8/7/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online - THE ROVING
EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Comecemos ao estilo marreta. O Irã
não vai rachar. O Irã não vai rachar. O Irã não rachará.
Mas nem à marreta se consegue
perfurar a carapaça de fantasia que envolve a elite dos EUA, que numa incansável
campanha de propaganda tenta vender como “a comunidade
internacional”.
Veja-se, por exemplo, essa simples
coluna de jornal, na qual se descobre que “a comunidade internacional está agora
à espera de rachaduras na posição desafiadora de Teerã: mais sanções forçarão
Teerã a fazer reais concessões e admitir uma solução diplomática para o
impasse?” [1]
Resposta curta: NÃO.
Aviso aos não iniciados: “comunidade
internacional” não é o conglomerado CCGOTAN plus Israel. Não apenas os
BRICS, grupo das potências emergentes, mas também os mais de 110 membros do
Movimento dos Não Alinhados (MNA) – quer dizer, a absoluta maioria de uma
verdadeira “comunidade internacional” – estão horrorizados com o modo como é
tratado o Irã, como pária, nas negociações com o P5+1, os cinco membros
permanentes do Conselho de Segurança da ONU plus Alemanha.
A coluna prossegue, observando que
“os iranianos não aproveitaram a chance” (na essência, de submeter-se à
diplomacia “desista e morra” que Washington tenta aplicar ao Irã, nas
negociações nucleares em curso). “Em vez disso, os iranianos exigem
reconhecimento de seu direito de enriquecer”. (É claro que o Irã tem todo o
direito de enriquecer urânio – como signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear, TNP).
O que torna especial essa coluna e
que não é assinada por algum neoconservador pirado. É assinada por “professora
de questões internacionais da Kennedy
School da Universidade de Harvard, ex-vice conselheira de Segurança Nacional
e membro do Conselho de Relações Exteriores”. Se é medida do nível de debate
intelectual em curso na porta giratória em que se misturam academia, colunismo
de jornal e políticos, só resta às elites nos EUA temer o futuro como se temeu a
peste bubônica.
Veja onde pisa
De volta ao mundo real – onde os
fatos desmentem os delírios.
A Rússia é a favor de uma “abordagem
passo a passo” nas negociações nucleares em curso. Significa que o Irã aumentará
gradualmente a cooperação com a Agência Internacional de
Energia Atômica (AIEA) e, em troca, as sanções serão gradualmente
revogadas.
Examinem detida e atentamente o
documento que se lê [em inglês] em “Iran
Nuclear Talks With 5+1” , vazado no início da semana pela
missão diplomática do Irã na ONU. Ali está a essência da posição do Irã, que
fala de “cooperação de longo prazo”, a qual pode vir a derrubar a muralha de
desconfiança que separa EUA e Irã desde 1979.
Qualquer
observador e participante informado sabe que esse interminável drama geopolítico
vai muito além do dossiê nuclear do Irã. Mas qualquer solução tem de começar de
algum ponto – e o “algum ponto” é o reconhecimento do direito do Irã a
enriquecer urânio; depois disso, trata-se do afrouxamento paulatino das sanções.
É exatamente a “abordagem passo a
passo” racional que Moscou apoia. O penúltimo passo seria “um acordo amplo sobre
compromissos coletivos nas áreas econômica, política, de segurança e de
cooperação internacional”.
Significa reconhecer os direitos e a
soberania do Irã – em vez de demonizar e castigar o Irã porque o conglomerado
CCGOTAN plus Israel detesta/teme uma República Islâmica de maioria
xiita.
Ninguém precisa de poltrona estofada
de empregado da Escola Kennedy de Governo para ver que a resposta de Washington
será um retumbante “não”. Washington, Londres, Paris e Berlim – mas não Moscou e
Pequim – evitarão que as negociações cheguem a algum lugar, se o Irã não abdicar
do enriquecimento do urânio.
Charge do Bira |
Passa
a ser crucialmente importante voltar ao dia 17/5/2010, quando Brasil, Turquia e
Irã, depois de 18 horas ininterruptas de trabalho diplomático em Teerã, chegaram
a um acordo: o Irã enviaria seu urânio baixo-enriquecido para a Turquia e
receberia combustível nuclear para um reator de pesquisas.
Hillary Clinton |
Até alguns países árabes – incluídos
aí membros do CCG – foram favoráveis àquele acordo, além de Paris. Moscou e
Pequim mantiveram um pé atrás – porque lhes parecia que o Irã abdicava de
direitos assegurados pelo TNP. Seja como for, no dia seguinte a secretária de
Estado Hillary Clinton torpedeou o acordo – essencialmente porque permitia que o
Irã continuasse a enriquecer urânio.
Atores
rachados
Washington foi soft
em relação ao
Iraque , durante mais de uma década: só sanções
linha-super-duríssima, antes de conseguir disparar a operação “Choque e Pavor” e
acabar de destruir uma nação já completamente debilitada e fragmentada. Por mais
que insistam os cegos desejantes que esbravejam e batem cabeça envoltos na
neblina em que vivem os neoconservadores e os falsos liberais, essa “estratégia”
não funcionará no Irã.
Apesar
de o Irã estar vendendo menos petróleo, e ainda que esteja, de fato, banido do
sistema financeiro internacional, Teerã encontrará meios para contornar as novas
sanções e o embargo ao petróleo impostos pela União Europeia, e o preço do
petróleo será puxado para cima. A China continuará como firme compradora de
petróleo – pagando menos (em yuan) pelo petróleo iraniano, mas comprando maiores
quantidades. A Eurozona não rachará – não, pelo menos, por hora – o que implica
que a demanda por petróleo não cairá.
Sobretudo, o Majlis
(Parlamento) iraniano está às vésperas de aprovar a lei que autorizará inspeções
de todos os navios-petroleiros que passem pelo Estreito de Ormuz em viagem para
países que participem do embargo. Mesmo que não passem de inspeções policiais de
rotina, o principal efeito será mais um aumento no preço do petróleo. A
principal vítima será – mais uma vez – a União Europeia, confirmando a infinita
capacidade de Bruxelas para agir contra os interesses nacionais dos
estados-membros.
Se
se cruzam os artigos de Kaveh Afrasiabi (5/7/2012, Iran's Persian Gulf gambit
takes shape/O gambito do Irã no Golfo Persa toma forma
[2]) e de Chris Cook (4/7/2012,
Introducing the E-3/O “E-3” [3]: Apresentação [4]), neste Asia Times Online,
surgem mais inúmeras vias para explorar dimensões inexploradas de “O Irã não vai
rachar”.
O governo Obama tem de tomar uma
decisão no mundo real, uma via ou outra: ou a escola de diplomacia “desista e
morra”, ou negociação às veras. Tratar o Irã como se fosse estado pária só
igualará o governo Obama ao governo Bush – cuja operação “Choque e Pavor”
resultou no que hoje se vê: Bagdá firmemente aliada a Teerã (e os EUA não se
transformaram em “nova OPEP”, como Paul Wolfowitz, pregador de guerras e mais
guerras, “previu” que aconteceria).
Mas tudo isso some do cenário, se se
vêem Irã, Rússia e China já negociando energia em outras moedas (como já fazem):
é o começo do fim do petrodólar como pilar da política global de energia; é o
começo do fim também, portanto, da hegemonia dos EUA. A turma de “especialistas”
que esperam que o Irã rache tem de voltar à escola e recomeçar os estudos.
Notas de
rodapé
[2] 6/7/2012 Asia Times Online, Kaveh L Afrasiabi em:
“Iran's Persian
Gulf gambit takes shape”
[3] “E-3” é nova sigla proposta para um novo grupo
global no qual se estão unindo: os dois maiores produtores de energia do mundo
(Irã e Rússia) e o país cujo consumo de energia cresce mais rapidamente hoje, no
mundo: a China.
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