Alfredo esperando adversário numa Praça em Laranjeiras - RJ |
Publicado em 26 de fevereiro de 2012 por Alfredo Pereira dos
Santos
A imaginação humana deu à Terra as formas simétricas mais simples embora, em alguns casos, bastante estapafúrdias. Uma delas foi a do ovo. Os egípcios antigos viam a terra como um ovo guardado de noite pela lua, que para eles era como “uma grande ave branca a chocar seu ovo”. Os cristãos gnósticos místicos dos primeiros e segundos séculos também viram o céu e a terra como um ovo do mundo na matriz do universo. Envolvendo o ovo encontrava-se uma serpente gigantesca que o aquecia, guardava, chocava e por vezes se alimentava dele.
A imaginação humana deu à Terra as formas simétricas mais simples embora, em alguns casos, bastante estapafúrdias. Uma delas foi a do ovo. Os egípcios antigos viam a terra como um ovo guardado de noite pela lua, que para eles era como “uma grande ave branca a chocar seu ovo”. Os cristãos gnósticos místicos dos primeiros e segundos séculos também viram o céu e a terra como um ovo do mundo na matriz do universo. Envolvendo o ovo encontrava-se uma serpente gigantesca que o aquecia, guardava, chocava e por vezes se alimentava dele.
Homero
achava que a terra era um disco circular rodeado pelo rio oceano. Para Ésquilo o
mundo era um paralelogramo perfeito. Os peruanos antigos achavam que a terra era
quadrada. Os astecas imaginavam o universo como cinco quadrados, um central e os outros
quatros representando os pontos cardeais.
Com
o avanço do tempo os homens foram entendendo melhor o livro da natureza, de modo
que pelo século V antes de Cristo os sábios gregos compreenderam que a Terra era
um globo. Os pitagóricos e Platão basearam sua convicção em fundamentos
estéticos. Como uma esfera é a forma matemática mais perfeita, claro que a Terra
tinha que ter essa forma. Aristóteles concordou por razões de pura
matemática.
Na
época de Aristóteles a geografia matemática fez progressos extraordinários.
Ainda não era possível fazer um mapa detalhado do mundo, mas usando matemática e
astronomia eles chegaram a alguns cálculos surpreendentemente exatos. Grandes
nomes surgiram desde aqueles tempos: Hiparco, Erastóstenes, Ptolomeu, tendo este
último feito notável trabalho.
E
então veio o retrocesso cristão. Os dirigentes da cristandade ortodoxa ergueram
uma grande barreira contra o progresso do conhecimento acerca da
terra.
Na
idade média o conhecimento estava agrupado no Trivium
(gramática, dialética e retórica) e no Quadrivium
(aritmética, música, geometria e astronomia) e nelas a geografia
não tinha lugar. Durante mil anos da idade média essa situação perdurou e a
palavra geografia só entrou na língua inglesa nos meados do século XVI. Sem a
dignidade de uma verdadeira disciplina a matéria tornou-se um saco cheio de
pseudo-conhecimentos e dogmas bíblicos, misturados com histórias de viajantes,
especulações de filósofos e imaginações de místicos. Entre os anos 300 e mil e
300 da era cristã a fé e o dogma suprimiram todo o conhecimento acumulado lenta,
penosa e escrupulosamente pelos sábios antigos. As imagens que os cristãos
daqueles tempos tinham do mundo eram pias caricaturas e nada
mais.
A
forma comum dessas caricaturas, conhecidas por “mapas de rodas”,
descrevia a terra como um prato circular dividido por uma corrente de água em
forma de T. Mas de 600 desses mapas chegaram até o nosso tempo, de modo que não
nos faltam provas do que os geógrafos cristãos medievais
pensavam.
As
palavras do profeta Ezequiel jogaram no lixo conceitos como latitude e
longitude. Jerusalém estava, para ele no meio das nações. A “Vulgata”, a versão
latina da Bíblia, falava em “umbiculo terrae”
(umbigo do mundo). E os geógrafos cristãos medievais acreditavam teimosamente
nisso. Mas o tempo se encarregou de mostrar que eles estavam errados. Nesse
ponto os cristãos não foram originais. Essa coisa de colocar o “lugar sagrado”
no centro ou em espaços privilegiados foi feita também por hindus, babilônios,
egípcios, árabes e chineses.
Uma
autoridade religiosa, Lactâncio, a quem o imperador Constantino escolheu para
preceptor do filho dizia:
“Poderá alguém ser tão tolo
ao ponto de acreditar que existem homens cujos pés estão mais altos do que suas
cabeças, ou lugares onde as coisas podem estar penduradas para baixo, árvores a
crescer para trás ou a chuva cair para cima? Onde está a maravilha dos jardins
suspensos da Babilônia se vamos admitir a existência de um mundo nos
antípodas?”
Santo
Agostinho e outros de igual estatura afirmaram, veementemente, que os antípodas
não podiam existir.
Um
intérprete de Boécio escreveu que:
... as
estórias de antípodas são, em todos os aspectos, contraditórios da fé
cristã”.
Naquela
época, quem acreditasse em antípoda corria sério risco de ir para a
fogueira.
Quem
acha que deve haver limite para a credulidade humana deveria ler as teorias
estapafúrdias dos geógrafos cristãos, tentando ajustar a realidade do mundo aos
que estava nas Escrituras. É impressionante a convicção com que eles falavam as
maiores bobagens. Isidoro, arcebispo de Sevilha, dizia:
“É perfeitamente evidente que
as duas partes Europa e áfrica ocupam metade do mundo e que a Ásia, sozinha,
ocupa outra metade”.
As
insuficiências das concepções geográficas dos cristãos tornaram-se evidentes com
as viagens marítimas. Com o tempo os navegadores que transportavam um
carregamento de azeite de Nápoles para Alexandria começaram a perceber que a
realidade do mundo nada tinha a ver com o que diziam as Escrituras. Com o tempo
os marinheiros foram acumulando fragmentos de informações úteis que nada tinham
a ver com as especulações dos teólogos.
As
escrituras, no apócrifo Livro II de Esdras (6:42), declaram “seis partes
secastes”, querendo isso dizer que a terra era composta de seis
partes de terra e um sétimo de água. Naturalmente que as versões atuais da
Bíblia já foram modificadas, neste e em outros aspectos. As cartas
marítimas, no
entanto, não eram testadas pela literatura mas sim pela experiência. Não havia
teologia que chegasse para persuadir um marinheiro de que as rochas contra as
quais o seu barco naufragava não eram reais. Os contornos da costa marítima,
traçados a custa de dura experiência, não podiam ser modificados ou ignorados
por causa do que foi escrito por Isidoro de Sevilha ou mesmo por Santo
Agostinho.
Conclusão:
O mapa cristão de pouco servia aos europeus que procuravam a passagem para o
oriente, para as Índias. Desse modo os soberanos europeus e outros
patrocinadores que financiavam longas viagens por mar tiveram a que mandar a
teologia às
favas no que se referia aos seus dogmas geográficos. Jerusalém não estava no
“umbigo do
mundo”. O jardim do Éden foi deslocado para o além e no lugar de
ambos apareceu a geometria da latitude e da longitude.
Os
dogmas cristãos não prejudicaram apenas o progresso da geometria e, por
conseguinte da humanidade, mas se fizeram sentir em outros campos.
A
reforma e a contra-reforma forma rebeliões de nações menos civilizadas contra o
domínio intelectual da Itália. Os três grandes nomes da reforma e da
contra-reforma são Calvino, Lutero e Loiola. Os três, intelectualmente, são
medievais em sua filosofia, comparados com os italianos que imediatamente os
precederam, ou com homens como Erasmo ou Thomas Morus.
Filosoficamente,
o século que se seguiu ao começo da reforma é um século estéril. Lutero e
Calvino voltaram a Santo Agostinho e introduziram modificações na sua teologia.
Essas inovações ajudaram na luta contra o papa (aumentando o poder dos reis),
mas impediram que as igrejas protestantes se tornassem tão poderosas nos países
protestantes como a católica nos países católicos. Os teólogos protestantes eram
tão fanáticos como os teólogos católicos, mas tinham menos poder e eram, por
conseguinte, menos capazes de fazer o mal.
Mas
nem tudo era
fanatismo e estupidez naqueles tempos. Mesmo assim a ciência avançou como
se pode ver pelo trabalho de homens como Copérnico, Kepler e Galileu. Copérnico,
que era um sacerdote, pertence ao século XVI e a sua tese de que o Sol estava no
centro do universo e que a Terra girava em torno dele foi um avanço em relação
às concepções existentes. No entanto Lutero ficou chocado com as suas
teorias, dizendo:
“O povo presta ouvidos a um
astrônomo adventício que procura mostrar que a terra é que gira, e não os céus e
o firmamento, o Sol e a Lua. Quem quer que deseje parecer inteligente tem de
inventar um novo sistema, ou qual, dentre todo os sistemas, é, certamente, o
melhor. Este tolo deseja transtornar toda ciência da astronomia; mas a escritura
sagrada nos diz que Josué ordenou que o Sol parasse, e não a Terra”.
Calvino, igualmente, combateu
Copérnico, dizendo:
“O mundo está bem
estabelecido, de modo que não pode ser movido”, e exclamou:”Quem se atreverá a
colocar a autoridade de Copérnico acima da do Espírito
Santo?”.
Nem
sempre a Igreja Católica errou em matéria de ciência. Ela andou certa quando o
papa Gregório XIII (1502-1585) resolveu botar em ordem o calendário. No entanto,
os países não católicos não seguiram a modificação, adotando o Calendário
Gregoriano, que usamos até hoje. Na Inglaterra e em suas colônias (incluindo
a América do Norte) a correção somente foi feita em 1752. Na Rússia a mudança só
deu no século XX.
Há
um momento em que a estupidez se torna contraproducente.
A
Igreja Católica também andou certa quando o papa João Paulo II pediu perdão a
Galileu, assumindo um erro histórico.
Não
vai faltar muito e algum papa vai pedir perdão a Darwin. Afinal de contas, é
melhor ser um macaco evoluído do que um Adão degenerado.
Para
saber mais (muito mais, pois o que vocês leram até aqui foi uma pequena
amostra):
-
Os Descobridores. Daniel J. Boorstin. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1989.
-
História da Filosofia Ocidental. Bertrand Russell. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1969.
-
A vida Secreta dos Números. George G. Szpiro. Difel, Rio de Janeiro, 2006.
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