27/7/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Thomas Donilon |
Há vários modos de interpretar a
visita do Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Thomas Donilon, a Pequim
essa semana (dias 23-25/7) – a primeira visita desse alto servidor da Casa
Branca nos últimos cerca de oito anos. Uma dessas interpretações é que Donilon
tenha sido escalado pelo presidente Obama para a função de bombeiro, para apagar
os incêndios provocados pela secretária de Estado Hilária Clinton, que “corre de
um lado para outro para conter a China” como uma espécie de John Foster Dulles
fora de época — como se lia em comentário no jornal People’s Daily.
[1]
O
comentário obrigou Washington a relembrar a crise dos mísseis cubanos em 1962 e
a considerar a questão de por que a China não mereceria “o devido respeito (...)
por seus interesses e preocupações na região do Pacífico Asiático”. Alertava que
os EUA estão provocando a China, “já próximo do limite do intolerável em
questões relacionadas a interesses chineses cruciais, como a disputa pelas ilhas
Diaoyu [com o Japão] e o Mar do Sul da China – atitude contraproducente e
perigosa”.
Ilhas Diaoyu, pequenos rochedos desabitados |
“O
enterro intencional do sistema de Yalta pode destruir os pilares legais do
sistema de poder existente no Leste da Ásia; sem ele, muitas questões históricas
nunca resolvidas converter-se-ão em novas disputas, o que provocará dano grave a
interesses de China, Rússia e também dos EUA”.
Como
se não bastasse, os EUA cultivam ambições “muito além de sua capacidade real e
podem sofrer outro contragolpe importante” semelhante ao que sofreram na Guerra
da Coreia e na Guerra do Vietnã. Como manifestação, na recepção ao alto
funcionário visitante e enviado chave de Obama, o comentário não poderia ter
passado despercebido.
Mas fato é que a parceria
China-EUA é “Suplício de uma saudade” [2]. Apesar do tom azedo e da
irritação que lhe provoca o movimento de “pivô”, de Obama, na direção da Ásia, a
China continua a ser o maior detentor de papéis da dívida dos EUA: o total já
chega agora a 1,17 trilhão de dólares, depois de a China ter comprado mais $25,6
bilhões desses papéis, só em dois meses – maio e junho.
A China admite que não deveria
estar pondo todos os ovos numa só cesta, mas, mesmo assim, parece estar fazendo
exatamente isso. As reservas chinesas em ouro equivalem a apenas 1,6% do total
das reservas. Claro, funcionários chineses insistem que a preferência pelo dólar
dos EUA é questão puramente econômica — e explica-se pela segurança, liquidez e
rentabilidade da moeda [3]. O caso é que não há economia sem
consideração à política – ou vice-versa.
Outra vez, a economia chinesa está
respondendo às medidas governamentais de estímulo, e há boa chance de a
atividade econômica recomeçar em breve a nadar para cima. Enquanto isso, as
economias europeias bracejam (inclusive a economia alemã), mas parecem
destinadas a longo período de vacas magras. O que, por sua vez, torna o mercado
chinês vitalmente importante para as exportações dos EUA. [4]
Fato
é que, nem bem Donilon chegou a Pequim, chegaram ao mundo estonteantes notícias
do Canadá, onde, na 2ª-feira, a empresa estatal China National Offshore Oil Corporation
(CNOOC) comprara as instalações da Nexen em Calgary, por $15,1 bilhões. Em
versão resumida: as reservas de petróleo em areias canadenses, as quais, por
ironia, o Big Oil dos EUA muito fez para desenvolver durante 50 anos,
estão agora ao alcance da China, acompanhadas da alta tecnologia canadense. Os
depósitos de petróleo canadenses são a terceira maior fonte de cru extraível do
planeta.
China National Offshore Oil Corp (CNOOC) - Edifício-sede em Pequim |
Conforme dados divulgados pela
rede Bloomberg, [5] a China gastou $53,4 bilhões na compra
de campos de petróleo e gás e de empresas canadenses; contra $30,8 bilhões das
empresas norte-americanas. Pequim anunciou que instalará em Calgary um dos
quartéis-generais do braço internacional da estatal CNOOC e seu centro operacional de
supervisão das empresas chinesas na América do Norte e na América Central. Os
políticos na colina do Capitólio estão lívidos: começam a temer que os EUA não
estejam compreendendo corretamente o roteiro do filme. [6]
Curiosamente,
no mesmo dia Pequim anunciou também o estabelecimento da cidade de Sansha (e uma consequente base militar para
resguardar seus interesses no Mar da China e cercanias - nota da
redecastorphoto), na ilha Yongxing, na província de Hainan, extremo sul do
país. [7]
Hu Jintao |
No encontro com Donilon, na
3ª-feira, o presidente Hu Jintao destacou que Washington e Pequim devem
“respeitar-se mutuamente, cuidar mutuamente dos interesses respectivos e tratar
as questões sensíveis de modo atento, cuidadoso, adequado e estável”. E que,
como sempre ficou decidido que seria feito, em inúmeros encontros
sino-americanos, os dois países devem explorar “o modo de desenvolver um novo
tipo de relacionamento” [8] que seja
cooperativo e baseado em respeito mútuo para mútuo benefício. Donilon respondeu
“Nós [EUA] entendemos que nosso relacionamento é definido pela cooperação
prática”.
Um dos
objetivos de Donilon era fabricar alguma “cooperação prática” com vistas à
questão síria. Houve pistas, encontráveis em toda a mídia chinesa, de que a
Síria seria um dos temas das conversações. Mas dia seguinte, imediatamente
depois da partida de Donilon, o jornal estatal China Daily [9] publicou ataque candente
contra os planos dos EUA de promover intervenção “pelo molde da intervenção na
Líbia”, também na Síria. O comentário do China Daily dizia e repetia que
a possibilidade de haver qualquer “cooperação prática” entre EUA e China, na
Síria, hoje, no pé em que estão (e permanecem) as coisas é virtualmente zero,
nihil.
Notas dos
tradutores
[1] 23/7/2012, People Daily,
Pequim, Tian Wenlin em: “Strategic anxiety”
leads US diplomacy astray in Asia-Pacific
[2] Orig. “Love is a
many-splendoured thing” Lit. “Amor é a coisa mais deslumbrante”. “Suplício de uma
saudade” é o título que recebeu, no Brasil, o filme “A many-splendoured thing” (1955),
história de uma paixão tão arrebatadora quanto impossível (ou, no mínimo MUUUITO
difícil) entre William Holden e Jennifer Jones, em Hong Kong, durante a
Revolução Comunista Chinesa (para alguns comentaristas) ou a Guerra Civil na
China (para outros). Filme e trilha sonora foram imensíssimos sucessos
planetários, e a canção-tema mereceu incontáveis
gravações.
[3] 24/7/2012, People Daily, Pequim, em: “US Treasury bonds
still China's best choice”
[4] 24/7/2012, Reuters,
Steven C. Johnson e Jonathan Cable em: “Europe,
U.S. economies struggle as China stabilizes”
[5] 24/7/2012, Bloomberg, Jeremy van Loon em: “Canada
Shifts Toward China With $15 Billion Nexen Deal”
[6] 27/7/2012, Reuters, em: “China-Canada
oil deal raises political hackles in Washington”
[7] 24/7/2012, Xinhuanet, Hou Jiansen em: “China
establishes Sansha City”
[8] 24/7/2012, Xinhuanet, Lu Hui em: “Chinese
president emphasizes healthy, stable China-U.S. relationship”
[9] 26/7/2012, China Daily,
Zheng Xiwen em: “Right
to decide own future”
MK
Bhadrakumar*
foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia Online e Indian
Punchline. É o filho mais
velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e
militante de Kerala.
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