27/5/2004, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido
e comentado pelo pessoal da Vila
Vudu
HOMENAGEM
DOS TRADUTORES:
Em
Pepe
Escobar: “Obama anda mesmo cantando o blues?” (23/2/2012, Asia Times
Online e em
português), o autor, em artigo sobre Obama, arremedo de bluezeiro-em-chefe,
relembra uma série de artigos que publicou em 2004, em tour pela terra
do
blues, acompanhando George W. Bush, então em campanha pela
reeleição.
Selecionamos
para traduzir um desses artigos, que talvez faça um interessante contraponto à
sessão de
blues
na Casa Branca de Obama: do blues da Georgia, para o blues de Chicago, talvez?
Ou: muda o
blues, mas os EUA nunca mudam, por mais que se metam a querer changes, changes, changes nos regimes dos
outros? Seja como for, lá se vão sete anos, de reeleição em reeleição e, mudança
importante, nenhuma, por lá.
Aqui
fica essa tradução, como nossa homenagem a Pepe Escobar, o mais importante
jornalista brasileiro ativo no planeta, não por acaso jornalista e brasileiro
que não tem nenhuma espécie de conexão – além da distância cada vez maior que o
separa deles – com os jornalões do Grupo GAFE (Globo-Abril-Folha-Estadão).
Pepe Escobar |
SAVANNAH,
Geórgia
– Cool, calma,
contida em seu charme neoclássico e colonial de muitas árvores, recusando-se a
ser reduzida à condição de parque temático do Velho Sul, Savannah é tida, nos
círculos das elites europeias, como a mais bela cidade dos EUA. Aqui, no
primeiro acampamento na Georgia, a 13ª e última colônia americana, o general
William Tecumseh Sherman, ao final da Guerra Civil, ofereceu seus
“40
acres e uma mula” a todos os escravos negros libertos.
Aqui, Flannery O'Connor escreveu obras primas. Aqui, Forrest Gump sentou-se num
filme – num banco em Chippewa Square
–, cantarolando que “a vida é como caixa de chocolates: você nunca sabe o que
vai achar” (contem essa aos neoconservadores em Washington). E em duas semanas,
o grande circo da cúpula do Grupo dos 8 (G8) das nações mais industrializadas
aportará em Savannah com todo seu poder.
Savannah
está terrivelmente preocupada. A reunião propriamente dita acontecerá a 120km
daqui, em local ermo e isolado, na Sea
Island, mas o grosso do exército de lambe-botas, diplomatas, jornalistas e
da segurança estará circulando entre as magníficas mansões e praças manicuradas
de Savannah. Dan Flynn, chefe de Polícia, não quer que a sóbria e pitoresca
cidade de 130 mil habitantes seja convertida em “zona de guerra”: haverá
protestos no Forsyth Park, copiado da
Place de la Concorde em Paris e
próximo do centro historico. Lojistas locais temerosos estão “exagerando nas
reações”, segundo Flynn, e querem fechar todas as lojas e escritórios do centro.
Muitos querem fechar logo também o assunto do Iraque. Na pensão da Sra. Wilkes,
monumento histórico à culinária do sul, quem entrar ouve a opinião da
proprietária, que ela oferece sem ironia: “Dia 30 de junho, devemos declarar
vitória, trazer os soldados para casa, aposentar alguns do Pentágono e deixar
que o canal Fox News conte ao mundo que vencemos.”
Tarde
da noite, nas estradas vicinais no interior da Georgia, a caminho de Dublin, o
único negócio que convida a entrar é o negócio da igreja. Não são raros os
cartazes de “Apoiamos nossos soldados”. A retórica dos “agentes do mal” do
presidente George W Bush encontra amplo eco entre os frequentadores das igrejas.
Só uma, tarde da noite, na Highway 80, vê problema em Bush pôr grande parte do
mundo num degrau inferior, no plano moral, abaixo dos EUA, convertendo “nossas
boas ações” contra a al-Qaeda, numa cruzada moral contra o mundo islâmico.
Savannah
é muito intimamente associada à sua base do Exército dos EUA, Fort Stewart. Ali, recentemente, o
sargento Camilo Mejia foi julgado numa Corte Marcial e condenado, como desertor
– sentença com a qual muitos concordam, em Savannah. Mejia é nicaraguense,
portador de
green-card (licença para trabalhar nos EUA, para
estrangeiros), que se alistou no exército para aprender mais sobre a sociedade
norte-americana. A guerra no Iraque horrorizou-o. E ele ofereceu-se para depor
no Congresso sobre a tortura de prisioneiros que presenciou em Al Assad, em maio
passado, meses antes de eclodir o escândalo de Abu Ghraib. Todd Ensign, diretor
do grupo Citizen Soldier
[soldado-cidadão], de ativistas antiguerra, que apóia o pessoal militar, está
indignado: “Julgaram Camilo por ter-se recusado a voltar ao Iraque, porque não
quer torturar gente. E estão julgando o cabo Jeremy Sivits, porque
torturou.”
Super-Rangers
dentro
da Casa (Branca)
A
Georgia não sai da cabeça de George W Bush – e não é o canto de Ray Charles. Mês
passado, no luxo do Lodge
Ritz-Carlton, Reynolds
Plantation, a 75 minutos, rumo sul, de Atlanta, Bush posou de
superstar para 300 convidados, individualmente os mais
poderosos dos EUA, inclusive os donos de terra e empreendedores imobiliários da
família Reynolds da Georgia. Os convidados dispensaram os 81 buracos para golfe,
um SPA imperial e muita pescaria, canoagem e ski no plácido lago Oconee, para
sentar num salão de conferências e ouvir Bush. É o pessoal que paga pelo grosso
da multimilionária campanha de reeleição (US$200 milhões até aqui, e
aumentando): são conhecidos como Pioneiros [orig. Pioneers] (os que arrecadam mais de
$100 mil dólares);
Rangers
(até $200 mil) e agora também os Super-Rangers (os que até 15 de
agosto conseguirem arrecadar $250 mil ou mais).
Pioneiros, Rangers e
Super-Rangers são nada mais nada menos que os
proprietários virtuais dos EUA, se Bush for reeleito: encarnação de um processo
eleitoral totalmente mercantilizado. Vários são recompensados com postos no
governo federal. Suas empresas ou multinacionais ganham gordos contratos
federais que valem bilhões de dólares e, claro, beneficiam-se de leis ultra
camaradas – especialmente sobre energia e poluição.
Segundo
o grupo Texans for Public Justice,
há, até agora, 630 superdoadores pró-Bush. Quase 20%, do círculo das finanças;
18% são advogados e lobbyistas. Quase
25% estão empregados no governo Bush (dentre os quais 24 embaixadores e dois
membros do Gabinete). Em 2002, segundo pesquisas do grupo, mais de $3,5 bilhões
em contratos federais foram entregues a 101 empresas: entre elas, havia 123
Pioneiros ou
Rangers. Um total de 146 superdoadores de campanha de Bush
estiveram envolvidos em escândalos empresariais ou ajudaram empresas envolvidas
em escândalos – no Texas (o escândalo Enron) –, ou em Wall Street, ou relacionados a poluição
ou a questões de saúde pública. Os Super-Rangers só foram criados na
reunião do Ritz-Carlton, mas já são
25.
Bush
já estivera na Georgia, há mais de uma semana, acompanhado do Maquiavel
Republicano, Karl Rove. Permaneceram ali por apenas quatro horas, primeiro num
condomínio cercado em Atlanta, onde Bush participou de uma recepção nos jardins
da casa de Robert Nardelli, presidente executivo da empresa Home Depot; na sequência, Bush foi
convidado de honra de um jantar (convite a $25 mil por cabeça; no cardápio,
carne, batata e legumes).
Agora,
Savannah espera ansiosamente que Bush exponha as linhas de sua “clara
estratégia” para o Iraque. Líderes mundiais, inclusive os aliados declarados,
como o britânico Tony Blair e o japonês Junichiro Koizumi, e aliados muito
relutantes, como Jacques Chirac da França, Gerhard Schroeder da Alemanha e
Vladimir Putin da Rússia, que lá estarão com Bush, na Georgia, para o encontro
do G8, dias 8-10 de junho, também esperam ansiosíssimos: não estão absolutamente
convencidos da clareza da “clara estratégia” segundo a qual o governo Bush
insiste em dizer que luta pela democracia no Iraque, ao mesmo tempo em que
mantém lá 130 mil soldados entrincheirados que tudo controlam, contra a vontade
da absoluta maioria do “povo iraquiano”.
O
que Bush dirá aos seus pares, sobre Muqtada al-Sadr? Fontes xiitas na cidade
santa de Najaf informam a Asia Times Online que o recentemente
caído em desgraça Ahmed Chalabi tentará voltar a Najaf para instalar-se como
mediador entre o movimento Sadrista e os EUA. Com a credibilidade abaixo de zero
na rua iraquiana, difícil que algum xiita confie nele. Mas Chalabi é operador
esperto e confia nas alianças que ligam seu Congresso Nacional Iraquiano e
xiitas e curdos.
As
fontes em Najaf destacam que, no momento, nenhum xiita pode ser visto como
aliado de Washington contra Muqtada. O jogo, portanto, não visa a que os xiitas
escolham entre Muqtada e o moderado Grande Aiatolá Ali al-Sistani. Trata-se é de
escolher entre Muqtada e o pró-cônsul Paul Bremer.
Bush
e o Pentágono simplesmente não podem admitir que os Sadristas já tenham
alcançado vitória desse tipo. Seja já mártir ou não – os EUA continuam a
procurá-lo “vivo ou morto” – as forças de Muqtada continuarão lutando até o fim
da ocupação. A guerra de resistência contra os EUA, depois da “entrega”, dia 30
de junho, será seguida por alguma espécie de guerra civil para detonar qualquer
um que o enviado especial da ONU Lakhdar Brahimi instale como novo pró-cônsul
disfarçado. Afinal, no longo prazo, dizem as fontes em Najaf, uma teocracia
xiita iraquiana – que não reproduza o modelo Khomeini – é extremamente
possível.
Não
era exatamente o que o vice-secretário da Defesa e há muito tempo arquiteto da
guerra Paul Wolfowitz tinha em mente. Além do mais, Chalabi, homem “deles” (dos
neoconservadores), pode revelar-se um Frankenstein. Se não acabar na cadeia,
Chalabi com certeza concorrerá às eleições em janeiro próximo, como nacionalista
iraquiano, com plataforma de oposição virulenta à ocupação norte-americana.
Sempre
pode piorar
Outros
membros do G8 perguntarão a Bush: As coisas ainda podem piorar no Iraque? Podem.
Abu Ghraib pode ser examinado como mais um efeito perverso da obsessão dos EUA
com sexo e pornografia – uma indústria de mais de $10 bilhões anuais – misturada
com a proliferação de
reality shows, nos quais qualquer idiota tem seus 15 minutos de
fama à Andy Warhol, inclusive torturadores amadores.
Sim,
pode piorar. Os serviços de inteligência britânicos, franceses, russos e
japoneses, todos eles, sabem que a segurança no Iraque é total desastre. O
processo de reconstrução foi virtualmente interrompido. O escândalo de
superfaturamento pela Halliburton teima em não sumir de cena. E num fascinante
cruzamento de cinema e política, o amargo documentário anti-Bush de Michael
Moore, “Fahrenheit 9/11” acaba de tornar-se o primeiro documentário, em quase
meio século, a vencer a Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes.
“O
senhor lembra de alguns erros que tenha cometido como presidente?” A pergunta
foi feita a Bush, em sua última conferência de imprensa, em abril.
Miraculosamente, não lhe ocorreu erro algum digno de nota. Na Georgia, Chirac,
Schroeder ou Putin podem atrever-se a repetir a mesma pergunta, no privado.
Pouco provável que obtenham resposta.
O
que nos deixa com Juan Cole, professor de história da universidade de Michigan e
dos maiores especialistas em Iraque, nos EUA:
“Outro
dia, eu disse que achava que Bush estava empurrando a Europa na direção da
esquerda, com suas políticas. Acho que também está empurrando o mundo xiita na
direção da direita radical. Temo que meus netos ainda estarão pagando pelo
torvelinho que George W Bush está semeando na cidade do Imã Hussein [referência
ao bombardeio, com F-16s, contra Karbala]. No início de abril, concluí que Bush
perdeu o Iraque. Só até agora, já perdeu também todo o mundo muçulmano”.
Daqui
a duas semanas, Bush pode já ter perdido também o resto do mundo. Quem sabe
Forrest Gump possa ajudar.
Nota da redecastorphoto:Assistam a seguir vídeo que talvez tenha inspirado o TITULO, em inglês, deste artigo como HOMENAGEM ao pessoal da Vila Vudu e especialmente ao Pepe Escobar:
Nota da redecastorphoto:Assistam a seguir vídeo que talvez tenha inspirado o TITULO, em inglês, deste artigo como HOMENAGEM ao pessoal da Vila Vudu e especialmente ao Pepe Escobar:
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