29/7/2012, Abid Mustafa, The Frontier Post (Peshawar, Lahore,
Islamabad, Karachi, Quetta) “American and NATO
misadventures”
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
“O
ocidente já fracassou no Afeganistão, como os soviéticos fracassaram nos anos
1980s e os britânicos antes, no século 19” (John
Humphrys)
Depois de lutar por mais de uma década no Afeganistão, os EUA ainda não mostraram ganhos notáveis, no que não passa de ocupação brutal do país. Mas, apesar das evidências, ainda há estrategistas norte-americanos que insistem incansavelmente em argumentar contra os fatos, e dizem que os EUA alcançaram o objetivo básico que os levou até lá, e que seria fincar umas poucas bases militares no Afeganistão para conter a Rússia, a China e o futuro estado do Califato, e assim marcar alguma supremacia dos EUA na Eurásia.
Abib Mustafa |
Fato
é que esse objetivo delirante, se se o confronta com a realidade em campo,
parece hoje tão remoto como no início e não pode ser apresentado como algum tipo
de realização. Bem ao contrário, a instabilidade sempre crescente no Afeganistão
não apenas ameaça a própria viabilidade desses objetivos estratégicos; mais
importante que isso, levanta questões sobre por quanto tempo mais os EUA
suportarão continuar presos no labirinto afegão em que se meteram, obrigados a
relatar (ou a esconder) fracasso após fracasso.
Várias
pistas que levam a essa conclusão apareceram bem claras na reunião de cúpula da
OTAN, em Chicago, em maio passado. Falando sobre os Talibã, a nêmese dos EUA,
que aparece e reaparece sempre por todos os lados, o presidente dos EUA admitiu
simploriamente que são inimigos endurecidos na luta; que cada eventual conquista
da OTAN pode sempre ser revertida.
O presidente Obama disse: “Os Talibã ainda são inimigo
robusto, e os ganhos são ainda frágeis. Mas pensem bem. Estamos lá há dez anos.
Dez anos num país muito diferente, é desgastante, não só para nosso pessoal, mas
também para aquele país que, em algum momento, se tornará muito sensível à
questão da própria soberania.”[1]
A
questão é clara: de quanto tempo mais precisa a única superpotência do planeta,
com o armamento mais sofisticado do mundo, para derrotar um exército de
maltrapilhos de não mais que 25 mil almas? Os EUA não reuniram sob seu comando
400 mil soldados – sem contar as dezenas de milhares de mercenários contratados
e pagos – dos dois lados da fronteira Afeganistão-Paquistão? Depois de anos e
anos de guerra, os EUA ainda não conseguiram derrotar o inimigo que eles mesmos
escolheram.
Com
poucas armas e muito menos soldados que os EUA e OTAN, os Talibã, como qualquer
um vê, já provaram que são bem mais que “inimigo robusto”.
Igualmente
inescapável é a evidência de que foram precisos vários anos para que os EUA
aceitassem que a OTAN não faz guerra só contra os Talibã, mas faz guerra também
contra o povo afegão. A referência à evidência de que o Afeganistão “em algum
momento, se tornará muito sensível à questão de sua soberania” equivale a o
presidente Obama admitir que a OTAN já enfrenta resistência popular que supera
as divisões étnicas e mobiliza tradicionais lealdades tribais.
Outro
fiasco da guerra dos EUA no Afeganistão é o custo exorbitante, que pesa
insuportavelmente sobre o orçamento da Defesa, e peso que foi exacerbado pela
crise econômica iniciada em 2008. Os EUA já consumiram cerca de $550 bilhões na
guerra afegã, desde 2001.
Outro
estado membro da OTAN, a Grã-Bretanha, consumiu na região cerca de $20 bilhões.
Pois mesmo assim, apesar de consumir esses bilhões de dólares dos contribuintes,
a OTAN tem bem pouco a mostrar: o governo de Karzai, corrupto até a medula, e
odiado pelos afegãos médios.
O
poder de Karzai não ultrapassa algumas áreas de Kabul, e em outras partes, onde
dá a impressão de existir, depende existencialmente dos exércitos ocupantes.
Segundo estimativas recentes, os Talibã controlam cerca de 80% do Afeganistão.
Isso provavelmente explica porque é tão difícil para a OTAN permanecer nos
territórios aos quais consegue chegar, mas dos quais sempre recua. Até aqui,
também falharam todas as tentativas para cooptar os Talibã com vistas a algum
tipo de solução política.
O Financial Times resumiu bem a
lastimável situação em que está o ocidente: “Há cinco anos os EUA recusavam-se a
falar com os Talibã. Agora os Talibã recusam-se a falar com os EUA. É medida de
o quanto mudaram as relações de poder no Afeganistão. A intervenção ocidental
fracassou.”[2]
Além de tudo isso, há o custo das vidas ceifadas pelos
exércitos da OTAN, que não pode ser aferido em termos monetários. Portanto, não
foi surpresa o comunicado conjunto distribuído ao final do encontro de Chicago,
no qual se expressa o manifesto desejo de todos os países da OTAN de fazerem
descer a cortina sobre sobre seu fracasso no Afeganistão. Lá se lia: “Depois de
dez anos de guerra e com a economia global em dificuldades, as nações do
ocidente já não desejam pagar, nem em dinheiro nem em vidas, os custos de seus
esforços em campo, num local que, há séculos resiste contra qualquer tentativa
estrangeira de controlá-lo [orig. to tame, verbo que pode ser
traduzido, até, por “domesticar”, “domar” ou, mesmo, “civilizar”
(NTs)]”. [3]
À
medida que se aproximam 2014 (data revista várias vezes) e a retirada da maioria
dos países da OTAN, os EUA e seus parceiros oportunistas, os britânicos, ambos,
mostram-se cada vez mais arrogantes, como se ainda não tivessem aprendido a
lição; e fazem planos para permanecer, além daquela data, onde não são
bem-vindos.
Ninguém
duvida que farão o que puderem para adiar o inevitável colapso do governo de
Karzai e tentar salvar a própria imagem com vistas ao seu público doméstico.
A
conclusão está escrita nos muros: EUA e OTAN marcham céleres para derrota
catastrófica. Façam o que fizerem para mascarar seus fracassos, o único sucesso
que a história guardará é terem unido e fortalecido os afegãos e seus irmãos, do
outro lado da fronteira, também no Paquistão, que hoje clamam pelo escalpo da
Pax-Americana
e pelo golpe final, devastador, que porá fim à primeira missão que a OTAN
tentou na Eurásia.
Notas
dos tradutores
[1] 21/5/2012, Presidente Barack Obama, Conferência de Imprensa, transcrição, CNN.
[1] 21/5/2012, Presidente Barack Obama, Conferência de Imprensa, transcrição, CNN.
[3] 21/5/2012, New York
Times, HELENE COOPER e MATTHEW ROSENBERG em:“NATO
Agrees on Afghan Security Transition in 2013”
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