por
Boris Vian [*]
Enquanto
Paris acusa Damasco de ter organizado o assassínio do jornalista da
France-Télévisions, Gilles Jacquier, em Homs, uma equipe de jornalistas russos
acaba de apresentar uma versão diferente dos fatos. Segundo inquérito, o senhor
Jacquier comandava, sob a cobertura da imprensa, uma operação dos serviços
secretos militares franceses que redundou em fiasco. As acusações francesas não
passam de uma forma de mascarar a responsabilidade de Paris nas ações
terroristas empreendidas para desestabilizar a Síria.
Réseau
Voltaire / Moscou (Rússia) / 17 de janeiro 2012
Gilles Jacquier |
O jornalista francês Gilles
Jacquier foi morto quando fazia uma reportagem em Homs, na quarta-feira, 11 de
janeiro. Tinha ido cobrir os acontecimentos na Síria para a revista Envoyé
spécial.
Persuadido de que não havia grupos
terroristas, mas uma revolução reprimida em sangue, tinha recusado proteção dos
serviços de segurança e não usava capacete nem colete à prova de balas. Com
outros colegas que partilhavam as suas convicções, alugaram três microônibus e
encontraram “pontos fixos”, quer dizer, pessoas locais capazes de ajudá-los a
encontrar pontos de referência, a marcar encontros e serviços de tradutores.
Todos em conjunto tinham pedido
para encontrar-se com representantes alawitas antes de se dirigirem para os
bairros revoltados de Bab Amr e Bab Sbah.
Chegados ao Hotel As-Safir, tinham
reencontrado, por acaso, um capitão que lhes propôs acompanhá-los com o seu
destacamento até ao bairro alawita de Najha onde eram esperados por um
assistente do governo de Homs. Com a sua ajuda, os jornalistas puderam encontrar
personalidades e interrogar as pessoas na rua.
Às 14:45 horas, a representante do
governo tinha-lhes pedido que abandonassem o local o mais depressa possível,
pois o cessar-fogo acabava, de fato, todos os dias às 15 horas precisamente. No
entanto, os jornalistas da rádio televisão belga flamenga (VRT) tinham-se
aventurado mais longe em casas particulares até ao bairro de Akrama, pelo que o
grupo demorou mais tempo a sair de lá.
Membros da associação das vítimas
do terrorismo que tinham previsto manifestar-se em frente de um carro alugado
pelo Ministério da Informação para cerca de quarenta jornalistas anglo-saxões,
mas que não os tinham encontrado, acharam que seria útil gritarem slogans pelo presidente Bachar em frente
das câmaras de televisão que ali se encontravam. Às 15 horas, como todos dias, a
batalha de Homs recomeçou.
Um projétil explodiu no terraço de
um edifício, destruindo um reservatório de óleo lubrificante. Um segundo
projétil caiu sobre uma escola, depois um terceiro sobre os manifestantes
pró-Assad, matando dois deles.
Os jornalistas subiram ao terraço
para filmar os estragos. Houve uma calmaria. Gilles Jacquier, pensando que os
tiros tinham acabado, desceu com o seu ajudante para ir filmar os cadáveres dos
manifestantes. Chegado ao vão da porta foi morto com seis militantes pró-Assad
por uma quarta explosão, que o projetou sobre uma moça que lhe servia de guia.
Esta jovem foi ferida nas pernas.
Na confusão geral, o morto e a
ferida foram evacuados em carros para o hospital. Este incidente fez nove mortos
no total e vinte e cinco feridos.
A batalha de Homs prosseguiu com
numerosos outros incidentes durante a tarde e a noite.
À primeira vista, tudo era claro:
Gilles Jacquier tinha morrido por acaso. Encontrava-se no lugar errado no
momento errado. Sobretudo, as suas convicções sobre a natureza dos
acontecimentos na Síria levaram-no a acreditar que só devia recear as forças
governamentais e que não corria nenhum risco fora das manifestações antirregime.
Por isso tinha recusado uma escolta, não tinha usado capacete e colete à prova
de balas, não tinha respeitado a hora fatídica do fim do cessar-fogo.
Definitivamente, não tinha sabido avaliar a situação, porque foi vítima da
diferença entre a propaganda dos seus colegas e a realidade que ele negava.
Nestas condições, não se
compreende muito bem o porquê, depois de uma primeira reação de cortesia, a
França, que tinha legitimamente exigido um inquérito às circunstâncias da morte
do seu cidadão nacional, insinuou subitamente que Gilles Jacquier tinha sido
assassinado pelos sírios e recusou que a autópsia tivesse lugar no local em
presença dos seus especialistas. Estas acusações foram publicamente explicitadas
por um dos jornalistas que acompanhavam Jacquier, Jacques Duplessy.
Para a imprensa francesa os fatos
não foram tão evidentes como parecia: persiste uma dúvida sobre a identificação
dos projéteis mortais.
Segundo a maior parte dos
repórteres, tratava-se de tiros de morteiros. O exército sírio confirma que esta
arma é quotidianamente utilizada pelos terroristas em Homs. Mas segundo alguns
testemunhos, foram foguetes atirados a partir de um lançador portátil e a
televisão privada síria, Ad-Dúnia mostrou as asas do projétil. Há quem se
apaixone por este assunto, não sem segundas intenções.
Na França, os anti-Assad acreditam
no morteiro e acusam o exército sírio de tê-lo atirado. Enquanto que os
pró-Assad acreditam no foguete e acusam os terroristas. Em definitivo, este
detalhe não prova nada: é certo que o exército sírio utiliza morteiros, mas não
deste calibre e os grupos armados utilizam lança-foguetes, mas nada impede cada
campo de variar o seu armamento.
De resto, se é que se tratou de
tiros de morteiro, os dois primeiros permitiram ajustar o tiro do terceiro e
quarto para atingir os manifestantes que eram o seu alvo. Mas se se tratava de
tiros de foguete, era possível visar com muito mais precisão e matar uma pessoa
em particular. A tese do assassínio tornava-se possível.
O estudo das imagens e dos vídeos
mostra que os corpos das vítimas não estão ensanguentados e crivados de
estilhaços, como quando da explosão de um obus (morteiro) que se fragmenta. Pelo
contrário, eles estão intactos, correndo o sangue, segundo os casos, pelo nariz
e os ouvidos, como quando da explosão de um foguete termobárico, cujo impacto
comprime os órgãos provocando hemorragias internas. Da mesma forma, os pontos de
impacto sobre o passeio não indicam nenhum traço de fragmentação.
Note-se que certos testemunhos
falam de granadas, o que não faz de modo nenhum avançar a nossa compreensão,
porque existem granadas de sopro e granadas de fragmentação. Em definitivo, só a
hipóteses de arma de sopro (RPG ou granada) é compatível com os elementos
médico-legais visíveis nas fotos e vídeos. Acorrendo ao local, os investigadores
sírios e os observadores da Liga Árabe encontraram caudas de morteiro de
82 mm e
uma cauda de foguete de fabricação israelense.
Por consequência, as autoridades
francesas têm razão para estudar a possibilidade do assassínio, mesmo quando se
trata para eles de aproveitar um drama para instrumentalizar e justificar a sua
ambição de guerra contra a Síria. Portanto, os diplomatas franceses, se tiverem
por objetivo procurar a verdade, têm também manifestamente o objetivo de
assegurar-se de que os sírios não a descubram. Assim, impediram todos os
francófonos de se aproximarem da fotógrafa Caroline Poiron, companheira do
jornalista Gilles Jacquier, que velava o seu corpo durante toda a noite. A
jovem, em estado de choque, não conseguia dominar o seu comportamento e teria
muito que dizer.
Depois, proibiram a autópsia no
local e repatriaram o corpo o mais depressa possível. Qual é, portanto, a
hipótese por que a França quer verificar sozinha, mas esconder do grande
público?
Aqui começa o nosso mergulho no
mundo dos serviços especiais ocidentais que conduzem na Síria uma “guerra de
baixa intensidade”, comparável às que foram organizadas nos anos oitenta na
América Central ou, mais recentemente, na Líbia, para preparar e justificar a
intervenção da OTAN.
Gilles Jacquier era um repórter
apreciado pelos seus colegas e premiado profissionalmente (Prêmio Albert
Londres, Prêmio dos correspondentes de guerra, etc.). Mas não era só isto…
Numa carta
com o cabeçalho de France-Télévisions , datada de 1 de dezembro de 2011
, as redatoras chefes da revista Envoyé spécial – a emissão política mais
vista no país – tinham solicitado um visto do ministério sírio da informação
[1] . Pretendendo querer verificar a versão síria dos acontecimentos
segundo a qual “os soldados do exército sírio são vítimas de emboscadas e de
grupos armados que grassam pelo país” elas pediam que Jacquier pudesse seguir o
quotidiano dos soldados da 4.ª divisão blindada, comandada pelo general
Maher-el-Assad (irmão do presidente) e da 18.ª divisão blindada, comandada pelo
general Wajih Mahmud. As autoridades sírias ficaram surpreendidas pela
arrogância dos franceses: por um lado, enquadram grupos armados que atacam as
tropas leais, por outro pretendem infiltrar um agente da informação militar nas
suas tropas, para informar os grupos armados das suas deslocações. Não foi dado
seguimento a este pedido.
Assim, Gilles Jacquier tentou uma
outra via. Pediu a intermediação de uma religiosa greco-católica de linguagem
franca, estimada e por vezes temida pelo poder, Madre Agnès-Mariam de la Croix,
com um cargo de direção no Mosteiro Saint-Jacques de l'Intercis. Ela tinha
facilitado a primeira viagem da imprensa aberta aos jornalistas ocidentais. A
célebre religiosa pressionou, portanto, o Ministério da Informação, até obtenção
de vistos para Jacquier e acompanhante.
As coisas aceleraram-se em 20 de
Dezembro – outros jornalistas pediram à Madre Agnès-Mariam que lhes obtivesse o
mesmo favor.
Quanto a Gilles Jacquier, este
solicitou outros vistos para a sua companheira, a fotógrafa Caroline Poiron e a
repórter Flora Olive, representando, as duas, o Paris-Match. No total,
devia ser um grupo de quinze jornalistas franceses, belgas, holandeses e suíços.
Com toda a verosimilhança, os franceses e os holandeses eram na maior parte, ou
todos, agentes da DGSE [2]. Havia urgência na sua missão.
Aqui, é indispensável fazer uma
pequena retrospectiva:
Para enfraquecer a Síria, os
grupos armados pela OTAN empreendem diversas ações de sabotagem. Embora o centro
histórico da rebelião da Fraternidade Muçulmana seja Hama, e que só dois
quarteirões de Homs os apoiem, a OTAN escolheu esta cidade para concentrar as
suas ações secretas. Com efeito, ela está no centro do país e constitui o
principal nó de comunicação e de abastecimento. Sucessivamente, os
“revolucionários” cortaram o oleoduto, depois os engenheiros canadenses que
dirigiam a central elétrica foram repatriados a pedido dos Estados Unidos.
Enfim, cinco engenheiros iranianos encarregados de fazer voltar a funcionar a
central foram retirados em 20 de Dezembro de 2011.
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Os jornalistas receberam uma
reivindicação de uma misteriosa brigada contra a expansão xiita na Síria.
Depois, a embaixada confirmou ter iniciado uma negociação com os raptores de
reféns. Bastava que estes transmitissem uma “prova de vida”, por exemplo, uma
fotografia datada dos reféns de boa saúde. Contra toda a expectativa, esta não
foi enviada diretamente à República Islâmica, mas publicada pelo Paris-Match
(edição de 5 de Janeiro). Um fotógrafo da revista, dizia-se, tinha
conseguido entrar secretamente na Síria e realizar essa foto. Talvez os leitores
franceses se tivessem interrogado se esse repórter era realmente humano para
tirar fotografias de reféns sem lhes ter prestado auxílio. Pouco importa, a
mensagem era clara: os engenheiros estão vivos e os raptores de reféns são
controlados pelos serviços franceses. Nenhuma reação oficial nem de um lado nem
do outro. Era, portanto, porque as negociações continuavam.
Chegados a Damasco, os jornalistas
franceses e holandeses foram alojados pelas autoridades em hotéis diferentes,
mas Jacquier reagrupou-os imediatamente no Fardos Tower Hotel. O diretor deste
estabelecimento não é outro senão Roula Rikbi, a irmã de Bassma Kodmani,
porta-voz do Conselho Nacional, com base em Paris. O hotel serve de esconderijo
aos serviços secretos franceses.
Em resumo, um agente de informação
militar, tendo por companhia um fotógrafo cujo colega conseguiu entrar em
contacto com os reféns, formou um grupo de “jornalistas” com uma missão ligada
aos reféns, provavelmente a sua entrega por franceses aos iranianos.
Dirigiram-se a Homs depois de se terem desembaraçado dos serviços de segurança,
mas o chefe da missão foi morto antes de poder estabelecer o contato previsto.
Compreende-se que, nestas
condições, o embaixador da França se tenha tornado nervoso. Ele tinha o direito
de considerar que Gilles Jacquier tivesse sido assassinado por membros dos
grupos armados, inquietos com a deslocação da aliança militar França-Turquia, e
extremistas de uma guerra da OTAN. Hostis à negociação em curso, teriam feito ir
por água abaixo a sua conclusão.
O embaixador da França, que não
tinha tido tempo de reconstituir os acontecimentos, esforçou-se, portanto, para
impedir que os sírios o fizessem. Contrariamente às normas internacionais,
recusou que a autópsia fosse realizada no local, em presença do especialista
francês. Os sírios aceitaram infringir essa regra, com a condição de fazerem uma
radiografia. Na realidade, eles aproveitaram para fotografar o cadáver sob todos
os ângulos. Segundo as nossas informações, o corpo apresenta vestígios de
estilhaços no peito e de cortes na fronte.
Depois, o embaixador levou nos
seus carros blindados os “jornalistas” franceses e o holandês, além dos
restos mortais de Jacquier. Partiu com eles acompanhado por uma forte escolta,
deixando no local a Madre superiora estupefata e um jornalista da Agência France
Presse: o diplomata apressado tinha recuperado os seus agentes e abandonado os
civis.
Os carros blindados foram
recuperar as bagagens de cada um ao hotel As-Safir de Homs, depois regressaram à
embaixada em Damasco. O mais depressa possível, chegaram ao aeroporto, onde um
avião especial fretado pelo Ministério francês da Defesa evacuou os agentes para
o aeroporto de Paris-Le Bourget.
Os agentes secretos não fingiram
mais realizar as reportagens na Síria, esqueceram-se de ter obtido um
prolongamento do seu visto, e fugiram depressinha antes que os sírios
descobrissem o arranjinho desta operação mal sucedida.
Chegado à Paris, o corpo de
Jacquier foi imediatamente transferido para o instituto médico-legal e
autopsiado, antes da chegada dos peritos enviados pela Síria. Violando os
processos penais, o governo francês invalidou o relatório da autópsia, que cedo
ou tarde seria rejeitado pela Justiça, e afastou definitivamente a possibilidade
de se estabelecer a verdade.
A fim de impedir os jornalistas
franceses (os verdadeiros) de meter o nariz nesta questão, os “jornalistas” (os
falsos) que acompanhavam Jacquier, uma vez de volta à França, multiplicaram-se
em declarações contraditórias, mentindo de maneira desavergonhada, para criar a
confusão e mascarar a verdade.
Assim, embora oito manifestantes
pró-Assad tenham sido mortos, Jacques Duplessy denuncia “uma cilada montada
pelas autoridades sírias” para eliminá-lo com os seus colegas. Verificado isto,
o senhor Duplessy trabalhou afincadamente para uma ONG, conhecida por ter
servido de biombo …à DGSE!
Para os iranianos e sírios, a
morte de Jacquier é uma catástrofe. Deixando circular o grupo de espiões
franceses e vigiando-o discretamente, esperavam chegar aos raptores e, ao mesmo
tempo, libertar os reféns e prender os criminosos.
Já há um ano, os serviços secretos
militares franceses foram postos ao serviço do imperialismo estadunidense.
Organizaram um início de guerra civil na Costa do Marfim. Em seguida,
manipularam o separatismo da Cirenaica, para dar a ideia de uma revolução
anti-Kadafi e apoderar-se da Líbia. Agora, enquadram os cadastrados recrutados
pelo Qatar e a Arábia Saudita para semear o terror, acusar o governo sírio e
ameaçar com a sua mudança.
Não temos a certeza que o povo
francês gostaria de saber que Nicolas Sarkozy rebaixou o seu país ao nível de um
vulgar sequestrador e que mantém reféns em cativeiro.
Não devemos admirar-nos se um
Estado (França) que pratica o terrorismo em terra alheia, se venha a confrontar
um dia com ele na sua própria terra.
13/Fevereiro/2012
Notas dos
tradutores
[1] Este
documento pode ser visto no final da página do sítio em referência
[2] Direção Geral da Segurança
Exterior – serviço
do Estado francês, sob a autoridade do poder executivo, que tem por objetivo a
proteção dos interesses franceses, designadamente a proteção dos cidadãos
franceses em qualquer parte do mundo.
[*]
Correspondente do Komsomolskaya Pravda em Damasco
De tirar o fôlego, caro. Vou levar um tempo pra digerir, se é que vou.Ana.
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