Publicado
em 04/12/2011por *Mário Augusto
Jakobskind
No
mesmo dia em que as agências internacionais divulgavam a informação segundo a
qual o serviço secreto alemão (BND, na sigla em alemão) destruiu, em 2007,
centenas de atas relacionadas com o passado nazista de alguns de seus agentes, o
Tribunal Regional Federal da 3ª Região (São Paulo) decidia livrar a cara de
militares brasileiros acusados de torturar presos políticos na Oban (Operação
Bandeirante) durante a ditadura. Motivo alegado: os crimes já
prescreveram.
Alguém
pode estar perguntando, mas o que tem a ver uma coisa com a outra? Tem sim.
Ambas as informações remetem à questão relacionada com crimes contra a
humanidade, como os cometidos por agentes nazistas e os da ditadura brasileira.
E crimes contra a humanidade são imprescritíveis. Não é à toa que até hoje, mais
de 60 anos depois do fim da II Guerra Mundial, criminosos nazistas descobertos
são submetidos a julgamento, alguns deles com idades superiores a 90 anos.
Para
atenuar, há quem diga que a destruição dos documentos se deveu ao fato de terem
sido considerados irrelevantes. Claro, há desculpas para
tudo.
No
caso do serviço secreto alemão não é de hoje que se informa que agentes nazistas
que ocupavam altos postos na etapa nazista foram absorvidos pelo regime
instalado depois da II Guerra na então Alemanha Ocidental. O motivo alegado para
o aproveitamento desses criminosos foi de que seriam de grande utilidade no
combate ao comunismo. Era o tempo da Guerra Fria.
Aqui
no Brasil, também em plena Guerra Fria, o regime implantado depois de 1964
escolheu seus agentes para torturar e matar quem não rezava pela cartilha do
poder. Boa parte foi escolhida a dedo e fazia parte da engrenagem de manutenção
do regime ditatorial. Tudo ficou por isso mesmo. E agora, quando houve
possibilidades de se tentar ações na Justiça, o Tribunal de São Paulo alegou que
os crimes estavam prescritos, ignorando convenções internacionais que dispõem
sobre a matéria, ou seja, de que crimes contra a humanidade são
imprescritíveis.
O
Tenente-Coronel reformado Maurício Lopes Lima, apontado como torturador pela
presidenta Dilma Rousseff, em depoimento à Justiça Militar, em 1970, vibrou com
a decisão e acabou demonstrando, em entrevista no jornal Folha de S. Paulo, que
não mudou nada ao longo do tempo. O militar agora na Reserva continua a usar uma
linguagem de ódio da Guerra Fria.
A
Procuradoria Regional da República recorreu ao TRF contra a decisão que livrou
os acusados.
Tais
fatos estão na ordem do dia, sobretudo agora quando se aguarda o início dos
trabalhos da Comissão da Verdade. Ainda falta a Presidenta Dilma Rousseff
indicar os sete nomes que investigarão as violações dos direitos humanos,
cometidas entre 1946 e 1988. Mas o foco que importa mesmo é o posterior a
1964.
Não
há dúvida que o simples fato de se criar uma Comissão da Verdade, mesmo com
atraso, é um avanço. Mas será completo esse avanço se realmente os brasileiros
conhecerem a verdade. Nada de meias verdades ou mesmo mentiras, como querem
alguns setores.
Mas
para evitar que isso aconteça é necessário que a sociedade brasileira acompanhe
o desenrolar dos acontecimentos e se for o caso pressionar no sentido de a
Comissão da Verdade se tornar verdadeiramente um marco na história deste
país.
Enquanto
isso, na área internacional um fato estranho aconteceu no Irã: a invasão da
embaixada do Reino Unido em Teerã por jovens islâmicos. O fato está servindo de
pretexto para que os países ocidentais aumentem as pressões sobre o regime dos
aiatolás.
Nesse
sentido, a invasão pode ser analisada sob vários aspectos, até mesmo se o
episódio não teria sido estimulado por agentes secretos de países interessados
em iniciar alguma ação armada contra o Irã. Ou uma luta interna no interior do
governo iraniano.
De
qualquer forma, a ocorrência não exime de responsabilidade o próprio governo.
Mesmo sendo os britânicos inimigos dos iranianos, e o são, as convenções
internacionais dispõem sobre garantias às sedes das representações diplomáticas.
Já que existe uma embaixada e o Irã e Reino Unido têm relações, pelo menos até a
invasão da embaixada, o governo de Teerã teria de cuidar para evitar agressões
dessa natureza.
O
episódio remete ao final do governo Jimmy Carter, lá por 1979, quando a
embaixada estadunidense foi ocupada também por jovens que protestavam contra a
potência hegemônica. Os EUA enviaram soldados para uma operação de retirada dos
reféns, mas deu tudo errado. O vexame influiu na eleição presidencial. Carter
perdeu a reeleição para Ronald Reagan, um republicano de direita extremada que
antecedeu Bush pai e assim sucessivamente. Em suma: deu no que
deu.
*Mário
Augusto Jakobskind
é correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do
Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da
Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor,
entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE
Enviado por Direto da Redação
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