Publicado
em 11/12/2011 por *Mário Augusto
Jakobskind
Na
Argentina, a mídia de mercado vem sendo questionada. Por lá, embora as entidades
que reúnem o grande patronato midiático digam o contrário, a legislação sobre os
meios de comunicação, aprovada pelo Congresso depois de muita discussão pela
sociedade vem sendo posta em prática.
O
tema é abrangente e desperta o interesse de todos os setores da sociedade,
principalmente dos movimentos populares. A Sociedade Interamericana de Imprensa
(SIP) esperneia com o fato de na Argentina prevalecer a liberdade de imprensa e
não a liberdade de empresa.
Os
argentinos estão atentos, tanto assim que no próximo dia 22, ou seja, na
antevéspera do Natal, em plena histórica Praça de Maio, está marcado julgamento
ético e político do maior conglomerado de comunicação da Argentina - o Grupo
Clarín.
A
iniciativa é da Associação Mães da Praça de Maio com o objetivo de informar
sobre a investigação que se está fazendo sobre o diário Clarín, a Rádio Mitre, o
canal de TV a cabo TN, o Canal 13, a Cablevisión e a empresa que
fabrica o papel para os jornais, a Papel Prensa. O grupo Clarin, que controla
mais de 300 meios de comunicação e empreendimentos a ele pertencentes, se
julgava proprietário da verdade e dificilmente era
questionado.
O
julgamento será simbólico e está sintonizado exatamente com a legislação dos
Meios de Comunicação. Hebe de Bonafini, presidente das Mães de Maio, não faz por
menos ao afirmar que:
“vamos
fazer um julgamento ético e político ao Grupo Clarín, que rouba crianças,
verdades e esperanças”.
Podem
estar certos, vem chumbo grosso dos jornalões destas bandas contra Cristina
Kirchner e todos os setores que questionam a liberdade de empresa. Vão pintar
horrores e dizer que o país vizinho está à beira do caos na economia e assim
sucessivamente.
É
claro que o ideal seria que a Justiça cuidasse do julgamento, mas como isso
neste momento é praticamente impossível, as Mães da Praça de Maio decidiram
tomar a iniciativa.
Os
grandes conglomerados midiáticos, seja na Argentina ou no Brasil imaginam estar
acima do bem e do mal. Clarin ou outro veículo qualquer conta uma mentira,
manipula e devido ao poder que manejam o país inteiro é “informado” a respeito.
A mentira acaba virando verdade.
E
o pior de toda esta história é que muitas vezes Clarin, Globo e outros órgãos de
imprensa do gênero apresentam os fatos ou, se preferem, a verdade deles e nem
são questionados. Mas quando o questionamento acontece esses veículos tentam
incutir na opinião pública que estão sendo vítimas de restrições à liberdade de
expressão.
O
que está acontecendo na Argentina é importante ser acompanhado no Brasil, onde o
tema vem sendo debatido e a reação é muito semelhante. Os barões da mídia fazem
até seminários para fazer denúncias totalmente infundadas segundo as quais a
liberdade de imprensa corre perigo etc. e tal. É que esta gente teme o
contraditório e na falta de argumentos saem com mentiras visando enganar os
incautos.
Da
mesma forma que chegou atrasada a criação da Comissão da Verdade, mas antes
tarde do que nunca, o debate em torno da legislação midiática também veio
atrasado. Mas veio, felizmente. Os big-shots midiáticos não querem mudar
nada do que aí está, nem sequer algum aprimoramento.
Podem
imaginar, por exemplo, se por aqui as diversas mídias, públicas, privadas,
estatais e dos movimentos sociais tivessem o mesmo espaço e não prevalecer o
predomínio quase absoluto do setor privado? Pois é, na Argentina, a lei dos
Meios de Comunicação determina exatamente a paridade dos espaços midiáticos: 33%
para a mídia privada, 33% para a estatal e outros 33 para a mídia comunitária. E
isso, convenhamos, é mais democrático do que o domínio absoluto da mídia
privada.
Já
que estamos tentando refletir sobre os meios de comunicação vale mencionar
também a cobertura jornalística de fatos relacionados com a violência urbana,
tema debatido em seminário realizado na Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
com o título “jornalista no meio do tiroteio”.
Essa
cobertura precisa ser mais bem analisada e profundamente debatida. Para começar,
o próprio termo “segurança pública” é questionável, mas aí caberia nova
discussão mais aprofundada. Que segurança e para que setores? Esta segurança
está mesmo voltada para os cidadãos contribuintes ou apenas para parcelas mais
abastadas da população, enquanto nas áreas de baixo poder aquisitivo nas grandes
cidades brasileiras os moradores são, na prática, vítimas da própria insegurança
com os caveirões pregando ódio e
acirrando preconceitos?
Vale
a pena expor os profissionais da imprensa da forma como vem acontecendo nos
últimos tempos em nome sabe-se lá de que e que na prática estimula a corrida
desenfreada atrás da audiência, corrida que tem como objetivo, não propriamente
servir à população, mas estimular o lucro fácil?
Os
lamentáveis episódios que provocaram as mortes, por exemplo, do repórter Tim
Lopes, em junho de 2002 e, recentemente do cinegrafista Gelson Domingos da Silva
devem servir de objeto de reflexão.
No
caso de Tim, o primeiro ganhador de um Prêmio Esso na categoria de
telejornalismo por uma reportagem sobre Feira de Drogas, não poderia ter
retornado seis meses depois ao mesmo local, Favela Cruzeiro, onde tinha feito a
reportagem premiada. Ainda mais pelo fato de sua imagem ter sido apresentada em
vários telejornais da TV Globo.
No
caso de Gelson, o empregador, a TV Bandeirantes, assinava a sua carteira
profissional não como cinegrafista, mas como operador de câmara. E isso com o
objetivo de reduzir o salário do profissional. Lamentável esta faceta do
capitalismo selvagem que como se observa tem também reflexos no
jornalismo.
*Mário
Augusto Jakobskind é
correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do
Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da
Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor,
entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE
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