nela dos ideais, do espírito inicial da
Revolução Norte-americana ou dos ideais de Jefferson… Temos de enfrentar esse
desafio, mas temos de fazê-lo na pequena escala de um país pequeno. A Malásia
não tem de ser a maior nação do mundo, mas temos de fazer o possível pela
Malásia. Por quê? Por que é tão difícil que um aldeão malásio, um pequeno
agricultor ou pequeno comerciante chinês, ou um operário indiano sintam-se
respeitados e reconhecidos como cidadãos, com a dignidade de cidadão malásio?
Não acho que falte muita coisa, para podermos começar. Consciência, sinceridade,
a força da convicção.
JULIAN
ASSANGE: Muito
bem. Anwar Ibrahim, muito obrigado.
ANWAR
IBRAHIM: Obrigado
a você.
JULIAN
ASSANGE: …e boa
sorte! Está ótimo. Temos excelente material. Ah, por curiosidade. Entrevistei o
presidente da Tunísia. Você chegou a encontrar-se com ele, quando esteve lá? Com
o novo presidente da Tunísia?.
ANWAR
IBRAHIM: Não,
infelizmente. Estavam ocupados. Estavam recebendo a oposição síria...
JULIAN
ASSANGE: Ah, sim,
os “Amigos da Síria”.
ANWAR
IBRAHIM: Foi
encontro do qual participou metade do Gabinete. 60 deputados, principalmente
para estudar essa questão, a reforma democrática. Se têm papel importante, e se
se mostram muito rigorosos com as questões islâmicas, acho que logo estarão
muito preocupados com o status do Islã. Mas, sobre você? Como estão as
coisas?
JULIAN
ASSANGE: Pois
agora o caso é um Grande Júri, nos EUA, que me investiga há um ano e meio e
parece que apresentaram uma acusação secreta, que vão usar para extraditar-me
para os EUA. Ao mesmo tempo, há o caso na Corte Suprema, aqui na Grã-Bretanha,
que antes se chamava “Câmara dos Lords”, e que, se eu perder, me extraditam para
a Suécia, para me prenderem no momento em que chegar lá. Não há acusação.
Ninguém, até agora, me acusou de coisa alguma, ninguém, país nenhum. E talvez
seja julgado por abuso sexual, talvez não. Mas recusam-se a me interrogar aqui
em Londres. Ofereci-me para ser interrogado na embaixada sueca, por telefone.
Mas não aceitaram. Em vez disso, exigem minha extradição, para interrogar-me sem
haver acusação formalizada. Essa é a situação em que estou, em prisão domiciliar.
Tenho esse sensor eletrônico na minha perna, para que sempre
saibam onde estou. É... foi um pouco deprimente, mas, por outro lado, sabe,
em certa
medida... Sinto-me mais seguro, deram-me uma plataforma. E toda
essa situação especial em que estou enredado é resultado da legislação europeia
de resposta ao 11/9. O resultado foi que os departamentos de polícia e os
governos europeus disseram “temos de poder transferir terroristas de um estado
europeu para outros, rapidamente”.
ANWAR
IBRAHIM: E, agora,
se usam as mesmas leis draconianas, também em outros casos. Mas você
conhece as regras do jogo: jogue como tem de jogar, não perca a calma e relaxe.
Você será absolvido e nos veremos em Londres ou em Kuala
Lumpur.
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