Samy Alim |
26/12/2011, Samy Alim , New
York Times
Traduzido
pelo pessoal da Vila Vudu
O New York Times volta a falar do lugar que a palavra
“ocupar” [#Occupy] passou a ter nos movimentos sociais que se multiplicaram esse
ano em todo o planeta. E propõe que se colha a oportunidade para “ocupar a
linguagem” e refletir sobre como damos nomes às coisas e às pessoas – em
especial aos estrangeiros.
Em outubro
passado, parti de San Francisco,
sobrevoando os portos da costa oeste dos EUA paralisados pelo movimento Occupy Oakland, antes de chegar à
Alemanha, em meio aos tumultos provocados por Occupy Berlin. Hoje, só resta constatar
que o movimento Occupy transformou,
não só o espaço público, mas, também transformou o discurso público.
Occupy [1]. Hoje, já é praticamente impossível
ouvir essa palavra, sem pensar nos militantes instalados nas praças e ruas do
mundo.
Até o célebre
lexicógrafo Ben Zimmer estima que Occupy tem grandes chances de ser escolhida “a
palavra do ano” pela American Dialect
Society. O vocábulo já conseguiu modificar os termos do debate, tirando de
cena “teto de endividamento” e “crise orçamentária”, substituídos por
“desigualdade” e “ganância”.
A ironia da
palavra “ocupar”, para designar uma corrente social progressista que visa a
redefinir o debate em torno das noções de equidade e democracia, certamente está
bem visível. Afinal, na linguagem corrente, só países, exércitos, polícias,
“ocupam” territórios, praticamente sempre pela força. Sobre isso, aliás, os EUA
nada têm a aprender.
E em apenas poucos
meses, o movimento Occupy mudou
completamente o significado da palavra “ocupação”. Até setembro, “ocupar”
significava operação militar. Hoje, “ocupar” é sinônimo de luta política
progressista [e quem, no ocidente, queira
falar do que Israel faz na Palestina, ficam com a tarefa revolucionária de
buscar, ou de inventar, palavras mais adequadas para o que Israel faz na
Palestina: invasão pela força, com violência, ilegal, contra a razão democrática
e civilizada do mundo (NT)].
Hoje, “Ocupar” é
denunciar injustiças, desigualdades, abusos de poder. E em nenhum caso se trata
de apenas impor-se num espaço: hoje, ocupar significa também transformar os
espaços. Nesse sentido, o movimento Occupy Wall Street ocupa literalmente a
língua, e é hoje autor [não proprietário
(NT)] da palavra OCUPAR!
A primeira vez que
a palavra “ocupar” apareceu em inglês, associada a manifestações sociais,
remonta aos anos 1920s, quando operários italianos decidiram ocupar as fábricas
em que trabalhavam, até que suas reivindicações fossem satisfeitas. Já foi uso
muito distante da origem da palavra. O Dicionário Oxford English ensina que, na origem,
“occupy” significou “ter uma relação sexual”. Hoje, a mesma palavra, já
ressignificada, serve para preencher [ocupar?] muitos vazios gramaticais do
discurso.
E se mudássemos
mais uma vez o significado da palavra “ocupar”? Mais exatamente, e se
pensássemos no “discurso do movimento Occupy” não mais como discurso dos
militantes de Occupy, mas como
movimento total, ele todo, de Ocupar a Linguagem? E o que desejariam esses
“ocupantes da linguagem”?
“Occupy a Linguagem” [ing. Occupy Language] bem poderia
inspirar-se, ao mesmo tempo, no movimento Occupy – que nos faz lembrar que as
palavras sempre significam e que a língua não é estática, fechada – e dos
movimentos locais que contestam os usos locais da linguagem e fazem lembrar que
a língua pode ser tanto ferramenta de libertação quanto ferramenta de opressão;
tão potente para unir, quanto para segregar.
O movimento,
portanto, poderia começar por refletir sobre ele mesmo. Em recente entrevista,
Julian Padilla, do People of Colour
Working Group [Grupo de Trabalho das Pessoas de Cor], convocava os
militantes a examinar as próprias escolhas lexicais:
“Ocupar significa
tomar posse de um espaço, e acho que ver um grupo de militantes anticapitalismo
tomar posse do espaço na Rua do Muro [ing. Wall Street] é um símbolo muito potente.
Mas gostaria que eles se dessem conta da história dos povos nativos, dos peles
vermelhas e dos peles negras e dos pele amarela do imperialismo em todo o mundo.
E que passassem a chamar o próprio movimento de “Descolonizar a Rua do Muro”
[orig. fr. “Décoloniser Wall
Street”]. Ocupar um espaço não é necessariamente ação negativa. Tudo depende
de o que se faz, como e por quê. Quando os colonizadores brancos ocupam um país,
eles não vêm para ficar, vêm de passagem, vêm para pilhar e destruir. Quando
descendentes de tribos nativas dos EUA ocupam Alcatraz (entre 1969 e 1971), é
ato de contestação.”
O movimento “Occupy Language” também poderia fazer
campanha para impedir que os veículos de mídia continuem a usar o adjetivo
“ilegal” aplicado a imigrados sem documentos. Os que defendem essa causa
explicam que o adjetivo
illegal em inglês [em
português do Brasil, em termos jurídicos precisos, também (NT)], só se aplica a
ações e objetos inanimados. Usar o termo “os ilegais” [ing. illegals; fr. les illégaux) aplicado a pessoas,
opera portanto, em primeiro lugar, a des-humanização das pessoas às quais se
aplica.
Mas o New York Times só recomenda aos seus jornalistas que evitem
as expressões “estrangeiro ilegal” [ing.
illegal alien; fr. étranger illégal] ou “estrangeiro sem
documentos” [ing.
Undocumented
alien; fr.
sans-papiers]. O New
York Times nada diz sobre não usar
a expressão “os ilegais” [ing.
illegals].
Nota
dos tradutores
[1]
A palavra Occupy [nas redes sociais, sempre #Occupy] é, sim,
um belo achado, uma bela invenção internacionalista, dos muitos que se dizem,
nós-vós-vóz-de-nós-mesmos: “ocupai/ocupar/ocupemos!”.
Em português, há
aí também um traço performativo de palavra-de-ordem: “Ocupai!” – modo
imperativo, 2ª pess. do plural, do verbo
ocupar, como “falai!”, “cantai!”, “sentai!”, “andai!”, “marchai!”,
“manifestai!”, “ocupai e não arrastais o pé daí, nós-vós-vóz-de-nós-mesmos, os
99%”. Em inglês, há aí, o traço declarativo (também performativo, portanto) do
infinitivo (“ocupar”) que ecoa, também para os bilíngues, com inglês, em todo o
mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Registre seus comentários com seu nome ou apelido. Não utilize o anonimato. Não serão permitidos comentários com "links" ou que contenham o símbolo @.