Publicado em 17/07/2012 por Mário
Augusto Jakobskind*
Não é de hoje que vários
pensadores sérios estudam o mecanismo da manipulação da informação na mídia de
mercado. Um deles, o linguista Noam Chomsky, relacionou dez estratégias sobre o
tema.
Na verdade, Chomsky elaborou um
verdadeiro tratado que deve ser analisado por todos (jornalistas ou não) os
interessados no tema tão em voga nos dias de hoje em função da importância
adquirida pelos meios de comunicação na batalha diária de “fazer
cabeças”.
Vale a pena transcrever o quinto
tópico elaborado e que remete tranquilamente a um telejornal brasileiro de
grande audiência e em especial ao apresentador.
O tópico assinala que o
apresentador deve “dirigir-se ao público
como criaturas de pouca idade ou deficientes mentais. A maioria da publicidade
dirigida ao grande público utiliza discursos, argumentos, personagens e
entonação particularmente infantil, muitas vezes próxima da debilidade, como se
o espectador fosse uma pessoa de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto
mais se tenta enganar o espectador, mais se tende a adotar um tom
infantil”.
E prossegue Chomsky indagando o
motivo da estratégia. Ele mesmo responde: “se alguém se dirige a uma pessoa como se ela
tivesse 12 anos ou menos, então, por razão da sugestão, ela tenderá, com certa
probabilidade, a uma resposta ou reação também desprovida de um sentido crítico
como a de uma pessoa de 12 anos ou menos”.
Alguém pode estar imaginando que
Chomsky se inspirou em William Bonner, o apresentador do Jornal Nacional que
utiliza exatamente a mesma estratégia assinalada pelo linguista.
Mas não necessariamente, até
porque em outros países existem figuras como Bonner, que são colocados na função
para fazer exatamente o que fazem, ajudando a aprofundar o esquema do pensamento
único e da infantilização do telespectador.
De qualquer forma, o que diz
Chomsky remete a artigo escrito há tempos pelo professor Laurindo Leal Filho
depois de ter participado de uma visita, juntamente com outros professores
universitários, a uma reunião de pauta do Jornal Nacional comandada por
Bonner.
Laurindo informava então que na
ocasião Bonner dissera que em pesquisa realizada pela TV Globo foi identificado
o perfil do telespectador médio do Jornal Nacional. Constatou-se, segundo
Bonner, que “ele tem muita dificuldade
para entender notícias complexas e pouca familiaridade com siglas como o BNDES,
por exemplo. Na redação o personagem foi apelidado de Homer Simpson, um
simpático mas obtuso personagem dos Simpsons, uma das séries estadunidenses de
maior sucesso na televisão do mundo”.
Homer Simpson |
E prossegue o artigo observando
que Homer Simpson “é pai de família,
adora ficar no sofá, comendo rosquinhas e bebendo cerveja, é preguiçoso e tem o
raciocínio lento”.
Para perplexidade dos professores
que visitavam a redação de jornalismo da TV Globo, Bonner passou então a se
referir da seguinte forma ao vetar esta ou aquela reportagem: “essa o Homer não vai entender” e assim
sucessivamente.
A tal reunião de pauta do Jornal
Nacional aconteceu no final do ano de 2005. O comentário de Noam Chomsky é
talvez mais recente. É possível que o linguista estadunidense não conheça o
informe elaborado por Laurindo Leal Filho, até porque depois de sete anos caiu
no esquecimento. Mas como se trata de um artigo histórico, que marcou época, é
pertinente relembrá-lo.
De lá para cá o Jornal Nacional
praticamente não mudou de estratégia e nem de editor-chefe. Continua manipulando
a informação, como aconteceu recentemente em matéria sobre o desmatamento na
Amazônia, elaborada exatamente para indispor a opinião pública contra os
assentados.
Dizia a matéria que os
assentamentos são responsáveis pelo desmatamento na região Amazônica, mas
simplesmente omitiu o fato segundo o qual o desmatamento não é produzido pelos
assentados e sim por grupos de madeireiros com atuação ilegal.
Bonner certamente orientou a
matéria com o visível objetivo de levar o telespectador a se colocar contra a
Reforma Agrária, já que, na concepção manipulada da TV Globo, os assentados
violentam o meio ambiente.
Em suma: assim caminha o
jornalismo da TV Globo. Quando questionado, a resposta dos editores é acusar os
críticos de defenderem a censura. Um argumento que não se sustenta.
A propósito, o jornal O Globo está
de marcação cerrada contra o governo de Rafael Correa , do Equador, acusando-o
de restringir a liberdade de imprensa. A matéria mais recente, em tom crítico,
citava como exemplo a não renovação da concessão de algumas emissoras de rádio
que não teriam cumprido determinações do contrato.
Enquete realizada em maio/2012 |
As Organizações Globo e demais
mídias filiadas à Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) raciocinam como se
os canais de rádio e de televisão fossem propriedade particular e não concessões
públicas com normas e procedimentos a serem respeitados.
Em outros termos: para o patronato
associado à SIP quem manda são os proprietários, que podem fazer o que quiserem
e bem entenderem sem obrigações contratuais.
No momento em que o Estado fiscaliza
e cobra procedimentos, os proprietários de veículos eletrônicos de comunicação
saem em campo para denunciar o que consideram restrição à liberdade de imprensa.
Os governos do Equador, Venezuela,
Bolívia e Argentina estão no índex do baronato midiático exatamente porque
cobram obrigações contratuais. Quando emissoras irregulares não têm as
concessões renovadas, a chiadeira do patronato é ampla, geral e
irrestrita.
Da mesma forma que O Globo no Rio
de Janeiro, Clarin na Argentina, El Mercúrio no Chile e outros editam matérias
com o mesmo teor, como se fossem extraídas de uma mesma matriz
midiática.
Mário Augusto Jakobskind* é correspondente no Brasil do semanário uruguaio
Brecha. Foi colaborador do Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor
internacional da Tribuna da Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário
Brasil de Fato. É autor, entre outros livros, de América que não está na mídia,
Dossiê Tim Lopes - Fantástico/IBOPE.
Enviado por Direto
da Redação
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