Publicado
em 16/02/2012 por *Mair Pena Neto
Há
dez anos no poder, o PT enfrenta grandes transformações, algumas que chegaram a
arranhar sua essência, mas, mal ou bem, se mantém como o único partido
efetivamente orgânico do Brasil e que se mostra capaz de levar adiante um
projeto comprometido com a distribuição de renda e a redução das desigualdades.
Neste percurso, o partido perdeu a virgindade, impossível de ser mantida na
idade adulta, e encarou a realpolitik
na busca, conquista e manutenção do poder.
Agora
mesmo, o PT se depara com duas questões polêmicas, que causam desilusões, mas
que precisam ser examinadas à luz da realidade, com todas as nuances que as
envolvem. A primeira é a privatização dos aeroportos, já em curso com a
concessão de três terminais à iniciativa privada, e a outra é uma possível
aliança com o PSD de Gilberto Kassab nas eleições do fim do ano para a
prefeitura de São Paulo.
Sem
querer invocar questões semânticas, existe uma diferença substancial entre
vender um bem ou empresa pública, como foi feito com a Vale do Rio Doce e a CSN,
por exemplo, e conceder serviços à administração e exploração privada. Isso,
aliás, já ocorre com as rodovias, exploradas há anos por concessionárias, em
diferentes governos.
Mesmo
quando se trata de concessões, há diferenças de princípios entre visões
políticas. Umas simplesmente outorgam a concessão e sobre ela não exercem
praticamente nenhum poder, permitindo excesso de pedágios a preços aviltantes.
Outras escolhem o concessionário pela melhor relação serviço/custo do pedágio,
buscando beneficiar os usuários do serviço concedido.
Na
concessão dos terminais aeroportuários, a Infraero manteve participação de 49% e
poder de veto sobre decisões. Os concessionários não podem fazer reengenharia
com o pessoal da Infraero e nem revender os aeroportos, que não lhe pertencem.
Os grupos privados que assumem os terminais não podem fechar os olhos à a
realidade brasileira, e fazer como Roger Agnelli, quando estava à frente da
Vale, que encomendou meganavios fora do país, desprezando a indústria naval que
ressurgia e aqui gerava empregos.
Concessão
de serviços públicos sempre existiu e continuará existindo independente do viés
do governo. Se o Estado está sem condições de fazer os investimentos necessários
para o seu bom funcionamento, que o conceda dentro de regras claras e benéficas
para a sociedade, e se concentre nos investimentos sociais, estes sim essenciais
para a transformação que o país vem experimentando nos últimos
anos.
Já
a aliança com Kassab deve doer mais nos corações petistas, mas ela não parece
pior do que as feitas nos dois governos de Lula e no atual governo Dilma. O PT
sempre priorizou as alianças com partidos do centro à esquerda, como PDT, PSB e
PCdoB, mas apenas com eles não conseguiria chegar ao poder, e, sobretudo,
governar, dentro das regras (ruins) do jogo da política
brasileira.
Logo
na primeira vitória de Lula, o arco estendido a uma série de legendas médias e
pequenas, e sem nenhuma ideologia, a não ser desfrutar do poder, causou sérios
prejuízos, manchando o partido e o governo. Na reeleição, Lula já aliou-se ao
PMDB - idéia defendida por José Dirceu desde 2002 - estabilizando mais o
governo, mas nem por isso, vendo-se livre de maus ministros e pequenos
golpes.
Mesmo
com esses problemas, Lula desenvolveu um projeto de governo inclusivo, aliando
crescimento à distribuição de renda, e agindo de acordo com princípios
defendidos pelo PT em situações decisivas, como a política adotada na crise
econômica mundial, a partir de 2008. Isso só é possível quando existe um grupo
hegemônico nas alianças. O PT teve que ceder muitas coisas aos partidos que
formam a base de apoio a seus governos, mas é ele que comanda o processo e dá as
diretrizes do governo.
No
caso de uma possível aliança com Gilberto Kassab, talvez seja ela o caminho para
a conquista do governo de São Paulo e para encerrar um ciclo que distancia a
capital paulista do resto do país. Mais do que isso, poderia significar o tiro
de misericórdia no setor mais conservador do país, entrincheirado lá, como em
1932, atrapalhando o salto definitivo para um país mais justo e mais
humano.
*Mair
Pena Neto
éum jornalista
carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência
Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de
economia.
Enviado por Direto da
Redação
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