Publicado em
23/02/2012 por Mair Pena
Neto
É
extraordinário o poder transformador do carnaval, mesmo para quem não pode
brincá-lo. Os quatro dias de folia, que se estendem por quase uma semana numa
saudável baianização que se alastra pelo país, são capazes de mudar totalmente
qualquer estado de espírito. Até o início da festa, o Rio de Janeiro estava
mergulhado num baixo astral causado pelo desabamento de três edifícios no
coração da cidade, com mortos e feridos, sem falar nos bueiros voadores. Mas os
blocos tomando as ruas, o colorido das fantasias e a magnitude do desfile das
escolas de samba são capazes de irradiar o melhor do espírito carioca,
contagiando de alegria a cidade.
Não
é apenas o ópio, a ofegante epidemia a que se tinha direito em tempos
tenebrosos. A manhã já renasceu e esbanja poesia e otimismo como no samba-enredo
da Acadêmicos da Rocinha, comunidade que, antes escondida sob tapumes dos
visitantes estrangeiros, se integra cada vez mais à cidade e atrai para suas
ruas e vielas os próprios turistas de quem tentavam
ocultá-la.
“Refúgio
de selvas concretas
Pra
mentes abertas, livros, paixões e xadrez
Heróis
forjados em ferro, ases da história
As
damas e reis
Pousei
pra ver a meninada
Driblar
a tristeza e jogar futebol
A
melhor idade mantendo a forma
Um
lindo domingo de sol
Voei
pra Brasília, esperar não é saber
A
voz do povo faz a hora
Rocinha
não espera acontecer”.
Assim
como a Rocinha, os blocos de rua também fizeram a hora e tomaram o carnaval nas
mãos. Num tempo, página infeliz da nossa história, a maior festa do Brasil foi
transformada, no Rio de Janeiro, num momento de exclusão da folia. Só havia os
bailes nos clubes, caros e tendendo cada vez mais à pornografia, e o desfile na
avenida, também voltado para o turismo, embora ainda feito pelo
povo.
Os
blocos foram nascendo aqui e ali, nos bairros, nos grupos de esquina, de praia e
de bar e multiplicaram-se em expansão geométrica. O crescimento foi tamanho que
exigiu um freio de arrumação para que a alegria continuasse sem destruir a
cidade e prejudicar os moradores que, mesmo em tempos de carnaval, precisam se
deslocar por emergência ou opção.
A
ideia de organizar a festa causou pânico, pois ninguém quer corda no seu bloco,
mas acabou sendo feita com bom senso. A zona sul foi esvaziada do excesso de
agremiações, o centro da cidade foi ainda mais retomado e o Aterro revelou-se um
lugar excelente para a passagem de grupos que já arrastam 50 mil a 100 mil
pessoas. Nada disso tirou o caráter irreverente e antropofágico da festa, que
agora engole, além de sambas e marchinhas, o brega, os Beatles, Raul Seixas e o
rock’n roll devidamente digeridos e
expelidos.
A
festa no Rio, por muito anos reprimida, levando foliões a buscar as ruas de
Salvador ou Olinda, não deve nada a ninguém. O tradicional cordão do Bola Preta
leva a cada ano mais gente às ruas e o resto dos blocos faz a cidade cantar
durante uma semana. Carnaval não se compara e nem se mede por grandiosidade. E o
Rio de Janeiro é como a Vila Isabel, que não quer abafar ninguém, só quer
mostrar que faz carnaval também.
Mair
Pena Neto
é jornalista e carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e
Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de
economia.
Enviado por Direto da Redação
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