Publicado
em 01/12/2011 por Urariano
Motta*
Recife
(PE) - A
revista Época No. 706 traz uma boa reportagem sob o nome de “Os infiltrados da
ditadura”. Antes de continuar, é bom esclarecer que a reportagem é boa pelo
assunto e por alguma verdade que deixa escapar, apesar da pauta e direção da
revista. O fato é que, num surto de bom tema, a reportagem traz a público os
perfis breves de cinco agentes do Centro de Informações da Marinha, que se
infiltraram na resistência à ditadura.
Assim,
ficamos sabendo dos infiltrados Manoel Antonio Rodrigues, Gilberto de Oliveira
Melo, Álvaro Bandarra, este na cúpula do PCB, de Maria Thereza Ribeiro da Silva,
no PCBR, e mais Vanderli Pinheiro dos Santos, executor da sua farsa de tal
maneira, que recebeu da Comissão da Anistia 234 mil reais e pensão acima de 3
mil por mês. Mas claro, recebeu e recebe porque alegou haver sofrido perseguição
e torturas, ao requerer o benefício a pessoas de boa-fé na Anistia. Se uma
pesquisa rigorosa se fizer, deve haver outros em igual situação, pois a decência
é terra estranha a bandidos e assemelhados.
No
sentido acima, a reportagem marca um tento. Os agentes duplos, as infiltrações
nos partidos e movimentos clandestinos, cujo maior exemplo é o senhor cabo
Anselmo, começam a aparecer. Esse é um terreno fértil de sombras e traições, que
o Brasil inteiro ainda muito saberá, a partir da abertura dos arquivos e do
trabalho da Comissão da Verdade. Sim, a partir dela, que hoje recebe ataques à
ultradireita e à sectária esquerda. Da direita, por absoluto conhecimento do que
pode vir da Comissão. Da esquerda à esquerda, por um desejo precoce de
resultados, enquanto vira palmatória dos que julga vacilantes.
Importa
agora destacar o quanto a orientação da revista limitou a exploração da mina da
luta e infâmia. O quanto há de conflito entre a reportagem, o mundo terrível que
revela, e a ideologia da empresa. São palavras do Diretor de Redação da revista
Época, ao tentar pôr venda nos olhos do leitor:
“Na
reportagem fica claro como é impossível separar bandidos e mocinhos de modo
categórico. Havia, de ambos os lados, seres humanos movidos por medos, angústias
e tensões – alguns deles capazes de todos os tipos de ação, do assalto ou
justiçamento à tortura e execução. O repórter Leonel descreve, em especial, a
realidade ambígua daqueles que foram infiltrados pelos órgãos da repressão nos
movimentos de esquerda. Ele descobriu onde vivem alguns hoje e, ao conversar com
eles, testemunhou como a ditadura marcou suas vidas.
As
histórias narradas pelo repórter revelam como é simplista a visão daqueles
defensores da Comissão da Verdade que tentam disfarçar seu desejo de vingança
com a mais nobre roupagem de defesa dos direitos humanos... Porque, se há algo
essencial a dizer a respeito daquele passado, é que ele felizmente
passou”.
Se
esses não fossem os ferros a prender o repórter, ele teria ouvido os feridos
sobreviventes à delação, que até hoje estão machucados no corpo e na alma. E
escrever isso não é rascunhar uma frase de retórica. Por exemplo, deveria ter
ouvido Maria do Carmo, companheira de Juarez, da VPR, que ainda sofre dores
atrozes no espírito por viver depois do então companheiro. Em lugar de “a vida
dos infiltrados era cheia de medo, dúvida e tensão”, como está na reportagem,
seria informado que a vida dos militantes socialistas era cheia de contínuo
terror, tortura e assassinatos. Mas que ainda assim continuavam, pois não podiam
deixar de crer em um Brasil fraterno.
No
editorial da revista, as operações mentais, as táticas do discurso são
conhecidas: relativiza-se para nivelar executores e executados, torturados e
torturadores. No passo seguinte, instaura-se o reino de lobos a lamber
carinhosos ovelhas, de leões a serem puxados pelos bigodes por zebras, porque
todo o sangue e ferocidade é passado. Porque o passado, como diria o Marquês de
Maricá, o passado passou. No entanto a realidade resiste a tão bons e piedosos
propósitos. Perguntem a todo o mundo civilizado sobre os crimes de guerra de
nazistas e se diga aos “vingativos” netos das vítimas que o passado passou. E
nem se precisa perguntar aos humilhados e pisados no oriente. Aqui perto, na
Argentina, perguntem. Se a humanidade assim concordar, poderemos todos chamar os
companheiros de Fleury para um jantar de confraternização, ao som de “hoje é um
novo dia, um novo tempo já começou”.
Mas
enquanto esse futuro bobo não chega, que venha e se aprofunde a Comissão da
Verdade.
Urgente,
já.
Urariano
Motta* é natural de Água
Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos
em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à
ditadura. Atualmente, é colunista do Direto da Redação e colaborador do
Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também
já veicularam seus textos. Autor de Soledad no
Recife (Boitempo, 2009)
sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973,
e Os
corações futuristas (Recife, Bagaço,
1997).
Enviado por Direto da
Redação
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