sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Pepe Escobar: “Jogo de xadrez na Eurásia”


Pepe Escobar

21/12/2011, Pepe Escobar, Asia Times Online
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Ver também
5/9/2011, Pepe Escobar: “O Amado Líder e o Oleodutostão” (Asia Times Online) em português.

Estão abertas as apostas sobre qual o maior acontecimento de 2011. O(s) Despertar(es) Árabe(s)? A contrarrevolução árabe, desencadeada pela Casa de Saud? As “dores do parto” do Oriente Médio Expandido, já remixado para mudanças seriais de regimes? A R2P (“responsabilidade de proteger”) usada para legitimar bombardeio “humanitário”? Ou o congelamento do “reset” entre EUA e Rússia? Ou a morte da al-Qaeda? Ou o eurodesastre? Ou os EUA anunciando um “século [do oceano]Pacífico” cum Neo Guerra Fria, agora contra a China? Ou, talvez, o ataque que os EUA preparam-se para lançar contra o Irã? (mas esse, de fato, começou antes, com Jorge Dábliu, Dick e Rummy, há eras...).

Mapa da Eurasia

Por baixo de todas essas tramas interligadas – e a histeria correspondente das manchetes, em estilo Guerra Fria –, há um fluxo pulsante, sem fim, que flui sem parar: o Óleo-gasodutostão. Esse é o tabuleiro no qual se disputa a guerra-gêmea, semioculta, da “longa guerra” do Pentágono. Todos os atuais eventos e desenvolvimentos geopolíticos têm a ver com energia. Assim sendo, apertem os cintos! É hora de revisitar o “grande tabuleiro de xadrez” do Dr. Zbigniew Brzezinski na Eurásia, para descobrir quem está vencendo as guerras do Óleo-gasodutostão. 

Conseguiram ingressos para a ópera?

Comecemos com Nabucco [1] (a ópera do gás). Nabucco é, sobretudo, uma jogada chave de ataque, estratégica, que está sendo jogada pelo ocidente: trata-se de fazer chegar à Europa o gás do Mar Cáspio. Executivos de energia falam de “abrir o Corredor Sul” (do gás). O problema é que esse “Abre-te, sésamo” só funcionará se for alimentado por um tsunami de gás que tem de vir de dois “-stões” crucialmente importantes: Turcomenistão e Azerbaijão. 

Nabbuco, com seus 3.900km de extensão, atravessa cinco países – Áustria, Bulgária, Hungria, Romenia e Turquia – e pode vir a custar assombrosos 26 bilhões de euros (US$33,7 bilhões) [1]

A construção – sempre adiada – deve começar em 2013. Hoje, de fato, tudo está reduzido à confusão a mais completa. Ninguém sabe sobre preços, nem detalhes dos direitos de passagem pelos vários países. A Turquia quer revender, ela mesma, o gás. E além do mais, se Baku e Ankara decidirem desenvolver simultaneamente a fase II [2] dos campos de Shah Deniz no Azerbaijão para alimentar o gasoduto, precisarão de investimento extra de $20 bilhões. 

O presidente do Turcomenistão, que carrega o espetacular nome de Gurbanguly Berdymukhamedov, agarra-se a um script que é sua marca registrada (podem ouvi-lo cantar “For You, My White Flower”, de sua autoria). Sempre repete que as muitas propostas da União Europeia “serão analisadas” e que a cooperação com os europeus é “prioridade estratégica” de sua política externa. Mas o Santo Graal que a União Europeia busca – acordo assinado para obter o gás – parece mais distante, a cada dia. Na Rússia e também no Azerbaijão, muitos apostam que o acordo jamais será assinado. 

Nosso Gurbanguly, operador político esperto que é, antes preferirá pôs seus ovos numa cesta chinesa – em vez de deixá-los rolar naquelas terras distantes e atordoadas pelo euro e suas complicações. Por isso o Azerbaijão vive de tirar o corpo ante qualquer compromisso, ao mesmo tempo em que finge que estuda propostas. Gurbanguly sabe melhor que ninguém que, para os europeus, Nabucco é a via pela qual se pode livrar (pelo menos um pouco) das garras da Gazprom russa. Ao mesmo tempo, dá tratos à bola para descobrir meios para maximizar seus lucros chineses, sem antagonizar a Rússia. 

Toda a burocracia europeia que mereça a (má) fama que tem apoia o Projeto Nabucco [3], principalmente uma faminta Comissão Europeia (CE) – o ramo da União Europeia mais infestado de executivos de altíssimos salários. A prioridade estratégica matar-ou-morrer da Comissão Europeia é ligar o porto de Turkmenbashi, no Turcomenistão, à península Absheron, no Azerbaijão por um oleo-gasoduto trans-Cáspio (orig. Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)) [4]. Os dois portos são muito próximos. Fiz a viagem num cargueiro infestado de azerbaijoneses movidos a vodka, em menos de 12 horas. 

Mas como fazer acontecer? Moscou fechou todas as torneiras do gás do Azerbaijão. A Gazprom confiscou todo o surplus de gás do Turcomenistão. A única opção seria o Irã. E quem informará disso o Senado dos EUA – que já declarou guerra econômica [5] ao Irã? 

TAPI já!

É preciso voltar ao AfPak. Ninguém, nem as divindades que regem o Hindu Kush sabem se, algum dia, serão finalmente concluídos os 1.735 quilômetros do óleo-gasoduto TAPI (Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia), que já custou $7,6 bilhões (e a cada dia mais custa). 

Para Bayramgeldy Nedirov, ministro de petróleo e gás do Turcomenistão, “não há qualquer dúvida de que [o Projeto TAPI] será realizado.” [6] Paquistão e Índia – depois de longuíssimas idas e vindas – afinal chegaram a um acordo sobre preços. Cerca de 1/3 do óleo-gasoduto será financiado pelo Banco de Desenvolvimento Asiático [ing. Asian Development Bank] com sede nas Filipinas – dado que Afeganistão e Paquistão estão quebrados. 

Imaginem uma serpente de aço que avança pelo oeste do Afeganistão rumo a Herat, desvia para o sul (enterrado, para evitar ataques terroristas) paralelo à estrada Herat-Kandahar, depois volta via Quetta – terra do El Supremo dos Talibã, mulá Omar – até Multan no Paquistão e chega afinal a Fazilka, litoral do Índico.

Citando Sam Spade em Falcão Maltês, “Desse material são feitos os sonhos”, desde o governo Bill Clinton, muito antes do 11/9, e da hoje já virtualmente extinta GWOT [global war on terror, guerra global ao terror]. Os mais cínicos podem ver aí uma “república de gás”, o Turcomenistão – dona da quarta maior reserva mundial – saindo-se muito melhor no trabalho de promover o desenvolvimento e a segurança no Afeganistão, que 100 mil soldados dos EUA. 

O gás para o óleo-gasoduto TAPI virá do novo campo do Yolotã Sul-Osman – que já abastece a China (segundo os auditores britânicos Gaffney, Cline & Associates, é o segundo maior campo de gás do mundo [7], menor, só que o campo de Pars Sul, no Irã). Nosso Gurbanguly, aliás, já assinou decreto que muda o nome do campo de gás para Galkynys – palavra em idioma turcomeno para “Renascimento”. Afinal de contas, o reino de Gurbanguly é conhecido também pelo codinome “Tempos de Novo Renascimento e Grandes Transformações”. Essas “transformações” nada têm a ver com o(s) Despertar(es) Árabe(s). 

Aqui se vê mais um gambito esperto jogado por nosso Gurbanguly. Ele mantém uma porta aberta para o projeto Nabucco, ao liberar o gás do campo Dauletabad no sul do Turcomenistão, por um gasoduto doméstico, até o Mar Cáspio e daí até o OH! Sempre Fugidio óleo-gasoduto Trans-Cáspio (orig. Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)). Até os (saborosíssimos) esturjões do Cáspio sabem que, sem um óleo-gasoduto Trans-Cáspio, o projeto Nabucco chegará já morto ao hospital. 

Há pelo menos um ano, nosso Gurbanguly repete, a todos os diplomatas e altos executivos do petróleo que apareçam, que rejeita a interferência da Rússia na estratégia turcomena para o gás. [8] Mas, parece, esqueceu de contar aos russos. 

O presidente Dmitri Medvedev da Rússia visitou, sim, Ashgabat – a Las Vegas da Ásia Central – para discutir negócios [9]. E lá, numa jogada arriscada, a Gazprom, de repente, declarou amor eterno ao TAPI! Vejam só! Os EUA sonham com o TAPI desde 1996... E agora, a rival Gazprom abocanha o negócio inteiro! Ninguém soube o que Medvedev ofereceu a Gurbanguly, para tirar-lhe da cabeça os sonhos de louis vuittons falsificadas. Provavelmente, nada. Voltaremos a isso, num minuto. 

Pergunte às matriochcas [2]

O concorrente direto do óleo-gasoduto TAPI é o óleo-gasoduto IPI – Irã-Paquistão-Índia (a Índia, pressionada pelos EUA, já praticamente desistiu); a China está a um passo de gritar “truco!” e converter a coisa em óleo-gasoduto IPC – Irã-Paquistão-China. E querem saber? A Gazprom agora também quer entrar na dança Irã-Paquistão [10], ao lado da CNPC chinesa! O trecho iraniano do óleo-gasoduto está praticamente pronto. O trecho paquistanês começa a ser construído no início de 2012. Mais um movimento de mestre enxadrista russo. E Washington nem viu o que podia estar vindo. E veio. 

Qualquer matriochca de madeira sabe o que Moscou não quer que aconteça: que o capítulo afegão do Império de Bases Militares dos EUA algum dia venha à luz. E há a questão da mudança de regime na Síria (com o fim implícito do direito de a Frota Russa no Mar Negro usar o porto de Tartus). Há os avanços da OTAN no Mar Negro. Há a sempre crescente (pelo menos, na retórica) parede de mísseis de defesa dos EUA. E há a aposta dos EUA, de que repenetrarão na Ásia Central pela “Nova Rota da Seda” [11]

A Northern Distribution Network (NDN), montada pelos EUA, pelo menos formalmente, só está abastecendo soldados dos EUA e da OTAN no Afeganistão porque recebeu autorização dos russos [12]. Essa linha de abastecimento é uma trilha quase infinita que atravessa a Eurásia, inclusive o Uzbequistão – cuja ditadura sanguinária a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton elogiou como “politicamente progressista” – e o Tadjiquistão. Não se pode dizer que forçar demais os russos seja estratégia exatamente vencedora. 

Moscou vê também que Washington antagonizou virtualmente todos os grupos e forças, no Paquistão – com a “guerra dos drones”, ativos praticamente em tempo integral; com violações da soberania do Paquistão, também em tempo integral; com tão tolas quanto repetidas ameaças de “invadir” e “capturar o arsenal nuclear de vocês”. Para Washington, prioridade é fazer Islamabad atacar os Talibã-no-Paquistão no Baloquistão e, assim, envolver-se rapidamente numa guerra civil contra, não só os pashtuns, mas também os baloques. Dado que, agora, Moscou – e Pequim – supervisionam o campo de batalha, podem deixar correr o tempo, bebericando chá verde. 

Quando ex-vermelhos se enfurecem 

A entente russo-chinesa não é exatamente um pas-de-deux do Balê Bolshoi. 

A Rússia quer vender gás à China por $400/mil metros cúbicos, o mesmo preço que cobra da Europa. O esperto turcomeno cobra só $250 dos chineses. Pequim já gastou 4 bilhões de dólares no Yolotã Sul (e continua a gastar); querem todo o gás que consigam, para abastecer o muitíssimo bem-sucedido gasoduto Turcomenistão-Uzbequistão-Cazaquistão-China (que os chineses construíram) e que já está operante há dois anos recém completados [13]. Pequim é insaciável: a CNPC, a gigante chinesa do petróleo, quer estar importando nada menos que cinco vezes o que hoje importa da Ásia Central, à altura de 2015 [14].

Isso significa que, para a China, o potencial negócio de $1 trilhão, de 30 anos, com a Rússia pode não ser tão indispensável [15]. A estratégia da Gazprom resume-se a dois gasodutos da Sibéria à China. Para a Rússia, é absolutamente essencial, em termos de extrair dinheiro da Sibéria. As ramificações geopolíticas são imensas. Um cordão umbilical de aço entre Rússia e China pode ser interpretado na Europa – refém virtual da Gazprom – como, talvez, um sinal de que a Europa precisa mais do que nunca do Irã. Ao mesmo tempo, a Rússia continua extremamente desconfortável com o massacre energético que a China inflige a toda a Ásia Central.

Em super-resumo, eis o que pensa Pequim: não pagaremos os preços que a Europa paga pelo gás do Turcomenistão. E não queremos um oleo-gasoduto trans-Cáspio (orig. Trans-Caspian Gas pipeline (TCGP)) [4] até a Europa. Nem a China, nem a Rússia, nem o Irã – ninguém, exceto a OTAN – quer o TCGP [16].

Com o quê logo se vê que os turcomenos podem vender gás à China e ao Irã. Podem vender, até, para o sul da Ásia, via TAPI (afinal de contas, a Gazprom russa já entrou na dança). Mas os turcomenos não conseguirão vender gás para a Europa – onde a Gazprom reina. Ninguém entende como o nosso Gurbanguly conseguiu perceber isso. 

Vem aí o Czar do Gás!

Examine-se a coisa toda por seja qual for o lado, é impossível fugir à sensação de que o Czar do Gas-oleodutostão é Vladimir Putin (e, como o Exterminador, lá estará ele, de volta, em março de 2012, como Presidente da Rússia, queiram ou não queiram os EUA). Afinal, a Rússia produz mais petróleo que a Arábia Saudita (pelo menos, até 2015 [17]) e tem as maiores reservas conhecidas no planeta de gás natural. Cerca de 40% de todo o dinheiro do Estado russo vem do petróleo e do gás. 

O plano de Putin é enganadoramente simples: a Gazprom “invade” a Europa Ocidental e neutraliza a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). 

Prova 1: O óleo-gasoduto Nord Stream [aprox. “Linha Norte”], de $12 bilhões e 1.224km de extensão, construído conforme exigências de preservação ambiental extraordinariamente rigorosas, que começou a ser construído em setembro passado. É gás que vem da Sibéria, atravessa o subsolo do Mar Báltico, contorna a problemática Ucrânia, e chega diretamente à Alemanha, Grã-Bretanha , Países Baixos, França, Bélgica, Dinamarca e República Tcheca (10% de todo o consumo anual de gás da União Europeia, ou um terço de todo o gás que a China consome hoje). O presidente do Consórcio de empresas que está construindo o óleo-gasoduto Nord Stream é o ex-chanceler alemão, Gerhard Schroeder. 

Prova 2: O óleo-gasoduto South Stream [aprox. “Linha Sul”] (o acordo entre os acionistas já foi assinado entre Rússia, Alemanha, França e Itália). É gás russo levado pelo subsolo do Mar Negro até a parte sul da União Europeia, através da Bulgária, Sérvia, Hungria e Eslováquia. Parte essencial de toda a negociação foram os bons tempos que Putin passou ao lado de seu íntimo amigo, o ex-primeiro-ministro da Itália Silvio “bunga bunga” Berlusconi. 

Quando o óleo-gasoduto Nord Stream saiu do papel e começou a ser construído, Washington literalmente enlouqueceu. Não só porque o Nord Stream redesenhou toda a configuração energética da Europa; também porque forjou uma aliança estratégica indestrutível entre Alemanha e Rússia. Putin, melhor que ninguém, sabe o quando os governos podem ser engessados por tubos de aço que transportam gás e petróleo. 

E South Stream também está enlouquecendo Washington, porque põe a nocaute o Projeto Nabucco e é muito mais barato. Quem queira causa para batalhas geopolíticas e geoeconômicas não encontrará melhor. 

Para Washington – alarmada com o que os alemães chamaram deliciosamente de “parceria para modernização” com a Rússia – restou a tarefa de promover a “resistência” europeia contra o massacre pela Gazprom, como se a Alemanha fosse o Parque Zucotti; e a Rússia, a Polícia Municipal de New York. Mais uma vez aqui, vê-se o óleo-gasodutostão misturado a reverberações políticas. 

Por exemplo: Alemanha e Itália são totalmente contrárias à expansão da OTAN. Por quê? Por causa de Stream Norte e Stream Sul. A formidável máquina exportadora alemã é movida por energia russa; a frase bem poderia ser “Ponha uma Gazprom no meu Audi”. 

Como observou William Engdahl, autor do seminal A Century of War: Anglo-American Oil Politics in the New World Order,  “Nord Stream e South Stream estão posicionados para ultrapassarem o espaço da segurança energética mundial que existe hoje e coreografarem juntos uma nova dinâmica de poder no coração da Europa.” [18]

O mapa do caminho de Putin é o documento assinado por ele, “A new integration project for Eurasia: The future in the making” [Um novo projeto de integração para a Eurásia: o futuro da humanidade], publicado no jornal Izvestiano início de outubro [19] . Pode ser desqualificado como megalomania, mas também pode ser lido como um ippon [3] – Putin adora judô – contra a OTAN, o Fundo Monetário Internacional e o neoliberalismo. 

Sim, o presidente Nursultan Nazarbayev do “leopardo das neves” Cazaquistão já falava de uma União Eurasiática desde 1994. Mas Putin esclarece que não se trata de Back In The USSR [4], mas de uma “moderna união econômica e de moeda” que se estende por toda a Ásia Central. 

Para Putin, a Síria é só um detalhe: o que realmente conta é a integração eurasiana. Não é supresa, pois, que os OTANistas tenham tido chiliques, ante sua sugestão de “uma poderosa união supranacional que pode converter-se num dos vários polos do mundo contemporâneo, ao mesmo tempo que opera como eficiente elo de conexão entre a Europa e o dinamismo da Região do Pacífico Asiático”. Comparem com a “doutrina” do presidente Barack Obama e Hillary Clinton para “o Pacífico” [20]

Só “integrem” quando eu mandar! 

O cenário está posto para disputa a murros, nessa intersecção crucial da geopolítica hardcore e o óleo-gasodutostão. A “Nova Rota da Seda”, sonho de Washington, já é o que se pode chamar de fracasso [21]

Moscou, por sua vez, quer agora que o Paquistão seja admitido como membro pleno da Organização de Cooperação de Xangai [ing. Shanghai Cooperation Organization (SCO) [22]. E a China idem, em relação ao Irã. Imaginem Rússia, China, Paquistão e Irã coordenando eles mesmos a própria segurança deles mesmos numa SCO fortalecida, cujo motto é “não alinhamento, nenhum confronto e nenhuma interferência em assuntos internos de outros países”. “Responsabilidade para Proteger” é que não é! 

Mas dificuldades abundam. Para a China, a Organização de Cooperação de Xangai é, principalmente, organização econômica para promover o comércio [23]. Para a Rússia, é, principalmente, um bloco de segurança [24], que tem absolutamente de encontrar solução regional para o Afeganistão (que mantém sob controle os Talibã) e, ao mesmo tempo, tem de pôr fim ao capítulo afegão do Império de Bases Militares dos EUA. 

Com o óleo-gasodutostão se implantando, com Rússia, Ásia Central e Irã controlando 50% das reservas mundiais de gás, e com o Irã e o Paquistão já praticamente integrados como membros da Organização de Cooperação de Xangai, o nome do jogo passa a ser “Integração da Ásia” – se não da Eurásia. China e Rússia já coordenam suas políticas exteriores até os mínimos detalhes. O truque é conectar a China e a Ásia Central com o Sul da Ásia e o Golfo – com a Organização de Cooperação de Xangai crescendo como usina geradora de força econômica e de segurança. Paralelamente, o óleo-gasodutostão pode acelerar a plena integração da Organização de Cooperação de Xangai como contragolpe assestado contra a OTAN. 

Em termos de realpolitik tudo isso faz muito mais sentido que a tal “Nova Rota da Seda” inventada em Washington. Mas vá explicar isso ao Pentágono, ou a uma possível bomba iraniana, ou a uma China que se assuste, ou a ao neo-drone-controlado-por-controle-remoto próximo presidente dos EUA. 

Notas originais do autor

3EU banks throw their weight behind Nabucco pipeline, EU Observer, September 2010.
4. Trans-Caspian pipeline vital to Nabucco, Petroleum Economist, October 2011.
6. ‘Gas pipeline deal for Paquistão, Índia imminent , The Express Tribune, November 5, 2011.
7. Second Gas Congress of Turcomenistão, Open Central Asia, June 5 2011.
8. Gazprom Disbelief Draws Turkmen Ire , Moscow Times, 22 November 2011.
10. Russian gas giant may fund 780-km pipeline, Paquistão Observer, August 22, 2011. 
12. US Now Relies On Alternate Afghan Supply Routes, NPR, September 16, 2011. 
13. China plays Pipelineistan, Asia Times Online, Dec 24, 2009. 
14. Central Asia-China Gas Pipeline’s Capacity To Nearly Double, Oil and Gas Eurasia, August 29, 2011.
15. Russia, China closer to gas deal says Putin, RIA NOVOSTI, October 11. 
18. Russia’s High Stakes Energy Geopolitics, Global Research, November 14, 2011.
20. China and the US: The roadmaps , Al-Jazeera, 31 Oct 2011.
21. US’s post-2014 Afghan agenda falters , Asia Times Online, Nov 4, 2011.
24.Russia, China don’t see US in SCO , Voice of Russia, Nov 1, 2011.



Notas dos tradutores

[1]  Nabucco, antes de dar nome ao gasoduto de que aí se trata, é título de uma ópera de Verdi, escrita em 1842, durante a ocupação austríaca no norte da Itália, e rica em analogias e sugestões. Uma das árias de Nabucco (“Coro dos Escravos Hebreus” [Va pensiero... Minha pátria, bela e perdida], do 3º ato), acabou por tornar-se uma espécie de hino não oficial italiano. Pode ser ouvida, por exemplo, cantada 2011, no Teatro dell'Opera di Roma, com fala-manifesto do maestro Riccardo Muti, que, no bis, convida o público a cantar com o coro . Ver em: “Um belo momento de política à italiana”.

[2] Ver o que são as matriochcas (bonecas russas tradicionais).

[3] Ippon [judô: “o ponto completo”]. Há ippon quando um judoca consegue derrubar o adversário com um golpe perfeito ou o imobiliza, com as costas e ombros no chão, durante 30 segundos. O ippon encerra e decide o combate.

[4] Lit. “De volta à URSS” ou “lá atrás [no sentido de ‘atrasado’] na URSS”. É título de uma canção dos Beatles, do “Álbum Branco”, de 1968. Na letra em inglês, há complexíssimos jogos semântico-sonoros, com subtextos, quase intraduzíveis ao português: “Back in the US, back in the US, back in the USSR [lit. “De volta [back in] aos EUA/apoiando [backing] os EUA” [/us are/ = 'nós estamos'] “De volta à/apoiando a URSS”. Há outros complexos jogos de sentidos e subsentidos nesse lindo poema dos Beatles, p. ex.: “And Moscow girls make me sing and shout, That Georgia's always on my my my my my mi-ind” [As moças de Moscou me fazem cantar e gritar: ‘aquela Georgia sempre sempre na minha cabeça], no qual ecoa, também “Georgia on my mind”, de 1930, conhecida em todo o mundo na gravação de Ray Charles, e hino do estado da Georgia, EUA, palco dos mais duros combates contra o racismo, nos EUA. Essa constelação de significados muito fortemente condensados é muito expressiva e nenhuma interpretação/tradução caberia em nota de rodapé. O poema dos Beattles pode ser lido (e ouvido) em: Back in the U.R.S.S. e, cantado na Praça Vermelha, em Moscou, por Paul McCartney, em 2008, 40 anos depois da gravação original. Só cabe agradecer MUITO ao Pepe Escobar pela oportunidade de lembrar-atualizar produtivamente, criativamente (e complexamente), tudo isso.

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