O “colapso” da União
Soviética e o escândalo da privataria russa
Evgeny Primakov |
26/12/2011, Entrevista - Evgeny Primakov, Russia Today
(“Projeto 20 anos
do colapso da URSS”)
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
O ex
Primeiro-Ministro russo Evgeny Primakov é um dos poucos que assistiram, por
dentro dos corredores do poder em Moscou, ao desenrolar do “colapso” da União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), e o consequente processo de
privatizações, há exatamente vinte anos. Aqui, a entrevista que concedeu há dois
dias, a Russia Today.
A entrevista, em
russo no original, está traduzida para o inglês on time no vídeo
abaixo:
Russia Today:
O senhor com certeza lembra-se de
que disse, uma vez, que nunca entendeu o quê impediu o presidente da URSS,
Mikhail Gorbachev, de usar força militar para impedir que se assinasse o tratado
que determinou a dissolução da URSS, em 1991. O senhor ainda acha que a URSS
deveria ter sido preservada a qualquer custo?
Evgeny Primakov:
De fato, nunca
pensei que fosse necessária alguma força militar. O que poderia ter sido feito –
e é minha opinião, outros têm outras ideias... Mas eu penso que os policiais do
distrito militar da Bielorrússia poderiam ter cercado aqueles três políticos em
Belovezhskaya Pushcha [1], que lá estavam, bêbados, mal se
segurando sobre as pernas, e que só pensavam em assinar logo os documentos
daquele tratado, e, simplesmente, tê-los levado, no camburão, cada um para sua
casa. Bastaria prendê-los, tirá-los de lá, apreender aqueles documentos e levar
os bêbados para casa. Mas isso não foi o mais importante.
O mais importante
– e Gorbachev sabia que havia essa proposta, porque eu, pessoalmente, falei-lhe
sobre isso, na presença de outras pessoas – é que, naquele momento, o que se
deveria assinar seria um tratado econômico.
Se tivéssemos
assinado um simples tratado econômico, que criasse um único espaço econômico
[como depois fez a Europa e hoje a América Latina procura fazer], acho que
teríamos dado o passo oportuno e necessário, naquele momento, na direção de
preservar uma União Soviética aprimorada, modernizada, que, adiante, teria os
meios necessários para livrar-se das partes necrosadas do seu próprio legado. Um
dia depois de termos apresentado a ele essa ideia e esse projeto, Gorbachev fez
uma declaração pública, em que disse que não acreditava que um tratado econômico
devesse ser assinado antes dos demais, porque tinha certeza de que o tratado
econômico poria em risco a assinatura do tratado político que ele supunha que já
estivesse negociado e acertado.
Por isso, não se
chegou a considerar adequadamente a ideia de que, uma vez criada uma zona
econômica comum, criar-se-iam as condições para que se desenvolvessem as
importantes estruturas supranacionais indispensáveis. E elas surgiriam, seria
inevitável. Por isso deveríamos ter começado por um tratado econômico. Muitos
estavam já convencidos disso e dispostos a trabalhar nessa direção. Até os
estados do Báltico estavam dispostos a trabalhar sobre a ideia de preservar um
espaço econômico comum.
RT: Se se considera a história,
todos os grandes impérios acabaram por fragmentar-se, mais cedo ou mais tarde. O
senhor acredita que uma zona econômica comum bastaria para impedir a
fragmentação?
EP: É claro que não bastaria. Mas
teria sido passo importante para impedir a fragmentação. E é claro que não se
pode comparar aquele momento e o que temos hoje, são situações completamente
diferentes. Naquele momento, na União Soviética, tudo era centralizado e tudo
era dirigido por um único sistema. Mas ninguém ganhou coisa alguma com a
dissolução. Ninguém. A Rússia talvez se tenha saído melhor que os demais, porque
é maior e mais forte e tinha economia mais desenvolvida. Mas no plano geral,
ninguém ganhou coisa alguma. Isso é indiscutível. Hoje, as repúblicas estão
convertidas em estados soberanos, que trilharam um duro caminho e já
desenvolveram conexões e relações com outros estados no ocidente, e com a China,
etc. O quadro hoje é completamente diferente.
Mas mesmo hoje, já
se vê a importância de criar uma zona econômica comum. Se a coisa é feita
adequadamente, na escala adequadamente ampla – e, de fato, a Rússia já tem
acordos com a Bielorrússia e com o Cazaquistão e é possível que o Quirguistão
logo se una, também –, se tudo for conduzido adequadamente, o que se está vendo
é que a formação de blocos econômicos – não a dissolução dos blocos existentes –
é um dos pilares indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento
locais.
RT: O senhor acha possível
restaurar alguma coisa semelhante à União Soviética, com uma Comunidade
Econômica Eurasiana que reúna várias das repúblicas
pós-soviéticas?
EP: Não. Não penso, de modo algum, em
alguma coisa semelhante à União Soviética. Nada mais, hoje, pode, sequer
remotamente, ser semelhante à União Soviética, de modo algum. Mas a integração é
uma das forças mais ativas da globalização. Isso, precisamente, é o que se vê
hoje, em todo o mundo. E se nos pusermos a andar a favor dessas forças... Hoje,
pode-se dizer que o que se vê em todo o mundo é a tendência à
transnacionalização nos negócios e no comércio. E também há transnacionalização
e integração dos processos no plano dos estados. Portanto, se conseguirmos andar
a favor dessas tendências, para chegar aos fóruns planetários, para promover
neles nossa agenda... A verdade é que esse tipo de movimento em nada difere do
que o Ocidente está fazendo! A vantagem, no nosso caso, é que nós, desse lado do
mundo, sempre teremos de nos focar mais nos interesses de cada um dos
estados-membros da Comunidade Econômica Eurasiana. Acho que essa será uma grande
vantagem.
RT: Como o senhor disse, é fato
sabido que os problemas econômicos foram o principal fator que levou à
dissolução da URSS. Hoje, se se veem EUA e União Europeia sacudidos por graves
crises econômicas, deve-se esperar que a Europa ou o bloco norte-americano
dividam-se, de algum modo, como a URSS dividiu-se?
EP: Não, não acho. Claro que algum
impacto sério nessa direção é inevitável, no caso da Europa. Lembro de uma
conversa que tive com um homem a quem respeito muito, o ex-Chanceler [Helmut]
Schmidt, da Alemanha Ocidental, que está hoje com 92, 93 anos e, continua como
sempre foi, muito brilhante. Ano passado, tive uma conversa interessantíssima
com ele. Para o Chanceler Schmidt, sim, os eventos na eurozona terão, sim, um
impacto. Para ele, esse impacto pode empurrar, por um lado, para integração
maior de vários estados dentro da União Europeia, em termos de política
exterior, defesa e outras questões. Mas, por outro lado, os mais “velhos” da
União Europeia, os que estão integrados há mais tempo, os que terão de fazer
concessões, serão forçados a ver com outros olhos os mais ‘novos’, os que se
uniram mais recentemente à União Europeia. Haverá impacto também nessa
direção.
RT: Agora, uma questão hipotética.
Anos depois do colapso da URSS, a OTAN bombardeou a Iugoslávia. Sem o colapso da
URSS, o senhor imagina que a OTAN teria prosseguido nas operações contra a
Iugoslávia, o Afeganistão, o Iraque, a Líbia?
EP: Sobre o envolvimento da OTAN na
Iugoslávia, acho que aconteceria mesmo que a URSS estivesse ainda viva, porque a
Aliança agiu sem autorização do Conselho de Segurança da ONU. Mas a questão é
muito mais complicada que isso.
Nos primeiros anos
depois da dissolução da URSS, ainda na primeira metade dos anos 1990s, nossa
política exterior nada fazia senão mostrar apoio às posições dos EUA, seguir
exatamente as pegadas dos EUA. O ministro das Relações Exteriores, ele próprio,
disse o seguinte: “Precisamos desesperadamente nos incorporar ao mundo
civilizado, custe o que custar. O resto é perfumaria”. Evidentemente, o ocidente
via esse sentimento na Rússia pós-soviética. E esse sentimento, me parece, ainda
prevalece em alguns círculos. Por isso, a OTAN age como sempre agiu, sem tomar
conhecimento, nem da União Soviética nem da Rússia.
RT: Que preço a Rússia teve de
pagar por essa política exterior sem espinha dorsal, quando, como o senhor
disse, seguia as pegadas dos EUA?
EP: O preço foi tremendo. Em termos
econômicos, a Rússia pagou mais caro pelo fim da URSS, que durante toda a II
Guerra Mundial. O custo alcançou essa escala. Tremendo. Todos veríamos mais
claramente o que a Rússia pagou pelo fim da URSS, se todos pudessem assistir às
audiências, em Londres, dos processos em curso, aos quais respondem Boris
Berezovsky e Roman Abramovich, e se todos ouvissem as histórias horrendas de
como os empresários gozavam da proteção de funcionários do
Kremlin.
Ou se todos
conhecêssemos os detalhes dos processos de privatização, na Rússia. Se se sabe
daqueles crimes, ninguém, em sã consciência, jamais dirá que o país obteve
qualquer ganho, qualquer avanço, do que se fez nos anos
1990s.
RT: Uma última pergunta. A URSS
promovia uma determinada ideologia. Estados fortes precisam de ideologia. O
senhor acha que a Rússia, hoje, tem algum pensamento próprio?
EP: Ainda não há, articulada, coisa
alguma que se aproxime do que se chama “ideia nacional”. Estamos todos
trabalhando para melhorar a vida das pessoas, para que tenham vida melhor, mais
segura. A situação demográfica precisa de atenção. O modelo econômico precisa de
reforma geral, porque o que havia antes da crise de 2008 não servirá para o
futuro. Esses desafios são evidentes. E todos eles, tomados em conjunto,
manifestam a ideia nacional da Rússia.
Nota
dos tradutores
[1] Belovezhskaya
Pushcha é uma floresta, a
última porção remanescente da floresta primeva que cobriu toda a planície
europeia; a floresta foi praticamente destruída durante a II Guerra Mundial (a
fronteira entre a Polônia e a Bielorrússia passa por dentro dessa floresta). Em
1944, o Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética declarou a floresta
patrimônio da URSS, reciclando um projeto do czar Alexandre II, que fizera da
floresta sua reserva privada de caça. Implantou-se ali, então, uma área de
preservação ambiental, onde se desenvolveu projeto pioneiro de recomposição dos
rebanhos de bisontes, hoje o maior do mundo. Em 1992, a Unesco declarou a floresta
Patrimônio Natural da Humanidade. Para os povos eslavos ocidentais, a floresta é
‘casa’ do Dzied Maroz,
contraparte regional do “Papai Noel”. Na parte bielorrussa da floresta, fica
a dasha onde foram assinados os “Acordos de
Belavesha”, pelos presidentes da Ucrânia, Rússia e Bielorrússia (os “três
bêbados” a que se refere Evgeny Primakov, acima) que decretaram a dissolução da
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Sempre vi na figura sinistra de Mikhail Gorbachev, um tipo fanfarrão e ao mesmo tempo extremamente perigoso ao seu país, visto sua vontade canina de se tornar um vassalo dos imperialistas norteamericanos e infelizmente foi o que ele conseguiu1 Foi um extremado americanófilo tal qual o famigerado FHC no BR, ou seja, um traidor que deveriam terem sido enforcados em praça pública por crimes de lesa-pátria!
ResponderExcluir