Sharmine Narwani |
19/12/2011,
Sharmine Narwani
, Huffington Post (Blogs)
Stratfor
Challenges Narratives on Syria
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido na Vila Vudu:
“– Na mídia
brasileira, ninguém contesta é poooorra nenhuma.
É só repetição de matérias de agências norte-americanas,
tudo igual, tudo igual, tudo igual...”
“– Mas será que o
William Waack ou o Merval Pereira
algum dia ouviram falar de Instituto Stratfor?!”
Desde que
eclodiram as manifestações públicas na Síria, em março passado, as narrativas
sobre a crise síria só fazem repetir o tema das demais revoltas árabes. Um
governante autoritário que esmaga oposição pacífica que se levanta contra seu
governo e abre fogo contra civis, e o número de manifestantes cresce, e cresce
também o número de cadáveres...
Mas entramos agora
no nono mês desse conflito particularmente violento – nem a Líbia, com guerra
civil declarada, demorou tanto. O que está acontecendo?
Segundo o Instituto Stratfor, com sede no Texas e
especializado em análise de risco geopolítico, que, semana passada, distribuiu
devastadora crítica dos esforços de propaganda da oposição síria, “a maioria das
denúncias mais sérias da oposição síria não passam de exagero grosseiro ou são
simplesmente falsas, o que revela muito mais sobre a fraqueza da oposição, do
que sobre o real nível de instabilidade dentro do regime sírio” [1].
É evento
importante por duas razões. Primeiro, porque é a primeira vez que empresa de
inteligência com sede nos EUA contesta abertamente a narrativa dominante sobre o
caso sírio. Segundo, porque, ante os dados reunidos pelo Instituto Stratfor,
somos obrigados a nos perguntar: em que, afinal, os EUA baseiam suas iniciativas
políticas, se todos os nossos pressupostos de informação são falsos?
A Síria, afinal, é
ou não é “instável”? Que importância como representação de algum desejo de
alguma maioria tem (teria) a oposição ao regime de Bashar al-Assad? O número de
mortos que todos os dias nos é informado e que tanta revolta provoca, é número
confiável? Significa alguma coisa? Quem está matando quem? Como se podem
confirmar os números e as notícias incansavelmente repetidas? Os manifestantes
locais são capazes de discernir entre um manifestante pró-regime civil morto e
um morto civil anti-governo – sobretudo se se sabe que os dois lados estão
armados e atirando?
Não tenho meios
nem para desmentir nem para confirmar as informações que são distribuídas e nem
tentarei. Mas pergunto: de onde vêm todos esses “fatos”?
As
informações sobre a Síria são viciadas?
Informação colhida
de grupos de oposição não são confiáveis por definição, porque às oposições
sempre interessa divulgar dados “benéficos” e ocultar as estatísticas “que não
ajudam”. E a mesma dinâmica aplica-se ao governo, motivo pelo qual tantos
suspeitam sempre do que diga o governo sírio.
Mas ninguém vê a
oposição síria dando divulgação democrática ao número de soldados regulares do
exército sírio mortos, por exemplo – exceto para dizer que haveria soldados
desertores, e que estariam sendo assassinados. Nesse momento, o Twitter zune com notícias (muitas delas
apenas repetidas), segundo as quais, mais de 70 dos mais de 100 mortos de hoje
seriam “desertores”.
Tampouco se ouve
qualquer informação sobre o número de civis pró-regime mortos pela oposição
armada – muitos dos quais mortos ao se manifestarem a favor do regime sírio.
Nada disso, é
claro, significa que a oposição síria minta para ganhar a simpatia e o apoio
internacional – sobretudo porque a “oposição” não é homogênea e tem várias
caras, propostas, poderes e ambições.
Mas o Instituto
Stratfor questiona diretamente o objetivo de alguns daqueles grupos, baseado em
provas recolhidas de campanhas de desinformação:
O artigo de
Stratfor foca-se, basicamente, nos esforços da oposição síria para dar a
impressão de que, nas últimas semanas, estaria havendo grave divisão dentro do
próprio clã do presidente Assad e dentro da minoria alawita, fé professada por
vários dos mais altos comandantes das forças armadas sírias e líderes políticos
do governo.
Dentre as mentiras
já identificadas, está matéria datada de 10/12, segundo a qual “o vice-ministro
da Defesa da Síria e ex-chefe da inteligência militar Asef Shawkat foi
assassinado por um assessor e ex-chefe da Segurança, general Ali
Mamlouk.”
É notícia falsa,
segundo Stratfor, divulgada para criar “uma falsa imagem de que dois sunitas,
com altos postos no governo, estar-se-iam matando a tiros”, e que alimenta “uma
narrativa que ajuda alguns grupos, dedicados a minar a ideia de que o governo de
Assad mantém-se coeso na determinação de conter a oposição armada e salvar o
regime sírio”.
Outro exemplo, do
dia 9/12, o jornal Asharq al Awsat, de propriedade de sauditas, publicou
declaração de uma até então desconhecida “Liga Alawita de Comitês de
Coordenação”, autoapresentada como representante da comunidade alawita síria, e
que “rejeita qualquer tentativa de culpar os alawitas pelo “barbarismo” do
regime Assad”. Na avaliação do Instituto Stratfor, a notícia “plantada” dá “a
impressão de que a comunidade alawita estaria dividida e que o regime de Assad
estaria perdendo o apoio dentro de sua própria comunidade
religiosa”.
O Instituto
Stratfor cita fontes suas, dentro da oposição síria, que “confirmaram que aquela
Liga Alawita de Comitês de Coordenação não existe e não passa de ficção
inventada pela oposição sunita na Síria”.
No mesmo dia,
outros grupos da oposição, entre os quais o Conselho Nacional Sírio, o Exército
Sírio Livre e o Observatório de Direitos Humanos na Síria (que tem sede em
Londres) começaram a distribuir “notícias” segundo as quais “forças do governo
sírio sitiaram Homs e impuseram prazo de 72 para que os desertores do exército
sírio entregassem as armas, ou seriam massacrados.”
Essas notícias
apareceram em manchetes de jornais e televisões em todo o mundo – porque Homs é
o centro da oposição ao regime, onde o número de mortos parece ser maior que em
outras cidades. Mas investigações feitas pelo Instituto Stratfor descobriram que
“não há sinais de massacre”. E o Instituto alerta que “forças da oposição a
Assad têm interesse em difundir a fantasia de que haveria risco de massacre, na
tentativa de criar quadro semelhante ao que levou a uma intervenção militar
estrangeira na Líbia”.
O Instituto lembra
que não há risco de massacres na Síria, ou que, no mínimo, são altamente
improváveis, porque “o regime sírio trabalha exatamente para evitar esse tipo de
cenário. As forças legais na Síria”, diz o Instituto Stratfor, “têm sido muito
cautelosas para evitar altos números de mortos, que pudessem levar a qualquer
tipo de intervenção baseada em critérios humanitários.” E por aí
vai.
Narrativas falsas, sem qualquer
fundamento, turvam as águas
Stratfor
identifica alguns objetivos evidentes que dirigem os esforços de propaganda dos
grupos de oposição síria:
– Convencer os
sírios dentro da Síria (e não só a maioria sunita, mas também outras minorias
que, até agora, se mantêm firmemente a favor do governo), de que o regime
estaria dividido, sem força e que de nada serviria continuar a
apoiá-lo.
– Convencer
apoiadores externos da oposição, como os EUA, a Turquia e a França, de que o
regime está fragilizado, a ponto de cometer massacres para conter os protestos,
como acontecia em 1982, em Hama.
– Convencer todos,
os sírios e apoiadores externos da oposição, de que o colapso do governo de
Assad não gerará o mesmo nível de instabilidade que se viu no Iraque, ao longo
de quase uma década, nem levará ao surgimento de milícias islâmicas como parece
já estar acontecendo na Líbia. Com esse objetivo, o Exército Síria Livre tem
dado destaque a operações de defesa de civis, para não ser rotulado como
milícias golpistas. Simultaneamente, a oposição política tem repetido que deseja
preservar intactas as estruturas do governo, de modo a evitar o cenário que se
tem no Iraque, onde hoje é necessário reconstruir o estado, que foi
completamente destruído, e o país já enfrenta guerra
sectária.
Stratfor chama a
atenção para a facilidade com que os discursos dos grupos de oposição na Síria
chegam rapidamente às manchetes da imprensa ocidental, e que esses veículos
repetem com regularidade “dados distribuídos pelo Observatório de Direitos
Humanos na Síria, apesar de nenhum daqueles dados poder ser confirmado.” Mas o
Instituto Stratfor também alerta que “a falta de coordenação entre os veículos
de distribuição de informação da oposição na Síria, e a nenhuma confiabilidade
dos dados que são distribuídos já está minando a credibilidade da própria
oposição como um todo.”
Hoje, o presidente
Assad da Síria assinou o protocolo da Liga Árabe, autorizando a visita de uma
missão de investigação. Se se conseguir que esse importante processo não seja
sequestrado nas malhas da política regional – risco que não se deve descartar,
apesar das boas intenções – é possível que, doravante, possamos afinal começar a
conhecer o que realmente acontece hoje na Síria.
Sem rigorosa
atenção à apuração dos fatos, é baixa a probabilidade de que os dois lados que
se enfrentam na Síria consigam superar suas diferenças e rancores. Falsas
narrativas, incansavelmente repetidas sem qualquer atenção à verificação e à
confirmação das notícias, servem só para manter aceso o conflito. Parabéns ao
Instituto Stratfor por chamar a atenção para a importância de produzirmos melhor
jornalismo e informação mais confiável e transparente.
Nota dos tradutores
[1] 14/12/2011, “Missteps
in the Syrian Opposition's Propaganda Effort”, em ingles.
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