3/7/2012, La Haine, Ernesto Gómez Abascal entrevista Ammar Al-Mussawi, diretor de Relações
Internacionais do Hezbollah, Líbano.
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Ernesto Gómez Abascal foi embaixador de Cuba em vários países do Oriente
Médio. É jornalista e escritor.
Ernesto
Gómes Abascal (EGA): Como o senhor avalia a situação atual na
região?
Ammar Al-Mussawi |
Ammar
Al-Mussawi (AM): Para
nós, no Hezbollah, a questão central sempre é a Palestina, a libertação da
Palestina e conseguir que esse povo irmão recupere a própria terra e seus
direitos legítimos.
O
que se vê nos últimos tempos na região segue os planos do imperialismo, do
sionismo e seus aliados, para desviar a atenção da Palestina e forçar que a
questão palestina passe para um segundo plano.
Independentemente
de problemas que realmente haja em alguns países, que provocaram tensões e
enfrentamentos internos – o que o ocidente chama ‘festivamente’ de “Primavera
Árabe”, termo com o qual não concordamos –, os EUA, os sionistas e seus aliados
estão provocando e promovendo conflitos e divisões de todos os tipos, que jogam
a favor dos interesses sionistas de Israel.
Aqueles
mesmos atores provocam e estimulam os enfrentamentos sectários: entre sunitas e
xiitas; entre muçulmanos e cristãos; com a minoria copta no Egito; com os curdos
nos países onde vivem. Onde não encontrem terreno fértil para provocar e
estimular confrontos religiosos, põem-se então a provocar e estimular lutas
tribais – como fizeram na Líbia. Interessa a eles aprofundar as divisões, não
promover qualquer entendimento ou qualquer paz. Interessa a eles que, em todas
as regiões, haja lutas internas, que enfraquecem os grupos locais que,
enfraquecidos, podem ser mais facilmente controlados. Assim, podem continuar a
tentar fazer avançar seu plano de dominar todo o Oriente Médio.
O
Hezbollah busca em primeiro lugar a unidade de todas as forças locais e
nacionais. A mobilização para a unidade é nossa escolha principal. Somos
contrários a qualquer tipo de sectarismo.
A
guerra de 2006 contra o Hezbollah no Líbano foi dirigida pelos EUA. Condoleeza
Rice, secretária de Estado, empenhou-se pessoalmente nos detalhes de como criar
ali a guerra, na certeza de que, em guerra, derrotaria o Hezbollah. Viajou muito
pela região, mas não conseguiram nos derrotar. De fato, aconteceu o contrário:
nós derrotamos Israel e os EUA. Perderam a batalha pelo Líbano. Temos imensa
capacidade de recuperação. Eles não. As derrotas pesam muito mais sobre eles, do
que sobre nós.
Acontece
o mesmo com os ataques criminosos e genocidas que movem contra Gaza. Se pudessem
destruir o Hamás, já teriam destruído. Os palestinos sempre se recuperam. Os
sionistas só se desgastam, cada vez mais.
Hoje,
o Hezbollah tem capacidade de resposta militar muito maior do que tinha quando
foi atacado por EUA e Israel. Se voltarem a nos atacar, responderemos. Podemos
responder e atacá-los com absoluta precisão em qualquer ponto do território
ocupado pelos sionistas. Eles sabem disso. Por isso, nunca mais voltaram a
atacar frontalmente o Hezbollah. Porque sabem que estamos em condições de
dar-lhes resposta demolidora.
EGA:
E sobre a Síria? O que seu partido pensa da situação na Síria?
AM: Agora,
é a Síria que enfrenta guerra movida contra o país pelos EUA. O objetivo é
sempre o mesmo: criar um novo Grande Oriente Médio controlado por EUA e Israel.
Por trás de tudo, está a ambição de controlar os recursos energéticos com vistas
ao século 21 – quando o gás natural passará a ter papel mais importante. Se se
observa o mapa, vê-se que a Síria é o caminho natural para levar até o
Mediterrâneo os gasodutos que partem das fontes de gás no Irã, no Iraque e no
Qatar, onde se localizam as principais reservas. Já se descobriram poços
importantes de gás também na Síria e no Líbano.
A
monarquia que governa o Qatar tem especial interesse nisso, e há enormes
reservas de gás no território qatari. A monarquia que governa o Qatar tem enorme
poder, porque ali está instalada a maior base dos EUA no Golfo. A rede de
televisão Al-Jazeera já foi convertida em porta-voz dos interesses mais
reacionários, do imperialismo e do sionismo. Todos esses grupos estão intervindo
abertamente na Síria. Por que não põem o mesmo empenho “democrático”, como
dizem, para defender os palestinos, que lutam contra o sionismo?
A
Arábia Saudita não faz diferente. Aqui no Líbano, em várias mesquitas,
recolhe-se dinheiro para ajudar a oposição na Síria: nunca fizeram nada de
semelhante, para ajudar a resistência palestina.
Quanto
à atual correlação de forças na Síria, entendemos que a situação não é simples,
mas que o governo sírio tem capacidade para resistir e derrotar os agressores.
Ano passado, quando começaram as ações terroristas, a oposição e os EUA diziam
que o governo de Assad cairia em três meses. Depois ,
falaram em seis
meses. Agora , já não se fala em prazos. A mais recente
avaliação da situação síria, feita pela inteligência de Israel, prevê que Assad
pode permanecer anos no poder.
Diferente
do que se viu acontecer na Líbia, as Forças Armadas sírias estão coesas e mantêm
plena capacidade de combate. Praticamente não há deserções, e as poucas
deserções que houve foram casos individuais, pessoais. O inimigo também não
conseguiu seduzir funcionários das embaixadas sírias. Por isso, precisamente,
depois de muito tentar subornar o pessoal diplomático sírio, os países da União
Europeia tomaram a decisão, apenas teatral, de expulsar os
embaixadores.
A
oposição síria, por sua vez, está muito dividida; e os EUA não conseguiram
promover qualquer união, cenográfica que fosse, apesar da muitas reuniões dos
chamados “amigos da Síria”. Há muitas diferenças de fundo, também, entre a
oposição que vive na Síria e a oposição que vive no exterior. A oposição dentro
da Síria não admite qualquer tipo de intervenção estrangeira; a oposição que
vive longe da Síria, ao contrário, pede a intervenção dos EUA. Além disso, na
oposição, todos lutam contra todos, porque todos querem comandar algum próximo
governo que venha a substituir o presidente Assad. A guerra contra Síria é prova
da hipocrisia e das duas línguas que falam Obama e os imperialistas: dizem que
combatem o terrorismo, mas, hoje, já estão aliados à Al Qaeda, aos salafistas e
a todos os tipos de terroristas e extremistas que cometem crimes na Síria.
EGA:
Que efeito tem, sobre o Líbano, o que está acontecendo na Síria?
AM: É
claro que o que acontece na Síria repercute no Líbano. O Hezbollah trabalha para
que, a partir do Líbano, não se prejudique a Síria, embora nem sempre seja
possível impedir que aconteça, porque o Movimento Futuro e 14 de março, dirigido
por Hariri, são inimigos da Síria e apoiam os grupos da oposição armada. Estamos
atuando com muita paciência e sabedoria, evitando na medida do possível a
confrontação. Mas se eles insistirem em levar as coisas a um ponto extremo, pode
acontecer a faísca que provoque o confronto. Tratamos de que se mantenha um
aceitável equilíbrio no plano político, buscando sempre um equilíbrio. Sabemos
que a correlação interna de força nos favorece muito, mas não perdemos de vista
que o objetivo fundamental é a resistência contra Israel e o sionismo.
EGA: E
qual é a posição dos países que têm fronteiras com a Síria?
AM: Os
demais países em torno
da Síria movem-se segundo seus interesses respectivos. A
Turquia tem ambições, mas também tem temores. Trabalharam muito para obter uma
Resolução, da ONU, que lhe dê cobertura para agir militarmente contra Damasco. A
oposição de Rússia e China [a qualquer intervenção externa na Síria] também tem
sido muito importante. A incursão do [jato] F-4 Phantom turco sobre
território sírio, que foi derrubado pela defesa antiaérea síria ao largo de
Lataquia, não foi casual, nem resultado de algum erro involuntário. Foi ato de
provocação e tentativa de testar as defesas sírias. Receberam resposta clara.
Rússia e Irã advertiram seriamente a Turquia e estão muito preocupados com a
fixação de uma base de radares norte-americanos em território turco.
Claro que a base não visa a proteger a Turquia.
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O governo turco também tem problemas internos e não conseguiu acordo interno para fazer guerra à Síria. Até os militares turcos estão divididos sobre isso.
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Na Jordânia, a monarquia trata a questão com cuidado. Teme que se agravem as contradições internas e que o conflito na Síria estenda-se para território da Jordânia. Por isso, não age abertamente. Mas está permitindo que as Forças Especiais dos EUA e da Grã-Bretanha usem território da Jordânia como campo de treinamento para grupos da oposição síria.
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O governo do Iraque apoia a Síria, apoia o governo de Bashar al Assad, mas a fronteira é muito extensa, difícil de controlar e pela fronteira podem passar elementos da oposição.
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O Irã sempre apoiou a Síria, são países aliados. E a Rússia também está dando total apoio à Síria.
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Israel, segundo nossa opinião, não se envolverá no conflito sírio, pelo menos diretamente, porque não lhe convém.
Em
resumo, o Hezbollah tem opinião otimista sobre a Síria. Mas sabemos que a luta
será longa e complexa.
EGA: O
Egito é país muito importante. Como o Hezbollah vê a evolução da situação no
Egito, depois das eleições?
AM: Sobre
o Egito e os resultados das eleições, está muito claro que os EUA andaram
trabalhando muito para salvar o que conseguissem salvar, do regime deposto. Os
elementos do Conselho Militar, muito comprometidos com os interesses dos EUA,
conseguiram impor condições para limitar o poder do presidente e dos Irmãos da
Fraternidade Muçulmana. Impuseram várias condições, leis e decretos, para manter
os principais instrumentos do poder em mãos dos militares e impedir que o
presidente e o parlamento eleitos possam fazer mudanças significativas nas
principais esferas como, por exemplo, a política externa, a economia e a defesa.
O Hezbollah tem tido contato com os Irmãos da Fraternidade Muçulmana e temos
dito que devem buscar a unidade, unindo todas as forças patrióticas.
Apoiamos
a ideia de formar um governo de unidade nacional. Chegar à presidência não
significa obter o poder. Ter a maioria parlamentar também não significa ter
poder. Para produzir mudanças a favor dos interesses do povo, é preciso fazer
uma verdadeira revolução, e isso não é possível, se permanecem, nas instituições
e estruturas do poder, as mesmas forças que lá estavam nos governos anteriores.
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