14/2/2012, Pepe
Escobar,
ATol – The Roving
Eye
Traduzidopelo pessoal da Vila
Vudu
Ver
também:
Pepe
Escobar: “Síria: sombras por trás do espelho” – 8/2/2012
“Veterano diplomata americano questiona a narrativa sobre a Síria”- 12/2/2012
“Veterano diplomata americano questiona a narrativa sobre a Síria”- 12/2/2012
Pepe Escobar |
Uma
Kalashnikov era vendida no Iraque até recentemente por US$100. Agora, custa no
mínimo $1.000, mais provavelmente $1.500 (longe vão os dias em que os sunitas
que se uniam à resistência, em 2003, podiam comprar uma Kalashnikov falsa,
fabricada na Romênia, por $20).
Destino
preferencial das Kalashnikov de $1.500 em 2012: a Síria. Rede: a al-Qaeda na
Terra dos Dois Rios, também conhecida como AQI. Compradores: jihadis infiltrados que
operam ombro a ombro com o Exército Sírio Livre [orig.Free Syrian Army
(FSA)].
Também
operam como correia de transmissão entre Síria e Iraque as explosões de carros e
os suicidas-bomba, como as duas explosões recentes nos subúrbios de Damasco e o
suicida-bomba, 6ª-feira passada, em Aleppo.
Quem
imaginaria que o que a Casa de Saud deseja ver na Síria – um regime islâmico – é
exatamente o que a al-Qaeda também deseja para a Síria?
Ayman
“O Cirurgião” al-Zawahiri, número 1 da al-Qaeda, em vídeo de oito minutos,
intitulado “Avante, Leões da Síria”, acaba de convocar à luta os muçulmanos no
Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia, para derrubar o “regime pernicioso,
canceroso”, de Bashar al-Assad. De fato, já estavam alistados, em geral, mesmo
antes de O Cirurgião entrar em cena. E não só eles, mas principalmente os
“combatentes da liberdade” líbios transplantados, conhecidos antigamente como
“os rebeldes”.
Quem
imaginaria que o que o CCGOTAN (Conselho de Cooperação do Golfo+Organização do
Tratado do Atlântico Norte) deseja ver na Síria é exatamente o que a al-Qaeda
também deseja para a Síria?
Portanto,
quando, apesar de todos os horríveis ataques militares que matam sobretudo os
civis apanhados no fogo cruzado, o governo de Assad diz que está combatendo
“terroristas”, ele, em termos precisos, não está mentindo. Até aquela entidade
onipresente, proverbial, “funcionário do governo dos EUA que não quis
identificar-se” já culpa a al-Qaeda na Terra dos Dois Rios, AQI, pelas
recentes explosões. E, além desses, também o vice-ministro do Interior do Iraque
Adnan al-Assadi: “Temos informações de inteligência de que vários
jihadists iraquianos partiram para a Síria.”
Assim
sendo, se não deu para fazer da Síria a nova Líbia, no sentido de uma resolução
da ONU autorizar o bombardeio humanitário – vetada por dois BRICS, Rússia e
China – a Síria pelo menos já é uma nova Líbia, no sentido dos escandalosos
laços entre “os rebeldes” e os jihadis salafistas linha-dura.
E
dado que o ocidente absolutamente adora situações de ganha-ganha, mesmo que
pré-fabricadas, é perfeitamente possível que aí esteja, prontinho, o casus
belli que o
Pentágono esperava – libertar a Síria de uma “al-Qaeda” que, antes, não estava
lá. Não esqueçam que – apesar de todo o auê sobre a “deriva” do governo
Obama/Pentágono, afastando-se do Oriente Médio e tomando o rumo do Leste da
Ásia, toda a “guerra global ao terror” [global war on terror (GWOT)], que
Obama rebatizou de “operações contingenciais além-mar” [overseas contingency
operations” (OCO)], continua bem viva, vivíssima.
Libertem-me,
para eu matar à vontade
Ano
passado, o
Asia Times Online advertiu inúmeras vezes que a Líbia
“libertada” – e “libertada” pelos chamados “rebeldes da OTAN” – rapidamente se
transformaria em inferno povoado de milícias armadas. Exatamente o que lá se vê
hoje: há pelo menos 250 milícias diferentes, só em Misurata, segundo o Human Rights Watch; as milícias são
polícia, juízes e carrascos-executores, tudo ao mesmo tempo. Por falar nisso,
não há Ministério da Justiça na Líbia “libertada”. Se você for preso e chegar à
cela, ali mesmo será executado; e se você é africano subsaariano ainda ganha, de
brinde, longo período de tortura, num campo libertado de prisioneiros, antes de
ser executado.
Como
se viu acontecer na Líbia – porque é questão estratégica para o eixo Casa de
Saud/sunitas do Qatar – já não há qualquer possibilidade de autêntico diálogo
entre a insurreição (armada) e o regime de Assad. Afinal, o objetivo chave é
derrubar o regime de Assad. Então, a propaganda reina absoluta, numa mídia árabe
controlada quase toda ou pelos sauditas ou pelos qataris.
Por
exemplo: o muito louvado Observatório Sírio de Direitos Humanos, com sede em
Londres, e que vive de vomitar estatísticas sem qualquer comprovação, números e
mais números, sem fim, dos “massacres” cometidos pelo governo sírio – falaram
até em “genocídio” – é mantido com dinheiro de uma entidade sediada em Dubai e
financiada por obscuros doadores ocidentais e do Conselho de Cooperação do
Golfo.
Para
completar, os “especialistas” midiáticos da “oposição” orientam com precisão de
mira a laser toda a cobertura da imprensa-empresa ocidental. A rede CNN atribuiu
as bombas de Aleppo, na 6ª-feira, a “terroristas” – assim, entre aspas. Imaginem
a histeria total, se fosse a Zona Verde dos EUA, no Iraque, atacada à bomba pela
resistência sunita, em meados da década dos 2000s. A BBC acreditou realmente na
versão de propaganda que a Fraternidade Muçulmana Síria distribuiu, segundo a
qual o governo sírio se autobombardeara: verossímil como a “notícia” de que o
Pentágono se autobombardeava na Zona Verde. Quanto à mídia árabe – em grande
parte controlada por sauditas e qataris – ignorou completa e absolutamente a
conexão al-Qaeda.
A
Liga do Conselho de Cooperação do Golfo – antiga Liga Árabe – depois de
bombardear o próprio relatório da própria comissão sobre a Síria, porque não
reproduzia a narrativa pré-fabricada sobre um governo “do mal” que bombardeava
unilateralmente o próprio povo, anda agora propagandeando um supostamente
humanitário Plano B: uma missão de paz árabes/ONU, para “supervisionar a
execução do cessar-fogo”. Mas que ninguém se deixe enganar: a agenda ainda é a
mudança de regime, como antes.
O
príncipe Saud al-Faisal, ministro de Relações Exteriores da Arábia Saudita, já
começou a fazer os ruídos certos, descartando qualquer intervenção humanitária.
Simultaneamente, é muito edificante ouvir a Casa (“oh, como somos
progressistas”) de Saud a lamentar a “falta de comprometimento do governo sírio”
e a pontificar que “a Síria passa hoje, não por uma guerra de guerrilha, nem
racista nem sectária, mas por matança em massa, sem qualquer consideração
humanitária”.
Imaginem
o quanto seriam “humanitárias” as “considerações” da Casa de Saud, no caso de
emergir movimento pró-democracia entre a maioria xiita que habita a província
leste (já aconteceu; o movimento emergiu e foi reprimido com violência extrema).
Melhor ainda: lembrem como os sauditas tinham ar “humanitário”, quando invadiram
o Bahrain.
A
agenda do CCGOTAN permanece inalterada: mudança de regime, por não importa qual
meio. Até o Guerreiro-em-Chefe e presidente dos EUA Barack Obama já disse isso,
ele mesmo, em pessoa. Os fantoches do CCG obedecerão servis e felizes. Portanto,
só resta esperar uma inflação de Kalashnikovs através da fronteira, mais
carros-bomba, mais suicidas-bomba, mais civis mortos no fogo cruzado e a lenta,
imensamente trágica, fragmentação da Síria.
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