13/7/2012, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving
Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Kofi Annan está cada vez mais
parecido com Austin Powers [1], menos
os ternos vermelhos; misterioso agente internacional, que voa de capital em
capital, pelo mundo, tentando impedir uma guerra terrível. O “Dr. Mal”, claro, é
Bashar al-Assad, da Síria. “Mexa-se, baby”! [2]
O
mediador-em-chefe da ONU está agora convencido de que Irã e Iraque apoiam seu
novo plano de transição política para Damasco, que, na essência, é o plano
anterior, de 12 de abril remixed, por causa de uma equipe de exilados
oportunistas conhecidos como Conselho Nacional Sírio (CNS) [orig. Syrian National Council (SNC)].
Há matéria [3] com
detalhes deliciosos do encontro em Damasco, no início da semana, entre Annan e
Assad. Como em qualquer show decente, as melhores falas aparecem antes
dos créditos:
Annan: Por quanto tempo você acha que essa crise continuará?
Assad: Durará
enquanto o regime financiá-la.
Annan: Você
acha que todo o dinheiro é deles?
Assad: Eles
estão por trás de muitas coisas que acontecem em nossa região. Acham-se
capazes de liderar todo o mundo árabe hoje e para sempre.
Annan: Mas
tenho a impressão de que eles não têm a população necessária para tanta ambição.
[Todos riem]
Chamem
o agente Kofi Powers, para salvar o
mundo?
Kofi Annan |
Não
apenas Annan e Assad: todo mundo sabe que “o regime” referido é o Qatar. E por
isso o CNS não aceita cumprir o cessar-fogo decidido no plano anterior de Annan
– e novamente não aceitarão agora, pelo segundo plano. Todos sabem que o Qatar –
e a Arábia Saudita – continuarão a armar os “rebeldes”, sejam desertores,
associados ao CNS ou não, membros dos diferentes ramos do
Exército-sírio-nada-Livre, ou mercenários salafistas-jihadistas outra vez
alugados em alegre colaboração com a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(OTAN).
O CNS foi a Moscou, para conversar
com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov. [4] Os
russos não se impressionaram. Nas palavras do novo chefe do CNS, Abdulbaset
Sayda, “Exigimos a partida imediata de todos os representantes do atual governo,
a começar pelo líder Assad (...) Qualquer tentativa de reconciliação com o atual
regime dará em nada”.
Quer
dizer: outra vez, o CNS está torpedeando Kofi Powers Annan e sua transição política,
antes até de haver alguma transição. Para nem dizer que já deram jeito de
alienar Moscou, cujo principal interesse é ser o principal mediador de um
governo sírio de transição. Moscou redigiu uma resolução, para prorrogar a
missão da ONU na Síria por mais três meses, trocando o monitoramento de uma
trégua que ninguém respeita, pela negociação de uma transição política.
O
chamado plano de seis pontos de Annan implica imediato cessar-fogo (que jamais
será respeitado pelo CNS e pelo ESL); retirada, de vilas e cidades, de todo o
armamento pesado e forças militares; acesso para socorro humanitário e
jornalistas; e criação de um mecanismo para a transição política.
Hillary Clinton |
Mais
uma vez, até essa “transição política”, baseada em “aceitação mútua” – decidida
em Genebra, dia 30 de junho – já começa plantada sobre terreno extremamente
movediço. Para Washington, “aceitação mútua” significa “Assad fora”. Para
Moscou, “aceitação mútua” significa que o sistema Assad é parte da negociação.
A
oposição síria, representada pelo CNS e pelo Exército Sírio Livre (ESL) –
devidamente apoiada pela secretária de Estado Hillary (“Viemos, vimos, ele
morreu”) Clinton e sua gangue de “Amigos da Síria” – continua aos gritos: que se
danem as negociações; queremos o poder e queremos já. Que democracia seria essa?
You say you want
a revolution
[5]
A
essa altura, Kofi Powers já deveria
ter subido a aposta e usado alguma tática de intimidação sedosa contra aquele
pessoal. Afinal, é sua reputação que está em jogo. Não acontecerá.
Assim
sendo, não surpreende que toda a gangue desejante – do pessoal do Pentágono, CIA
e gente do Departamento de Estado, aos aliados turcos do primeiro-ministro Recep
Tayyip Erdogan, incluindo aqueles “democratas” exemplares do Golfo – estejam
salivando ante a possibilidade de... e o que mais seria?!... um golpe.
Agora, quando por todos os cantos
florescem as “democraturas” (4/7/2012, redecastorphoto, Pepe
Escobar: E tudo sempre pode acabar em “democratura”), o cardápio parece bem
apetitoso. No Egito, o orwelliano Conselho Supremo das Forças Armadas já
desferiu seu golpe, imediatamente antes das eleições presidenciais. No Iêmen, a
Casa de Saud instalou o substituto preferido, no posto de Abdul Saleh, depois de
uma espécie de golpe branco.
Hidra |
Considerando
que a OTAN e os “Amigos da Síria” são totalmente ineptos/incapazes para montar
golpe semelhante, e considerando que as elites no topo do poder da Síria
absolutamente não racharam, o quadro é semelhante ao de Hosni Mubarak: tenta-se
cortar a cabeça da cobra, mesmo que, imediatamente, novas minicabeças já estejam
brotando na mesma cobra, como na Hidra.
Fachadas
de inteligência dos EUA, como a recentemente hackeada-detonada empresa
Stratfor, temem que esse arranjo só beneficie Irã e Rússia, ambos com complexas
redes instaladas dentro da Síria, e ambos interessados em manter o atual
sistema, porque interessa aos seus projetos geopolíticos.
Altamente
útil será manter olho vivo, acompanhando o que o clã Assad enfrenta, no plano
interno. Uma “transição” liderada de dentro da Síria pode dar ainda mais poder a
alguns seletos sunitas e talvez a uns poucos cristãos e curdos – mas a mudança
nada terá a ver com a “revolução” com que o CNS delira. Em termos estruturais,
continuará tudo mais ou menos como está.
Dentre
os sunitas que ganham poder num cenário pós-Assad, os principais candidatos são
o ministro do Interior Mohammad Ibrahim al-Shaar; o Comandante do Estado-maior
do Exército Fahd Jasem al-Farij; o vice-secretário regional do Partido Baath
Muhammad Said Bukhaytan; e o comandante da Guarda Republicana Manaf Tlas (o
qual, sim, desertou e já está em Paris [6]).
Dr. Evil e Mini-me |
Até
agora, contudo, as deserções são praticamente irrelevantes; mas há um grupo que
é preciso observar de perto. Se alguém desse grupo desertar, então, sim, o clã
Assad pode começar a enfrentar problemas graves. Nesse grupo estão Jamil Hassan;
Abdel-Fatah Qudsiyeh; Ali Mamlouk; e Muhammad Deeb Zaitoon. São os chefes das
quatro agências de inteligência da Síria (sim, a Síria de Assad é estado
policial de linha ultra dura). E, claro, Hisham Bakhtiar – chefe do Conselho de
Segurança Nacional e principal conselheiro de segurança de Assad.
No pé em que estão as coisas hoje,
o grupo governante sírio ainda parece monoliticamente indestrutível. Não sairão
de lá e só serão arrancados com luta extrema. E a “alternativa” é a Fraternidade
Muçulmana e o Conselho Nacional Sírio – cujas credenciais “revolucionárias”,
para nem falar em democracia, são, para dizer o mínimo, pífias. As massas de
civis apanhadas sob fogo cruzado, talvez até se interessassem pela possibilidade
de golpe. Melhor que acabar governados pelos sinistros “Amigos da Síria”, o que
seria substituir um Dr.Mal por um Dr. Mini-Mal [7], só
que “democrático”.
Notas dos
tradutores
[1] Personagem de três filmes sobre
um agente do Ministério da Defesa britânico, e seu arqui-inimigo-nêmesis, Dr.
Evil [Dr. Mal], obcecado com apressar o fim-do-mundo-como-o-conhecemos, e cujos
planos Austin sempre consegue fazer fracassar. Imagens em: “Film:
Austin Powers”.
[2] De License to swing, da série Austin Powers, trailer a seguir:
[3] 10/7/2012, Al-Akhbar, em: “Assad
and Annan: Back to Square One”.
[4] 11/7/2012, RIANOVOSTI, “Syrian Opposition
Group Calls for Revolution”.
[5] É verso de Revolution, Beatles, 1968, assista e
ouça em:
[6] 6/7/2012, , Syria Comment, “Manaf Tlas Defection Confirmed: His
Statement from Paris”.
[7] Orig. Mini-me. É personagem da
série Austin Powers. Sobre ele, com imagens.
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