quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A “crise do capitalismo global” – Crise de quem? Quem lucra?


James Petras
por James Petras [*]

Desde o Financial Times até a extrema-esquerda, toneladas de tinta têm sido gastas a escrever acerca de alguma variante da “Crise do capitalismo global”. Se bem que os autores divirjam quanto às causas, consequências e curas, de acordo com as suas luzes ideológicas, há um acordo comum em que “as crises” ameaçam acabar o sistema capitalista tal como o conhecemos.

Não há dúvida de que, entre 2008 e 2009, o sistema capitalista na Europa e nos Estados Unidos sofreu um choque severo que abalou os fundamentos do seu sistema financeiro e ameaçou levar à bancarrota seus “setores principais”.

Contudo, argumentarei que as “crises do capitalismo” foram transformadas em “crises do trabalho”. O capital financeiro, o principal detonador do crash e da crise, recuperou-se, a classe capitalista como um todo foi fortalecida e, acima de tudo, ela utilizou as condições políticas, sociais e ideológicas criadas em resultado das “crises” para mais uma vez consolidar sua dominação e exploração sobre o resto da sociedade.

Por outras palavras, a “crise do capital” foi convertida numa vantagem estratégica para promover os interesses mais fundamentais do capital: a expansão de lucros, a consolidação do domínio capitalista, a maior concentração da propriedade, o aprofundamento de desigualdades entre capital e trabalho e a criação de enormes reservas de trabalho para promover o aumento dos seus lucros.

Além disso, a noção de uma crise global homogênea do capitalismo passa por alto as profundas diferenças em desempenho e condições entre países, classes e grupos etários.

Porta giratória: privado-público-privado.
A porta giratória do Público para o Privado

 A tese da crise global: O argumento econômico e social

Os advogados da crise global argumentam que começando em 2007 e continuando até o presente, o sistema capitalista mundial entrou em colapso e a recuperação é uma miragem. Eles mencionam a estagnação e a recessão contínua na América do Norte e na Eurozona. Eles apresentam dados do PIB que variam entre o crescimento negativo e o zero. A sua argumentação é apoiada por dados que mencionam dois dígitos de desemprego em ambas as regiões. Frequentemente corrigem os dados oficiais que minimizam a percentagem desempregada através da exclusão de trabalhadores desempregados em tempo parcial e a longo prazo. O argumento da “crise” é fortalecido com a citação dos milhões de proprietários de casas que foram despejados pelos bancos, pelo aumento agudo da pobreza e da penúria que acompanha perdas de emprego, reduções de salário e a eliminação ou redução de serviços sociais. A “crise” também é associada ao aumento maciço de bancarrotas, principal de pequenos e médios negócios e bancos regionais.

A crise global: A perda de legitimidade

Críticos, especialmente na imprensa financeira, escrevem acerca de uma “crise de legitimidade do capitalismo” citando inquéritos que mostram maiorias substanciais a questionarem a justiça do sistema capitalista, as vastas e crescentes desigualdades e as regras manipuladas pelas quais bancos exploram a sua dimensão (“demasiado grande para falir”) a fim de atacar o Tesouro a expensas de programas sociais.

Em suma, os advogados da tese de uma “Crise global do capitalismo” apresentam uma argumentação convincente, demonstrando os efeitos profundos e generalizados do sistema capitalista sobre a vida da grande maioria da humanidade.

O problema é que uma “crise da humanidade” (mais especificamente dos trabalhadores assalariados) não é o mesmo que uma crise do sistema capitalista. De fato, como argumentaremos adiante, a adversidade social crescente, o declínio do rendimento e do emprego tem sido um factor importante que facilitou a recuperação rápida e maciça das margens de lucro da maior parte das corporações de grande dimensão.

Além disso, a tese de uma crise “global” do capitalismo combina economias, países, classes e grupos etários díspares com desempenhos agudamente divergentes em diferentes momentos históricos.

Crise global ou desenvolvimento irregular e desigual?

É absolutamente louco argumentar a existência de uma “crise global” quando várias das maiores economias na economia mundial não sofreram uma grande baixa de atividade e outras recuperaram-se e expandiram-se rapidamente. A China e a Índia não sofreram sequer uma recessão. Mesmo durante os piores anos do declínio europeu-estadunidense, os gigantes asiáticos cresceram a uma média de cerca de 8%. As economias da América Latina, especialmente os maiores exportadores agro-minerais (Brasil, Argentina, Chile) com mercados diversificados, especialmente na Ásia, detiveram-se brevemente (em 2009) antes de assumirem crescimento moderado a rápido (entre 3% e 7%) entre 2010 e 2012.

Ao agregar dados econômicos da eurozona como um todo, os advogados da crise global ignoraram as enormes disparidades de desempenho dentro da zona. Enquanto a Europa do Sul afunda-se numa depressão profunda e constante, por qualquer medida, desde 2008 até o futuro previsível, as exportações alemãs em 2011 estabeleceram um recorde de um milhão de milhões (trilhão) de euros; seu excedente comercial atingiu 158 bilhões de euros, depois de excedentes de 155 bilhões de euros em 2010. (BBC News, Feb. 8 2012).

Enquanto o desemprego agregado da eurozona atinge os 10,4%, as diferenças internas desafiam qualquer noção de uma “crise geral”. O desemprego na Holanda é 4,9%, na Áustria 4,1% e na Alemanha 5,5% com reclamações do patronato de escassez de trabalho qualificado em setores chave para o crescimento. Por outro lado, no explorado Sul da Europa o desemprego caminha para níveis de depressão, Grécia 21%, Espanha 22,9%, Irlanda 14,5% e Portugal 13,6% (FT 1/19/12, p.7). Por outras palavras, “a crise” não afeta adversamente algumas economias, que, de fato, lucram com a sua dominação de mercado e fortaleza tecno-financeira em relação a economias dependentes, devedoras e atrasadas. Falar de uma “crise global” obscurece as relações fundamentais dominantes e exploradoras que facilitam a “recuperação” e o crescimento das economias de elite sobre e contra os seus competidores e estados clientes. Além disso, os teóricos da crise global erradamente amalgamam economias financeiro-especulativas cavalgadas pela crise (EUA, Inglaterra) com economias produtivas exportadoras (Alemanha, China).

O segundo problema com a tese de uma “crise global” é que ela ignora profundas diferenças internas entre grupos etários. Em vários países europeus a juventude desempregada (16-25) chega a estar entre 30 e 50% (Espanha 48,7%, Grécia 47,2%, Eslováquia 35,6%, Itália 31%, Portugal 30,8% e Irlanda 29%) ao passo que na Alemanha, Áustria e Holanda o desemprego juvenil vai dos 7,8% para a Alemanha, 8,2% para a Áustria e 8,6% para a Holanda ( Financial Times 2/1/12, p2).

Estas diferenças fundamentam a razão porque não há um “movimento juvenil global” de “indignados” e “ocupantes”. Diferenças de cinco vezes entre juventude desempregada não são propícias à solidariedade “internacional”. A concentração dos números do alto desemprego juvenil explica o desenvolvimento desigual dos protestos de rua em massa centrados especialmente no Sul da Europa. Também explica porque o movimento “anti-globalização” no Norte euro-americano é, em grande parte, um fórum sem vida que atrai explicações acadêmicas pomposas sobre a “crise capitalista global” e a impotência dos “Fóruns sociais” que são incapazes de atrair milhões de jovens desempregados do Sul da Europa. Eles são mais atraídos para a ação direta. Teóricos globalistas ignoram o modo específico pelo qual a massa de jovens trabalhadores desempregados é explorada nos seus países dependentes cavalgados pela dívida. Eles ignoram o modo específico pelo qual são dominados e reprimidos por partidos capitalistas de centro-esquerda e de direita. O contraste é mais evidente no Inverno de 2012. Trabalhadores gregos são pressionados a aceitar um corte de 20% nos salários mínimos ao passo que trabalhadores da Alemanha estão a exigir um aumento de 6%.

Se a “crise” do capitalismo se manifesta em regiões específicas, ela igualmente afeta diferentes setores etários/raciais das classes assalariadas. As taxas de desemprego da juventude aos trabalhadores mais velhos variam enormemente.

Na Itália a proporção é 3,5/1, na Grécia 2,5/1, em Portugal 2,3/1, na Espanha 2,1/1 e na Bélgica 2,9/1. Na Alemanha é 1,5/1 (FT 2/1/12). Em outras palavras; devido aos níveis de desemprego mais altos entre os jovens, eles têm maior propensão para a ação direta “contra o sistema”; ao passo que trabalhadores mais velhos com níveis de emprego mais altos (e benefícios de desemprego) têm mostrado uma maior propensão para confiar na urna eleitoral e comprometer-se em greves limitadas sobre questões relacionadas com o emprego e o pagamento. A vasta concentração do desemprego entre jovens trabalhadores significa que eles constituem o “núcleo disponível” para a ação constante; mas também significa que só podem alcançar limitada unidade de ação com a classe trabalhadora mais velha que experimenta desemprego de um algarismo.

Contudo, também é verdadeiro que a grande massa da juventude desempregada proporciona uma arma formidável, nas mãos dos patrões, para ameaçar substituir trabalhadores empregados mais velhos. Hoje, os capitalistas recorrem constantemente à utilização dos desempregados para reduzir salários e benefícios e intensificar a exploração (batizada como “aumento de produtividade”) para aumentar margens de lucro. Longe de serem simplesmente um indicador da “crise capitalista”, os altos níveis de desemprego têm servido juntamente com outros fatores par aumentar a taxa de lucro, acumular rendimento, ampliar desigualdades de rendimento as quais aumentam o consumo de bens de luxo para a classe capitalista: as vendas de automóveis e relógios de luxo estão florescentes.

Crise de classe: A contra-tese

Contrariando os teóricos da “crise capitalista global”, emergiu uma quantidade substancial de dados que refuta suas suposições. Um estudo recente informa: “Lucros corporativos estadunidenses estão mais altos em proporção do produto interno bruto do que em qualquer momento desde 1950” (FT 1/30/12). Os saldos de caixa de companhias dos EUA nunca foram maiores, graças à exploração intensificada dos trabalhadores e a um sistema de salários multi-estratificado no qual novos contratados trabalham por uma fração do que os trabalhadores mais velhos recebiam (graças a acordos assinados por líderes sindicais capachos).

Os ideólogos da “crise do capitalismo” ignoraram os relatórios financeiros das principais corporações estadunidenses. Segundo o relatório de 2011 da General Motors destinado aos seus acionistas, eles celebraram o maior lucro de sempre, revelando um lucro de US$7,6 bilhões, o que ultrapassa o recorde anterior de US$6,7 mil milhões em 1997. Uma grande parte destes lucros resulta do congelamento dos seus fundos de pensão subfinanciados e da extração de maior produtividade do menor número de trabalhadores – por outras palavras, da intensificação da exploração – e do corte pela metade dos salários horários dos novos contratados. (Earthlink News 2/16/12)

Além disso, a importância agravada da exploração imperialista é evidente pois a proporção de lucros das corporações estadunidenses que é extraída além-mar mantém-se em ascensão a expensas do crescimento do rendimento dos empregados.

Em 2011, a economia dos EUA cresceu em 1,7%, mas a mediana dos salários caiu em 2,7%. Segundo a imprensa financeira, “as margens de lucro das S&P 500 saltaram de 6% para 9% do PIB nos últimos três anos. A última vez que foi alcançada tal proporção foi há três gerações. Em linha gerais um terço, a fatia estrangeira destes lucros, mais do que duplicou desde 2000” (FT 2/13/12 P9. Se isto é uma “crise capitalista”, então quem é que precisa de um boom capitalista?

Inquéritos a corporações de topo revelam que companhias estadunidenses possuem US$1,73 trilhões em cash, “os frutos do recorde de altas margens de lucro” (FT 1/30/12 p.6). Estas margens de lucro recorde resultam de demissões em massa, as quais levaram à intensificação da exploração dos restantes trabalhadores. Taxas de juros federais desprezíveis e acesso fácil ao crédito também permitem aos capitalistas explorarem amplos diferenciais entre a contração de empréstimos e a concessão dos mesmos e o investimento. Impostos mais baixos e cortes em programas sociais resultam numa crescente acumulação de cash das corporações. Dentro da estrutura corporativa, o rendimento vai para o topo onde executivos seniores pagam a si próprios bônus enormes. Dentre as principais corporações S&P 500 a proporção de rendimento que vai para dividendos de acionistas é a mais baixa desde 1900 (FT 1/30/12, p.6).

Uma crise capitalista real afetaria adversamente margens de lucro, ganhos brutos e a acumulação de cash. Lucros ascendentes estão sendo amontoados porque quando capitalistas se aproveitam da exploração intensa o consumo das massas estagna.

Os teóricos da crise confundem o que é claramente a degradação do trabalho, a degradação das condições de vida e de trabalho e mesmo a estagnação da economia, com uma “crise” do capital: quando a classe capitalista aumenta suas margens de lucros, arrecada milhões de milhões, ela não está em crise. O ponto-chave é que a “crise do trabalho” é um grande estímulo para a recuperação de lucros capitalistas. Não podemos generalizar de uma para a outra. Não há dúvida de que houve um momento de crise capitalista (2008-2009), mas graças à maciça transferência de riqueza, sem precedentes no estado capitalista, do tesouro público para a classe capitalista – bancos da Wall Street em primeiro lugar – o setor corporativo recuperou, ao passo que os trabalhadores e o resto da economia permaneceu em crise, foi à bancarrota e ficou sem trabalho.

Da crise à recuperação de lucros: 2008/9 a 2012

A chave para a “recuperação” de lucros corporativos tem pouco a ver com o ciclo de negócios e tudo com a tomada de poder em grande escala da Wall Street e a pilhagem do Tesouro dos EUA. Entre 2009-2012 centenas de antigos executivos da Wall Street, administradores e conselheiros de investimento apoderaram-se de todas as principais posições decisiva no Departamento do Tesouro e canalizaram milhões de milhões de dólares para os cofres das principais financeiras e corporações. Eles intervieram em corporações financeiramente perturbadas, como a General Motors, impondo grandes cortes salariais e demissões de milhares de trabalhadores.

Os homens da Wall Street no Tesouro elaboraram a doutrina do “Demasiado grande para falir” a fim de justificar a transferência maciça de riqueza.

A totalidade do edifício especulativo construído em parte por um aumento de 234 vezes no volume de transações cambiais entre 1977-2010 foi restaurado (FT 1/10/12, p.7). A nova doutrina argumentou que a primeira e principal prioridade do estado é devolver a lucratividade ao sistema financeiro a qualquer custo para a sociedade, os cidadãos, os contribuintes e os trabalhadores. O “Demasiado grande para falir” é um repúdio completo dos mais básicos princípios do sistema capitalista de “mercado livre”: a ideia de que aqueles capitalistas que perdem arquem as consequências; que cada investidor ou presidente de empresa é responsável pela sua ação.

Os capitalistas financeiros já não precisam justificar sua atividade em termos de qualquer contribuição para o crescimento da economia ou da “utilidade social”. De acordo com os que agora dominam a Wall Street deve ser salva porque é a Wall Street, mesmo se o resto da economia e o povo afundarem (FT 1/20/12, p.11).

Os salvamentos e financiamentos do estado são complementados por centenas de milhares de milhões em concessões fiscais, levando a défices fiscais sem precedentes e ao crescimento de desigualdades sociais maciças. O pagamento de um presidente de empresa (CEO) como um múltiplo do trabalhador médio passou de 24 para 1 em 1965 para 325:1 em 2010 (FT 1/9/12, p.5).

A classe dominante exibe a sua riqueza e poder com a ajuda conivente da Casa Branca e do Tesouro. Face à hostilidade popular à pilhagem do Tesouro pela Wall Street, Obama chegou ao fingimento de pedir ao Tesouro para impor um teto aos bônus de muitos milhões de dólares que os presidentes de bancos salvos concediam-se a si próprios. Os homens da Wall Street no Tesouro recusaram-se a impor a ordem executiva, os CEOs obtiveram milhares de milhões em bônus em 2011.

O presidente Obama continuou, pensando que enganava o público estadunidense com o seu gesto falso, enquanto arrecadava milhões de fundos de campanha junto à Wall Street!

A razão porque o Tesouro foi capturado pela Wall Street é que nas décadas de 1990 e 2000 os bancos se tornaram uma força dominante nas economias ocidentais. Sua fatia do PIB subiu drasticamente “de 2% na década de 1950 para 8% em 2010” (FT 1/10/12, p.7).

Hoje é “procedimento operacional normal” para o presidente nomear homens da Wall Street para todas as posições econômicas chave e é “normal” para estes mesmos responsáveis prosseguirem políticas que maximizam lucros da Wall Street e eliminam qualquer risco de fracasso, não importa quão aventureiros e corruptos sejam os seus praticantes.

A porta giratória: Da Wall Street para o Tesouro e retorno

A relação entre a Wall Street e o Tesouro tornou-se efetivamente uma “porta giratória”: da Wall Street para o Departamento do Tesouro para a Wall Street. Banqueiros privados assumem compromissos no Tesouro (ou são recrutados) para assegurar que todos os recursos e políticas que a Wall Street são concedidas com o máximo esforço, com o mínimo obstáculo de cidadãos, trabalhadores ou contribuintes.

Os homens da Wall Street no Tesouro dão a mais alta prioridade à sobrevivência, recuperação e expansão dos lucros da Wall Street. Eles bloqueiam quaisquer regulamentações ou restrições a bônus ou a repetições das fraudes do passado.

Os homens da Wall Street “ganham reputação” no Tesouro e então retornam ao setor privado em posições mais altas, como conselheiros sêniores e sócios. Uma nomeação no Tesouro é uma escada para subir na hierarquia da Wall Street. O Tesouro é um posto de abastecimento para a “Limusine da Wall Street: o ex homens da Wall Street enchem o tanque, verificam o óleo e então salvam para o assento da frente e correm para um emprego lucrativo, deixando o posto de abastecimento (público) pagar a conta.

Aproximadamente 774 responsáveis saíram do Tesouro entre Janeiro de 2009 e Agosto de 2011 (FT 2/6/12, p. 7). Todos eles proporcionaram “serviços” lucrativos para os seus futuros patrões da Wall Street, descobrindo uma grande maneira de re-entrar nas finanças privadas numa posição lucrativa mais alta.

Uma notícia no Financial Times Fev. 6, 2012 (p. 7) adequadamente intitulada “Manhattan Transfer” proporcionava ilustrações típicas da "porta giratória" Tesouro-Wall Street.

Ron Bloom passou de banqueiro júnior no Lazard para o Tesouro, ajudando a engendrar um salvamento de um bilhões de dólares da Wall Street e retornou ao Lazard como conselheiro sênior. Jake Siewert foi da Wall Street tornando-se ajudante principal do secretário do Tesouro Tim Geithner e então graduado na Goldman Sachs, tendo servido para solapar qualquer teto nos bônus da Wall Street.

Michael Mundaca, o sênior, maior responsável fiscal no regime Obama, veio da Street e então passou para um posto altamente lucrativo na Ernst and Young, uma firma corporativa de contabilidade, tendo ajudado a reduzir impostos corporativos durante o seu período no “gabinete público”.

Eric Solomon, um responsável fiscal sênior na infame isenção de impostos corporativos da administração Bush, fez a mesma comutação. Jeffrey Goldstein que Obama encarregou da regulação financeira e teve êxito em solapar exigências populares, retornou ao seu patrão anterior, Hellman and Friedman, com a adequada promoção pelos serviços prestados.

Stuart Levey que dirigiu as sanções da AIPAC contra políticas do Irã a partir da chamada “agência anti-terrorista” do Tesouro foi contratado como advogado geral pelo HSBC para defendê-lo de investigações de lavagem de dinheiro (FT 2/6/12, p. 7). Neste caso Levey passou da promoção dos objetivos de guerra de Israel para a defesa de um banco internacional acusados de lavar bilhões de dólares do cartel mexicano. Levey, a propósito, gastou tanto tempo insistindo na agenda iraniana de Israel que ignorou totalmente a lavagem de dinheiro dos cartéis mexicanos da droga com operações transfronteiriças durante quase uma década.

Lew Alexander, conselheiro sênior de Geithner na concepção do salvamento de 1 bilhão de dólares, é agora responsável sênior no Nomura, o banco japonês. Lee Sachs passou do Tesouro para o Bank Alliance (sua própria “plataforma de concessão de empréstimos”). James Millstein foi do Lazard para o Tesouro, salvou a seguradora AIG dirigida abusivamente por Greenberg e então estabeleceu a sua própria firma privada de investimento tomando consigo um conjunto de responsáveis do Tesouro bem conectados.

A “porta giratória” Goldman Sachs-Tesouro continua ainda hoje. Além do passado e atual chefes do Tesouro, Paulson e Geithner, Mark Patterson, antigo sócio da Goldman, foi recentemente nomeado “chefe de equipe” de Geithner. Tim Bowler, antigo administrador - diretor foi nomeado por Obama para chefe da divisão de mercados de capital.

Deveria ser perfeitamente claro que eleições, partidos e os bilhões de dólares de campanhas eleitorais têm pouco a ver com “democracia” e mais a ver com a seleção dos presidentes e dos legisladores que nomearão homens não eleitos da Wall Street para tomarem todas as decisões econômicas estratégicas para 99% dos americanos. Os resultados da porta giratória Wall Street-Tesouro são claros e proporcionam-nos uma estrutura para entender porque a “crise do lucro” desvaneceu-se e a crise do trabalho aprofundou-se.

Os “alcances políticos” da porta giratória

O conluio Wall Street-Tesouro (CWST) tem desempenhado um trabalho hercúleo e audacioso para o capital financeiro e corporativo. Face à condenação universal da Wall Street pela vasta maioria do público pelas suas fraudes, bancarrotas, perdas de empregos e arrestos hipotecários, o CWST apoiou publicamente os trapaceiros com um salvamento de um bilhão de dólares. Um movimento ousado face a isto, como se maiorias e eleições contassem para alguma coisa. Igualmente importante é que o CWTS lançou ao lixo toda a ideologia do “livre mercado” que justificava lucros dos capitalistas com base nos seus “riscos”, pela imposição do novo dogma do “demasiado grande para falir” pelo qual o tesouro do estado garante lucros mesmo quando capitalistas enfrentam a bancarrota, desde que sejam firmas de milhares de milhões de dólares. O CWST também jogou no lixo o principio capitalista da “responsabilidade fiscal” em favor de centenas de bilhões de dólares de isenções fiscais para a classe dominante corporativo-financeira, provocando déficits orçamentários recordes em tempo de paz e tendo então a audácia de culpar os programas sociais apoiados pelas maiorias populares. (Será de admirar que estes ex-responsáveis do Tesouro obtenham ofertas tão lucrativas no setor privado quando abandonam o gabinete público?)

Em terceiro lugar, o Tesouro e o Banco Central (Federal Reserve - Fed) proporcionam empréstimos a juros próximo de zero que garantem grandes lucros a instituições financeiras privadas as quais tomam emprestado a juro baixo do Fed e concedem empréstimos a juro alto (incluindo o Governo!) especialmente na compra de governos além mar e títulos corporativos. Eles recebem em qualquer lugar de quatro a dez vezes as taxas de juro que pagam. Em outras palavras, os contribuintes proporcionam um monstruoso subsídio à especulação da Wall Street. Com a condição acrescentada de que hoje estas atividades especulativas são agora assegurados pelo governo federal, sob a doutrina do “Demasiado grande para falir”.

Sob a ideologia da “recuperação da competitividade” a equipe econômica de Obama (desde o Tesouro até o Federal Reserve, o Departamento do Comércio e o do Trabalho) encorajaram o patronato a empenhar-se no mais agressivo acelerado (shedding) programa de demissões de trabalhadores da história moderna. A produtividade e a lucratividade aumentadas não é o resultado de “inovação” como proclamam Obama, Geithner e Bernache; é um produto de uma política de estado quanto ao trabalho que aprofunda a desigualdade pela manutenção de salários baixos e margens de lucro em ascensão. Menos trabalhadores a produzir menos mercadorias. Crédito barato e salvamentos para os bancos de bilhões de dólares e nenhum refinanciamento para casas e firmas de pequena e média dimensão que levam a bancarrotas, absorções (buyouts) e, nomeadamente, “consolidação”, maior concentração de propriedade. Como resultado o mercado de massa fica paralizado, mas os lucros corporativos e dos bancos alcançam níveis recorde. Segundo peritos financeiros, sob a “nova ordem” do CWST “os banqueiros são uma classe protegida que desfruta de bônus sem relação com o desempenho, enquanto confia no contribuinte para socializar suas perdas” (FT 1/9/12, p.5).

Em contraste, o trabalho, sob a equipe econômica de Obama, enfrenta a maior insegurança e a mais ameaçadora situação da história recente: “o que é inquestionavelmente novo é a ferocidade com que os negócios nos EUA sangram o trabalho agora que o pagamento dos executivos e os esquemas de incentivo estão ligados à objetivos de desempenho a curto prazo" (FT 1/9/2012, p. 5).

Consequências econômicas de políticas de estado

Por causa da captura pela Wall Street das posições estratégicas no governo quanto à política econômica podemos entender o paradoxo de margens de lucro recordes em meio à estagnação econômica. Podemos compreender porque a crise capitalista, pelo menos a curto prazo, foi substituída por uma profunda crise do trabalho. Dentro da matriz de poder da Wall Street-Departamento do Tesouro retornaram todas as velhas e corruptas práticas de exploração que levaram ao crash de 2008-2009: bônus multi-bilionários para banqueiros de investimento que conduziram a economia ao crash; bancos “a captarem rapidamente bilhões de dólares de produtos hipotecários empacotados que recordam a dívida fatiada e jogada aos dados que alguns (sic) culpam pela crise financeira” (FT 2/8/12, p.1). A diferença, hoje, é que estes instrumentos especulativos são agora garantidos pelo contribuinte (via Tesouro). A supremacia da estrutura financeira da economia estadunidense anterior à crise está em vigor em próspera ... “só” a força de trabalho dos EUA afundou no maior desemprego, declínio de padrões de vida, insegurança generalizada e profundo descontentamento.

Conclusão: O processo contra o capitalismo e pelo socialismo

A crise profunda de 2008-2009 provocou um jorro de questionamentos do sistema capitalista, mesmo entre muitos dos seus mais ardentes advogados a crítica abunda (FT 1/8/12 a 1/30/12).

“Reforma, regulamentação e redistribuição” era o cardápio de colunistas financeiros. Mas a classe dominante na economia e no governo não lhe presta atenção. Os trabalhadores são controlados por líderes sindicais capachos e falta-lhes um instrumento político. Os pseudo populistas de direita abraçam uma agenda pró capitalista ainda mais virulenta, clamando pela eliminação total de programas sociais e impostos corporativos. Dentro do estado verificou-se uma grande transformação que efetivamente esmagou qualquer ligação entre capitalismo e estado previdência, entre a tomada de decisões pelo governo e o eleitorado. A democracia foi reatada por um estado corporativo, fundamentado na porta giratória entre o Tesouro e a Wall Street, a qual canaliza riqueza pública para cofres dos financeiros privados. A brecha entre o bem-estar da sociedade e as operações da arquitetura financeira é definitiva.

A atividade da Wall Street não tem utilidade social, seus praticantes enriquecem-se sem atividade que os redima. O capitalismo demonstrou conclusivamente que prospera através da degradação de dezenas de milhões de trabalhadores e rejeita as súplicas infindáveis por reforma e regulamentação. O capitalismo real existente não pode ser arreado para elevar padrões de vida ou assegurar emprego livre do medo de demissões em grande escala, súbitos e brutais. O capitalismo, como experimentamos ao longo da última década e no futuro previsível, está em oposição polar à igualdade social, à tomada de decisões democráticas e ao bem-estar coletivo.

Lucros capitalistas recordes são ampliados pela pilhagem do tesouro publico, negando pensões e prolongando “trabalho até que você morra”, levando famílias à bancarrota com exorbitantes custos corporativos de medicina e educação.

Mais do que nunca na história recente, maiorias recordes rejeitam o domínio por e para os banqueiros e a classe dominante corporativa (FT 2/6/12, p. 6).

Desigualdades entre os 1% do topo e a base dos 99% atingiram proporções recordes. Presidentes de empresas ganham 325 vezes mais do que um trabalhador médio (FT 1/9/12, p.5).

Desde que o estado tornou-se um “fundamento” da economia dos predadores da Wall Street, e desde que a “reforma” e regulamentação fracassaram tristemente, é tempo de considerar uma transformação sistêmica fundamental que abra caminho a uma revolução política a qual forçosamente expulsará as elites financeiras e corporativas não eleitas que dirigem o estado para os seus próprios exclusivos interesses. A totalidade do processo político, incluindo eleições, está profundamente corrompida: cada nível de gabinete tem o seu próprio preço inflacionado. A atual disputa presidencial custará US$2 a US$3 bilhões de dólares para determinar qual dos servidores da Wall Street presidirá sobre a porta giratória.

O socialismo já não é a palavra assustadora do passado. O socialismo envolve a reorganização em grande escala da economia, a transferência de milhões de milhões dos cofres das classes predadoras de nenhuma utilidade social para o bem-estar público. Esta mudança pode financiar uma economia produtiva e inovadora baseada no trabalho e no lazer, no estudo e no desporto. O socialismo substitui o terror diário da demissão pela segurança que traz confiança, segurança e respeito ao lugar de trabalho.

A democracia no lugar de trabalho está no cerne da visão de socialismo do século XXI. Começamos por nacionalizar os bancos e eliminar a Wall Street. As instituições financeiras são redesenhadas para criar emprego produtivo, servir o bem-estar social e preservar o ambiente.

O socialismo começaria a transição, de uma economia capitalista dirigida por predadores e trapaceiros e um estado sob o seu comando, rumo a uma economia de propriedade pública sob controle democrático.

[*] O seu livro mais recente é The Arab Revolt and the Imperialist Counter Attack, Clarity Press, 2012, 2ª edição.

O artigo original, em inglês, encontra-se em The “Global Crises of Capitalism”; Whose Crises, Who Profits?   
Esta tradução foi extraída de: Resistir  

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