quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O caso do “drone”-espião: Obama entra em cena pisando leve


13/12/2011, *MK Bhadrakumar, Indian Punchline
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu


Comentário dos tradutores: Este artigo aparece aqui, meio deslocado na sequência narrativa da novela “O drone que se suicidou”, que estreou na Vila Vudu, dia 8/12/2011, com “O caso do drone que se suicidou”, Pepe Escobar (Asia Times Online, em português).
  
O artigo comenta o que disse o presidente Obama – que, isso, sim, claro, a imprensa-empresa noticiou no Brasil. Decidimos traduzir, porque neste artigo é introduzida uma nova hipótese analítica: que o Departamento de Estado dos EUA pode estar tentando (ou aceitando a necessidade de) uma abordagem menos arrogante-belicista contra o Irã.
Se for isso, será importante vitória da resistência. 

É hipótese extremamente interessante que, evidentemente, não será sequer aventada, nesses termos, nos veículos do Grupo GAFE (Globo/Abril/Folha/Estadão), sempre alinhados na mesma campanha – seja qual for – sempre ficcional e dirigida ao “público externo”, construída pelo Departamento de Estado dos EUA.

Aí vai. Esperamos que seja ideia útil e oportuna, para os muitos que têm dado uso produtivo ao nosso trabalho.

Escrevi ontem que as ramificações do caso do “robô espião” – “A Besta de Kandahar” [1], que os iranianos rastrearam e pousaram – iriam longe. Agora, afinal, o presidente Barack Obama quebrou o silêncio; disse que “Solicitamos que nos devolvam o aparelho – veremos o que nos iranianos respondem.” É diplomacia pública da melhor qualidade. Essa dúzia de palavras serão detidamente analisadas, não só em Teerã, mas também em muitas capitais mundiais, especialmente em Pequim e Moscou.

Leon Panetta, secretário da Defesa acorreu imediatamente para dar cobertura a Obama, dizendo que não esperava que Teerã desse atenção à solicitação. Interessante: Panetta disse “solicitação”, não “ordem” ou “exigência”, o que deixa aberta uma porta de saída. A secretária de Estado Hillary Clinton, também cuidadosamente usou a palavra “solicitação” – e, isso, na presença do secretário de Relações Exteriores da Grã-Bretanha, William Hague, que visitava Washington.

O movimento ainda é muito inicial, mas pode haver algo “cozinhando” aí, talvez os primeiros passos de um pretexto diplomático para que os EUA comecem a trabalhar na direção de “engajar construtivamente” a liderança iraniana. Meu palpite foi consideravelmente reforçado pelo editorial do Washington Post  [2] reclamando muito, que Obama teria sido “suave” em relação ao Irã. O impasse EUA-Irã tem longa histórica histriônica. É preciso analisar cada movimento no contexto geral, com o lobby israelense movimentando-se nas trevas, sempre que o holofote se move na direção do Irã.

Claro, é perfeitamente possível que esse aparelho, o drone em si, já não seja o centro do problema – por mais que o caso implique perda gigantesca, em termos de tecnologia militar secreta e informes de inteligência que os EUA perderam para os iranianos[3]. Claro que os EUA já sabem que, hoje, os cientistas e especialistas iranianos já dissecaram o avião-robô e o que ainda não descobriram, logo descobrirão. Washington tampouco pode ter deixado de considerar que Rússia e China adorarão dar uma boa espiada na “Besta de Kandahar”. A Agência Xinhua está acompanhando a história bem de perto  [4].

O chefe do Conselho Nacional de Segurança do Irã, Saeed Jalili, esteve em Moscou, muito discretamente. O vice-ministro russo da Defesa Sergey Ryabkov recebeu ontem telefonema do embaixador da China e, segundo relato dos russos, os dois diplomatas “discutiram longamente várias questões internacionais e regionais, com ênfase nos desenvolvimentos no campo da não proliferação nuclear, inclusive o programa nuclear iraniano, além do problema de preservar a estabilidade estratégica.” Hmm. Telefonema carregado, entre russo e chinês, não? E aconteceu logo depois da visita de Jalili a Moscou. 

Agora, então, examinemos o discurso do general Martin Dempsey [5], comandante do corpo do estado-maior dos EUA, 6ª-feira passada, em reunião do Conselho Atlântico em Washington. Não há dúvida: a Besta de Kandahar assombrava todos os parágrafos da fala de Dempsey.

Tudo isso considerado, não posso ser acusado de inventar coisas, se disser que o caso do drone US RQ-170 pode vir a converter-se em algo bem semelhante ao caso do U-2, em 1960 [6] – que foi um divisor de águas na confrontação da Guerra Fria entre EUA e URSS, quando os dois lados não tiveram outra saída senão reconhecer a absoluta necessidade de construir algum entendimento que demarcasse, para ambos, a “linha vermelha” que em nenhum caso poderia ser transgredida, fossem quais fossem as circunstâncias do cenário da guerra fria. Afinal de contas, o Irã também tem queixas muito legítimas  [7] contra os EUA.


Notas dos tradutores
[1]  Esse é o nome pelo qual a revista Wired designou o então ainda projeto secreto da empresa Lockheed, o mais novo drone de vigilância Sentinel RQ-170, em matéria de 20/1/2011, o que confirma que, sim, o drone que os iranianos capturaram é o mais moderno dos robôs espiões que os EUA estão operando (mais em Return of “The Beast of Kandahar” Stealth Drone, em inglês).  
[2]  8/12/2011, “Sinais errados ao Irã”, Washington Post, em inglês.
[3]  12/12/2011, PressTV, Teerã, em Israel woes over Iran’s hunt of US drone”, em inglês.  
[4]  12/12/2011, Xinhuanet, Pequim, em Iran to reverse engineer US drone: lawmaker”, em ingles.
[5]  9/12/2011, New Atlanticist, em Military Option Recedes Amid Tug-of-War Over Iran Policy, em ingles.
[6]  Sobre o caso, ver The U-2 Airplane Incident, em inglês
[7]  12/12/2011, Teheran Times, Teerã, em Iran asks Interpol to prosecute two U.S. officials, em ingles.
  
*MK Bhadrakumar foi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The Hindu, Asia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.

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