Pepe Escobar |
20/12/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera,
Qatar
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Ninguém sabe o que
se passa hoje na República Popular Democrática da Coreia, além da continuada
catarata de lágrimas – impostas pelo sistema, ou sinceras. A única certeza é que
o terceiro filho do Querido Líder Kim Jong-il – o jovem Kim Jong-un, formado na
Suíça – perpetuará a dinastia que governa a Coreia do
Norte.
No princípio foi o
Eterno Líder Kim Il-sung, figura de certo modo icônica entre os
anti-imperialistas em várias latitudes do mundo subdesenvolvido, sobretudo
durante os anos 1950s. Depois, o Querido Líder. O que virá agora? O Prezado
Líder, talvez?
Não há muitas incertezas como
consequência da morte de Kim Jong-il
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O penteado
esquisito do Querido Líder, os sapatos de plataforma, a exótica coleção de
carros, a fascinação por Hollywood são itens do folclore pop. Mas o que pôs todos os think-tanks ocidentais operando em modo de histeria
máxima é ter de adivinhar o que acontecerá à disciplina militar da Coreia do
Norte e ao seu formidável programa de armas nucleares.
Primeiro de tudo, demos essa guerra
por concluída
Eu
estava na Coreia do Norte, ano passado, no aniversário do Querido Líder
[1]. Conhecido por viver como ermitão
(ou enterrado como toupeira), ninguém o viu em lugar algum. Mas, a seu modo,
Pionguiangue festejou. E esperava voltar em 2012, para aventurar-me mais para o
fundo do país, e ver como a Coreia do Norte “invisível” reagiria nas fenomenais
celebrações do centenário de nascimento do Eterno Líder, que morreu em
1994.
Sabe-se lá o que
estará pensando minha adorável intérprete, formada em literatura inglesa, de
nome Jang Hyon Il, do que ela estima, com certeza, que seja tragédia maior que a
vida. Ainda não se ouviu a fala (até agora) do apocalíptico porta-voz não
oficial do Querido Líder, para o ocidente, Kim Myong-chol. Nessas
circunstâncias, passei a mão no colar de contas de madeira esculpidas que ganhei
de um monge angélico, num mosteiro próximo ao templo erigido em honra de Kim
Il-sung, escavado numa montanha, para tentar adivinhar o futuro.
Em primeiro lugar,
que ninguém espere uma “primavera norte-coreana”. Assim como as massas sofrem
como se vivessem em tempos medievais, e assim como alguns sonham com um
comunismo que realmente beneficie os mais pobres, assim não acontecerá
“primavera norte-coreana” alguma, porque os militares norte-coreanos não
permitirão que aconteça.
Ano passado,
disseram-me lá, em termos bem claros, que a única via possível para que se
construa algum tipo de entendimento com os EUA depende de Washington e
Pionguiangue sentarem-se à mesma mesa e, formalmente, declararem juntas o fim da
Guerra da Coreia (que, tecnicamente, continua até hoje).
Em teoria – seria
o resultado ao qual se chegaria gradualmente, depois do recomeço das
conversações “dos seis”, conduzidas por Pequim, sobre o programa nuclear
norte-coreano, mas que estão empacadas desde dezembro de
2008.
Agora, todos os
olhos estarão postos sobre o jovem Kim. Mas enquanto Washington não assinar um
tratado de paz reconhecendo o fim da guerra, e enquanto não pagar as reparações
exigidas, nada, de fato, andará sequer um passo.
O Querido Líder
escolheu o jovem Kim, preterindo seus dois irmãos mais velhos. Durante algum
tempo, o favorito foi Kim Jong-nam, ex-playboy internacional, hoje residente em Macau. Mas
Kim Jong-il nunca engoliu aquela queda pela
vida loca.
A
vida depois da Coreia do Norte de Kim Jong-il
Detalhe
crucialmente importante, Kim Jong-un é general de quatro estrelas nomeado pelo
Querido Líder. Na prática, nada significa: o nomeado não tem qualquer
experiência militar, embora se diga que é especialista em artes e artimanhas da
tecnologia de informação. Os generais que realmente contam na Coreia do Norte
são revolucionários da velha guarda mais
hardcore, já chegados aos 80 anos.
Como em tudo que
tenha a ver com a dinastia Kim, os sobretons shakespearianos são fascinantes. O jovem
Kim terá de lidar com a poderosa esposa do Querido Líder, Kim Ok; com a mais
complexa de suas tias, Kim Kyung-hui; e com o marido dela, Jang Song-thaek,
também corrupto.
Jang é um dos
apenas quatro vice-presidentes da Comissão de Defesa Nacional, o mais
santificado dos santificados corpos da Coreia do Norte. O ex-presidente era –
fácil adivinhar – o próprio Querido Líder em pessoa.
Especialistas
internacionais em Kimologia devem
estar agora afiando seus microscópios, tentando adivinhar se o jovem Kim será ou
o tubarão ou a sardinha, agora que terá de nadar sozinho por aquelas águas onde
nadam, além da família, um bando de generais inconversáveis e o tio Jang, uma
espécie de Darth Vader da Coreia do
Norte.
O que já é certo,
sem sombra de qualquer dúvida, é que, para todas as finalidades práticas, haverá
uma espécie de junta militar que regerá o
show, por trás do jovem Kim.
Ao sul, fácil de
adivinhar, Seul queima de ansiedade, sobretudo nos níveis governamentais. Quem,
afinal, é, de fato, o jovem Kim? Será chegado a guerras? Vai nos incinerar? Ou
dará uma de Mandela?
A maioria da
população na Coreia do Sul espera, basicamente, que seu governo – seja qual for
a tendência política – mantenha o Norte sob controle.
De fato, a
esquerda sul-coreana tem boas chances de voltar ao poder nas próximas eleições
de 2012. Pode ser a volta da política “raio de sol” (sunshine policy)
lançada pelo ex-presidente Kim Dae-jung, que visitou Pionguiangue para uma
reunião histórica entre as duas Coreias, em junho de 2000.
Outro
ex-presidente, Roh Moo-hyun – que também esteve em Paionguiangue para reunião
semelhante àquela, em outubro de 2007 – também era militante da política “raio
de sol”. É estratégia de pacificação tão boa quanto qualquer outra, com muita
ajuda ligada a vários fios, e o que não agradar sempre poderá ser destruído por
“um mar de fogo” mandado de Pionguiangue.
Muitos
sul-coreanos parecem entender instintivamente que a lógica do norte é que o que
é bom para a dinastia Kim é bom para a Coreia do Norte. Isso implica
mudança-zero de regime, aconteça o que acontecer. Afinal, toda a elite
militarizada da Coreia do Norte transfere seus privilégios, de geração a
geração.
Mas há também a
desagradável questão econômica. A economia no norte muito teria a ganhar com um
choque à Deng Xiaoping – um “socialismo com características coreanas”. Mas a
dinastia Kim e o aparelho militarizado que a cerca tendem a preocupar-se,
sobretudo, com as reverberações políticas e sociais de excesso de liberdade
econômica.
A China é a
parceira chave da Coreia do Norte, e assim continuará. Os investimentos chineses
continuarão a fluir – paralelos ao apoio diplomático. Pequim, portanto, vive o
melhor de dois mundos: mantém seu aliado nuclear e perpetua o status quo de uma península coreana dividida; o que
permite concluir que é baixíssima a probabilidade de a ascensão do jovem Kim vir
a alterar substancialmente a equação no nordeste da Ásia.
Notas dos
tradutores
[1] 25/2/2010, Asia Times Online; Happy Birthday, Comrade Kim
[2]
Orig. “Ain't no sunshine when he's gone”, é
título de um clássico do blues.
Pode-se ouvir, com Freddie King, em concerto em 1972 (maravilhoso, apesar da
gravação precária), a seguir:
Existe uma versão
infantilóide melosa, cantada por Michael Jackson, então com 14 anos; apareceu na
trilha sonora da novela “Selva de Pedra”, da Rede Globo, também em
1972.
Gosto muito deste blog,um dos meus favoritos.
ResponderExcluirDelícia de matéria do Pepe Escobar, parabéns!!
ResponderExcluirCastor e Vila Vudu, boas festas de final de ano e um feliz e próspero 2012 para vocês e todos os seus.
Mas, a LUTA continua!!!
Viva o Povo BraSileiro. Viva a Classe Operária!!!