Andrew Whitehead |
23/12/2011 - Entrevista a Andrew Whitehead,
BBC World Service News,
London
Traduzido pelo
pessoal da Vila
Vudu
Ver também
23/2/2011, “Indomáveis”,
Terry Eagleton, London Review of
Books
Eric Hobsbawm
assistiu às revoltas de 2011 com entusiasmo – e diz que, hoje, quem move as
ondas populares é a classe média, não os trabalhadores. “Foi imensa alegria ver,
mais uma vez, que o povo pode ir às ruas, manifestar-se e derrubar governos” –
diz EJ Hobsbawm, no apagar das luzes de um ano de levantes populares no mundo
árabe.
Eric Hobsbawm |
Hobsbawm viveu
toda sua longa vida à sombra – ou à luz – de revoluções. Nascido alguns meses
antes da Revolução Russa de 1917, foi comunista durante praticamente toda sua
vida adulta – além de pensador e escritor inovador e influente. Foi historiador
de revoluções e várias vezes militou a favor de mudanças
revolucionárias.
Já
chegado aos 95 anos, a paixão política sempre viva reflete-se no título de seu
livro mais recente Como mudar o
mundo [1] [São Paulo: Companhia das Letras,
2011] – e no ativo interesse pelos levantes populares no mundo
árabe.
“Não há dúvidas de
que me sinto entusiasmado e aliviado” – diz ele, em conversa em sua casa no
norte de Londres, bem próxima de Hampstead Heath, casa de paredes cheias de
livros de História em várias línguas, e sobre jazz.
“Se alguma
revolução ainda é possível, terá de ser mais ou menos como o que estamos vendo.
Pelo menos nos primeiros tempos. Gente saindo às ruas para manifestar-se a favor
das coisas certas.” Mas logo acrescenta: “Sabemos que não vai durar.”
O historiador que
há nele logo vê um paralelo entre a ‘Primavera Árabe’ de 2011 e o “ano das
revoluções” na Europa há quase dois séculos, quando um levante na França foi
logo seguido por outros nos estados italianos e germânicos, no Império dos
Habsburgos e em outros pontos.
Democracias
árabes?
“Fez-me lembrar
1848” –
diz ele – “outra revolução surgida num país que depois, em pouco tempo, se
espalhou por todo o continente.”
Para os que
encheram a Praça Tahrir e hoje se preocupam com o futuro de sua revolução,
Hobsbawm tem uma palavra de conforto.
“Dois anos depois
de 1848, tudo parecia mostrar que a revolução fracassara. No longo prazo, viu-se
que não fracassou. Houve muitos avanços progressistas. Aquela revolução
fracassou, se analisada no calor da hora; mas, foi vitoriosa, pelo menos
parcialmente, vista de mais longe. Embora, depois, já não sob forma de
revolução.”
Seja como for,
exceto talvez no caso da Tunísia, Hobsbawm vê pouca probabilidade de haver
democracias liberais representativas, de estilo europeu, no mundo árabe. Tem-se
dado pouca atenção, diz ele, às diferenças entre os países árabes nos quais tem
havido manifestações de massa: “Estamos no meio de uma revolução – mas não é a
mesma revoluções em todos os lugares”.
“Todas são
parecidas, porque há em todas um mesmo descontentamento, e as forças
mobilizáveis são semelhantes – uma classe média em modernização, sobretudo os
estudantes jovens dessa classe média e, evidentemente, a tecnologia que torna
hoje muito mais fácil mobilizar os que se queiram manifestar.”
Para Hobsbawm, as
mídias sociais começaram a ter alguma significação para os movimentos globais,
na campanha de eleição do presidente Obama nos EUA, que conseguiu mobilizar
amplas fatias da população, até então politicamente inativas, através da
Internet.
Para
ele, “as atuais ocupações, na maioria dos casos, não são protestos de massa, os
99% não estão nas ruas, mas lá está o sempre mobilizável famoso “exército de
palco” [2] de estudantes e militantes da
contracultura. Algumas vezes, encontram eco na opinião pública, como se vê
claramente nas ocupações anti-Wall Street e anticapitalistas.”
Mas, em todo o
mundo, a esquerda da qual Hobsbawm fez parte – como militante, cronista e, pelo
menos como intenção, modernizador – está hoje à margem dos protestos de massa e
das ocupações.
“A esquerda
tradicional foi gerada num tipo de sociedade que já não existe, ou está saindo
de cena. Aquela esquerda acreditava no movimento trabalhista de massa como
agente que criaria o futuro. Hoje, o trabalho mudou – e fomos
desindustrializados – e aquele projeto daquela esquerda deixou de ser
viável.”
“Hoje, as
mobilizações de massa mais efetivas brotam sobretudo de uma classe média
modernizada de um corpo de estudantes imensamente inchado. São mais efetivas nos
países nos quais, demograficamente, a população jovem, homens e mulheres, são
fatia maior da população, do que o que se vê na Europa.”
Eric Hobsbawm não
espera que as revoluções árabes tenham alcance maior no resto do mundo, não,
pelo menos, como semente de revolução mais ampla. O mais provável, diz ele, é
que os reformadores árabes sejam postos de lado por grupos islamistas, como já
aconteceu no Irã.
Segundo ele,
deve-se esperar, isso sim, um movimento gradual de reformas, como já se viu nos
anos 1980s, quando, por exemplo, na Coreia do Sul, os movimentos jovens e de
classe média, obtiveram algumas conquistas contra o poder dos militares [mas, no resto do mundo, a única reforma que
se viu foram os muitos movimentos jovens e de classe média, serem cooptados pelo
neoliberalismo mais selvagem, como se viu na Argentina e no Brasil, por exemplo
(NTs)].
Uma revolução em idioma político do
Islã: o Irã, 1979
Quanto aos dramas
políticos que ainda se desenrolam nos países de língua árabe, Hobsbawm chama a
atenção para o caso do Irã, em 1979, onde, embora se fale língua persa,
aconteceu a primeira revolução concebida no idioma político do Islã. Para ele,
um aspecto daquela revolução, pelo menos, encontrou eco nas revoluções do mundo
muçulmano nos últimos meses:
“As pessoas que
fizeram concessões ao Islã, mas não eram, elas próprias religiosas islâmicas,
foram marginalizadas – por exemplo, os reformistas liberais e os reformistas
comunistas. O que está emergindo como ideologia das massas árabes, não é a
ideologia dos que iniciaram as manifestações.”
Embora os levantes
árabes o tenham enchido de alegria (até de “alívio”), Hobsbawm vê esse aspecto
como “desenvolvimento não previsto e não necessariamente bem-vindo”.
(A
entrevista estará no ar hoje – 23/12/2011 - em
inglês).
Notas
dos tradutores
[1]
O livro foi
resenhado por Terry Eagleton na
London Review of Books
(23/2/2011, “Indomáveis”,
Terry Eagleton, London Review of
Books, em
português.
[2]
Orig. stage
army. A expressão
aparece na didascália da peças de Shakespeare, para designar grupos de
coadjuvantes que cruzam o palco, desaparecem nas coxias e adiante, reaparecem,
como a narrativa exija, e tornam a desaparecer nas coxias.
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