7/2/2012,
Pepe Escobar, Asia Times
Online
Traduzido
pelo pessoal da Vila
Vudu
Pepe Escobar |
Um
coro grego de “incomodados”, “repugnados” e “ultrajados” saudou, como bem se
poderia prever, o duplo veto dos BRICS China e Rússia ao projeto de resolução do
Conselho de Segurança da ONU para impor mudança de regime na Síria. O projeto
vetado era apoiado pela Liga Árabe, aquele paraíso de democracia, organização
controlada pelas seis monarquias/emirados do Conselho de Cooperação do Golfo,
antigamente chamada Liga Árabe.
A
secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton chamou de “travesti” o duplo veto.
Na sequência, Clinton incitou “os amigos da Síria democrática” a continuar
trabalhando para mudar o regime, mudança que era o objeto da resolução vetada. O
proprietário do copyright dessa ideia é o libertador da Líbia, o
neonapoleônico Nicolas Sarkozy, presidente da França, que disse que Paris já
estava trabalhando para criar um “Grupo de Amigos do Povo Sírio” da CCGOTAN,
encarregado de implementar o plano de mudança de regime da Liga Árabe.
Logo
em seguida, em fila, Burhan Ghalyun, fantoche de Paris, chefe do Conselho
Nacional Sírio (CNS) – grupo da oposição guarda-chuva – convocou os países
“amigos do povo sírio”. Todos sabem quem são: EUA, Grã-Bretanha, França, Israel
e dois membros do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG): o Qatar e a Arábia
Saudita. Com amigos como esses, o “povo sírio” não precisa de inimigos.
Os
“disgusting” BRICS
A
embaixadora dos EUA na ONU, Susan Rice – chefe da torcida organizada pró
“Responsabilidade de Proteger” (R2P), também conhecida como bombardeio
humanitário – declarou “disgusting” o duplo veto.
Até
as vetustas pedras da mesquita Umayyad em Damasco sabem que só Washington tem o
direto de exercer poder de veto na ONU – e sempre para proteger o direito que só
Israel tem, de matar palestinos, homens, mulheres e crianças, com tanques e
bombardeio cerrado, sem tomar conhecimento de resoluções da ONU. Uma relação
parcial das vezes que os EUA vetaram projetos de resolução da ONU pode ser lida
em: US
on UN Veto: “Disgusting”, “Shameful”, “Deplorable”, “a Travesty” . . .
Really?
A
Rússia, em alto e bom som – e a China, discretamente – já haviam informado sobre
o veto, há semanas: esqueçam resoluções da ONU para mudar regime na Síria ou,
ainda pior, para abrir as portas da Síria para invasão ao estilo do bombardeio
humanitário que a OTAN promoveu na Líbia.
A
Rússia tem suas próprias razões geopolíticas para definir a Síria como limite
infranqueável: a única base naval russa no Mediterrâneo está em território
sírio, no porto de Tartus; e a Síria compra armas da Rússia. Mas, de fato, todos
os cinco BRICS – mais a ampla maioria do mundo em desenvolvimento – estão em
sincronia: esqueçam resoluções da ONU para viabilizar mudança de regime
promovida pelos suspeitos de sempre, o trio ocidental EUA-França-Grã Bratanha e
– o ápice da hipocrisia – planejada pelos hiper “democráticos” Qatar e Casa de
Saud.
Na
próxima 3ª-feira, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov,
estará em Damasco, para reunião com o presidente Bashar al-Assad, na qual
discutirão plano sério para tentar pôr fim à violência. Lavrov explicou calma e
ponderadamente as razões do veto russo.
Disse que enviou diretamente à secretária Clinton as
emendas que a Rússia propunha ao texto da resolução: “Quem desse atenção àquelas
emendas facilmente perceberia a racionalidade e a objetividade de nossa
posição”, disse ele. Mas de nada adiantou. O projeto de resolução não foi
emendado e permaneceu “unilateral” – nada pedindo à oposição armada. Lavrov
disse claramente: “Nenhum presidente que não esteja absolutamente derrotado e
que se respeite aceitaria algum dia essa exigência, por mais ameaçado que
esteja. E nada, em nenhum caso, justifica render-se e entregar o país, sem
resistência, a extremistas armados”.[2]
Imaginem
se Homs fosse cidade do Texas e alguma liderança local decidisse mudar o regime
de Washington!
Mesmo
assim, o Conselho Nacional Sírio declarou que Moscou e Pequim são “responsáveis
pela escalada nos atos de matança e genocídio” e facilitadoras de uma “licença
para matar”. Lavrov não se deixou abalar: “Já dissemos várias vezes que não
estamos protegendo Assad. Estamos protegendo a lei internacional. O Conselho de
Segurança da ONU não tem competência para intervir em questões internas dos
estados”.
Homs:
Quem está matando quem?
O
embaixador da Síria à ONU, Bashar Ja’afari, negou firmemente as acusações da
oposição de que o exército sírio estaria bombardeando o bairro de Khadiliya em
Homs, usando tanques e artilharia e que teria matado mais de 200 pessoas. Disse
que “nenhum ser racional lançaria ataque desse tipo na véspera de o Conselho de
Segurança da ONU votar a resolução sobre a Síria”. Sem qualquer investigação, a
França declarou que teria havido “um massacre” em Homs, “crime contra a
humanidade”. Alguma coisa semelhante, talvez, ao que a França fez várias vezes
na guerra da Argélia?
Para
começar a entender o que está em jogo, é preciso ter em mente quem está
desertando do exército sírio. Os militares de mais alto escalão do exército
sírio – e membros do Partido Ba’ath – são praticamente todos alawitas, seita
xiita (10% da população total). Esses não estão desertando.
Os
desertores são soldados sunitas (70% da população total). Esses desertam e
formam milícias armadas, ao estilo do que se viu na Líbia, e milícias que
acolhem muitos mercenários pesadamente armados pelo Conselho de Cooperação do
Golfo e que matam soldados do exército regular.
A
resposta do governo sírio foi atacar os bairros onde vivem as famílias desses
desertores. O centro de Homs está hoje sob controle dos rebeldes.
O
que, então, está acontecendo em campo, em Homs? Reproduzo aqui trechos de
um e-mail crucialmente importante, que recebi de fonte
cristã e síria, altamente confiável:
Muitos
sírios estão entusiasmadíssimos com o duplo veto, mas a situação em Homs é muito
preocupante. A oposição espalhou notícias sobre um massacre pouco antes da
votação, falando de centenas [de mortos]. É inacreditável, mas a mesma notícia
foi repetida em todos os canais de televisão (todos sempre citando “ativistas”),
sem qualquer verificação. No máximo, o número de mortos foi reduzido para cerca
de 33. Nenhum canal de notícias mostrou bombardeios ou cadáveres ou gente ferida
(...) só homens despidos ou vestindo só cuecas, e lavados para serem enterrados,
com mãos e pés atados, e com sinal de tiro de execução na cabeça. Que arma
incrível será essa, do arsenal do governo sírio, uma bomba tão inteligente que
consegue despir e amarrar os inimigos e, em seguida, executa-os com um tiro na
testa?!
O
que se sabe com certeza absoluta é que não há presença militar em Homs. Meus
pais deixaram a cidade e retornaram para lá no sábado pela manhã – dia do
alegado massacre – e nada viram. Como fazem sempre, telefonaram para um número
(115) que fornece informações sobre segurança nas estradas. O operador disse que
podiam viajar tranquilamente para Homs, que não havia qualquer sinal de agitação
ou combates, nem na cidade nem nos arredores. Mas quase toda a cidade,
principalmente a parte antiga, está sob controle de milícias armadas. O bairro
onde moram meus pais e onde eu cresci (o bairro cristão de Bustan al-Diwan) está
completamente tomado pelas milícias. Há vídeos em YouTube que mostram que o
Exército Síria Livre atacou e removeu os postos de vigilância que o exército
mantinha em outro bairro próximo (Bab al-Dreib) e, em seguida, atacou e removeu
o posto que protegia o nosso bairro.
Pessoas
que moram perto de nossa casa não viram qualquer sinal de agitação e não falam
de qualquer tipo de agitação, embora todos saibam que alguns ‘revolucionários’
invadiram algumas casas cujos moradores partiram naqueles dias ou antes; e que
também invadiram uma escola, a redação do jornal Homs Newspaper (operado pela igreja ortodoxa há mais de um
século) e alguns restaurantes. Essas são as únicas reclamações que se ouvem por
aqui. Quero dizer: se se considera o que esse Exército Síria Livre tem feito
contra os alawitas, a comunidade cristã está sendo muito bem tratada, até
aqui.
O
que se diz por aqui é que os corpos mostrados amarrados e que teriam sido mortos
em Khalidiya, e que seriam cadáveres de “homens, mulheres e crianças” mortos em
bombardeio pelo exército sírio regular, são, de fato, soldados do exército sírio
que foram sequestrados. Há também alawitas sequestrados, que não foram
libertados (em trocas de prisioneiros). Quando o Exército Sírio Livre começou a
sequestrar pessoas, os alawitas também passaram a sequestrar, para ter o que
negociar e conseguir libertar soldados presos pelas milícias. Nem sempre dá
certo, e muitos que não foram “trocados” apareceram mortos em Khalidiya.
O
que se pode garantir é que, até agora, não há qualquer tipo de ataque pelo
exército sírio regular na cidade. Os rebeldes continuam a atacar outros postos
de segurança do exército. Ninguém por aqui tem qualquer ideia sobre o que o
governo pensa fazer em relação à situação em Homs. É terrível para mim ver o
nosso bairro transformado em campo de batalha e tantos amigos meus, que partem
da cidade.
A
informação da minha fonte coincide perfeitamente com o que escreveu o jornalista
Nir Rosen, autor do indispensável
Aftermath: Following the Bloodshed of America's Wars in the Muslim
World: em Homs estão acontecendo ataques das milícias armadas contra postos
de controle do exército sírio na estrada; e o exército sírio ataca alguns dos
bairros onde vivem as milícias armadas. Segundo Rosen:
Não
há luta em Homs. O governo bombardeia algumas áreas onde suspeita que haja
rebeldes (o que sugere que o regime não tenha meios para atacar Khalidiya)
(...). Até agora não houve qualquer baixa entre os rebeldes. Em Khaldiyeh houve
130 mortos e 800 feridos (mas não eram combatentes). É muita gente, sim, mas se
você assiste aos noticiários... Segundo os noticiários, Homs teria sido
destruída pelo governo da Síria. Essa notícia é falsa. De fato, o ataque das
milícias em Homs sugere que, ali, o regime está enfraquecido, sem meios para
atacar as milícias.
[3]
Confirma-se
assim o que minha fonte escreveu: “Ninguém por aqui tem qualquer ideia sobre o
que o governo pensa fazer em relação à situação em Homs”.
Todo
o planeta viu como o milionário prefeito de New York respondeu ao movimento Occupy Wall Street – movimento pacífico.
Imaginem, então, qual seria a resposta das autoridades a uma insurreição armada,
para mudança de regime, que eclodisse numa cidade de porte médio nos
EUA.
Os
“disgusting” BRICSs já deixaram bem claro que não haverá bombardeio
humanitário à moda CCGOTAN na Síria. Mas o CCGOTAN pode estar conseguindo
sucesso no seu plano B: lançar a Síria numa guerra civil.
Notas
dos tradutores
[1]
Orig. disgusting.
É palavra de difícil tradução ao português, no contexto da fala das autoridades
dos EUA; cobre um campo semântico que vai de “incômodo” ou “desagradável”, até
“repugnante” e “nojento” .
[2]
5/2/2012, “Ministro
russo explica veto à Resolução sobre Síria”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.